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Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial (BM) e Organização Mundial do Comércio (OMC): as instituições que governam a globalização

2. ed São Paulo: Boitempo, 2016, p 11-

2.3 DEMOCRACIA E MERCADO: O PAPEL DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS NA SUPRESSÃO DA SOBERANIA POPULAR NOS ESTADOS NACIONAIS

2.3.1 Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial (BM) e Organização Mundial do Comércio (OMC): as instituições que governam a globalização

Apesar de existirem outras entidades com relevantes funções no sistema econômico internacional, a exemplo de “bancos regionais” e “numerosas organizações da ONU, como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, ou a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento”, Joseph Stiglitz afirma que o FMI, o Banco Mundial e a OMC são responsáveis pela “administração” do panorama global apresentado113.

108 CARVALHO, Laura. Valsa brasileira. Do boom ao caos econômico. São Paulo: Todavia, 2018, p. 161. 109 DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. Op. Cit., p. 277.

110 Idem. Ibidem, p. 271. 111 Idem. Ibidem, p. 198.

112 BAUMAN, Zigmunt. Globalização. As consequências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999, p. 73-

74.

As bases do programa econômico neoliberal foram construídas pelas recomendações proferidas pelo “Banco Mundial (BIRD114), Fundo Monetário Internacional (FMI), Organização Mundial do Comércio (OMC) e outras agências internacionais sob controle direto dos EUA e das potências capitalistas” cujos discursos apontavam para uma modernização, integração e liberalização da economia mundial115, a ser implementada pelos Estados Nacionais116.

Figura 2 – Tirinha da Mafalda que representa o domínio do FMI e do BM sobre a soberania dos Estados Nacionais117

Fonte: Google.

O Banco Mundial e o FMI foram criados ao final da Segunda Guerra Mundial, resultantes da Conferência Monetária e Financeira das Nações Unidas, realizado em Bretton

Woods, New Hampshire, em julho de 1944118 e que contou com a participação de 44 países119. Mészáros indica que foi em Bretton Woods que se consolidou, de uma vez por todas, o privilégio estadunidense na economia, orientada pelo dólar e pela existência das instituições internacionais estudadas, sob regência dos EUA120.

Apesar da origem comum, ambas as instituições tinham tarefas bem definidas. Quanto ao FMI, o objetivo primordial era proporcionar, no plano internacional, a estabilização das moedas, financiando “os déficits temporais das balanças de pagamentos e estimulando a

114 Neste caso, Banco Mundial (BM) e Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD) são

usados como sinônimos.

115 Stiglitz aponta, inclusive, que “os países em desenvolvimento de mais êxito, os do Leste Asiático, se abriram ao mundo de maneira lenta e gradual. Estes países aproveitaram a globalização para expandir suas exportações, e como consequência cresceram mais rapidamente. Mas desmantelaram duas barreiras protecionistas cuidadosa e sistematicamente, baixando-as somente quando se criavam novos empregos”. STIGLITZ, Joseph. El malestar en

la globalización. Ciudad de México: Punto de Lectura, 2010, p. 123.

116 TRINDADE, José Damião de Lima. História social dos direitos humanos. 3. ed. São Paulo: Petrópolis, 2011,

p. 203.

117 Tradução livre: Mafalda - “Não tenho que obedecer a ninguém, mamãe, eu sou uma presidenta!”; Mãe - “E eu

sou o Banco Mundial, o Clube de Paris e o Fundo Monetário Internacional”.

118 STIGLITZ, Joseph. El malestar en la globalización. Ciudad de México: Punto de Lectura, 2010, p. 47. 119 TOUSSAINT, Eric. Banque mondiale, le Coup d’Etat permanent. Paris: CADTM, 2006, p. 31. Disponível

em: http://www.cadtm.org/IMG/pdf/Banque_mondiale_-_version_du_2_mai_2006-2.pdf. Acesso em: 24 out. 2018.

eliminação progressiva das restrições cambiais e a observação de normas internacionais de gestão financeira comumente aceitáveis”121.

Ao Banco Mundial caberia a “responsabilidade em conceder empréstimo e ser um instrumento para mobilizar e garantir o capital privado, necessário à reconstrução dos países destroçados pela guerra” 122 no chamado Plano Marshall e, de forma subsidiária, contribuir para o desenvolvimento das regiões economicamente mais atrasadas, inclusive algumas colônias europeias na África e na Ásia123.

Apesar de ter sua criação prevista em Bretton Woods, a Organização Mundial do Comércio (OMC) foi criada apenas em 1995. Diante da expansão das atividades do FMI naquela época, recebeu o papel de estabelecer o foro das negociações comerciais e a garantia do cumprimento de acordos celebrados entre os países124.

Se após a Segunda Guerra, a Organização das Nações Unidas (ONU) foi constituída como entidade garantidora da estabilidade política entre os países, o FMI visava a estabilidade econômica, impedindo a existência de novas depressões numa economia cada vez mais integrada125. Imprescindível rememorar que as organizações internacionais apresentadas surgem no contexto da Guerra Fria e são utilizadas para reforçar a influência e o domínio estadunidense sobre os países que compunham sua base aliada.

Em seus primeiros anos, o Banco Mundial foi posto de lado frente a necessidade de realização de acordos bilaterais, doações e empréstimos diretos pelos EUA. Nos países do “Terceiro Mundo”, a dinâmica operacionalizada foi de concessão de empréstimos, em contrapartida à injeção de capitais por meio de doação realizado na Europa. Para Eric Toussaint, tal escolha política significava a negação ao desenvolvimento e desendividamento daquela região. E mais: implicava na alimentação do sistema da dívida pública, assegurando “a lealdade dos PED [países em desenvolvimento] às instituições internacionais126.

Se o FMI foi criado para intervir na economia, Stiglitz destaca que a virada neoliberal contribuiu para uma nova atuação que passou a proclamar “a supremacia do mercado com fervor ideológico”127. A contribuição financeira por meio de empréstimos e subvenções para

121 RIZZOTTO, Maria Lucia Frizon. O Banco Mundial e as políticas de saúde no Brasil nos anos 90: um projeto

de desmonte do SUS. 2000. 267 páginas. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) – Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, p. 61.

122 Idem. Ibidem, p. 61.

123 TOUSSAINT, Eric. Op. Cit., p. 33.

124 STIGLITZ, Joseph. El malestar en la globalización. Ciudad de México: Punto de Lectura, 2010, p. 54-55. 125 Idem. Ibidem, p. 47-49.

126 TOUSSAINT, Eric. Por que o Plano Marshall? CADTM, 05 ago. 2014. Disponível em:

http://www.cadtm.org/spip.php?page=imprimer&id_article=10528. Acesso em: 22 dez. 2018.

uma suposta estabilização econômica é condicionada à adoção, o mais rápido possível, de medidas neoliberais pelos Estados, a exemplo das privatizações, liberalização, macroestabilidade, políticas de austeridade e abertura ao capital estrangeiro128, possibilitando que as economias dos estados mais pobres e dependentes desmoronassem129.

Eric Toussaint elenca pontos que elucidam a atuação do Banco Mundial a partir de suas condicionantes, que trazem prejuízos aos países endividados e reforçam a ordem internacional, sob o pretexto de melhoria no bem estar dos cidadãos, que seria garantida com fundamento nas conhecidas missões do BM. Para o autor, (a) os “custos elevados para os países que pedem empréstimos”; (b) os investimentos que priorizam a infraestrutura e a exportação para a “satisfação da procura interna dos países em desenvolvimento” em detrimento da realização de direitos sociais; (c) o fluxo de capitais para o Norte do globo; e (d) os empréstimos odiosos130 - concedidos na época das ditaduras ou quando os países ainda eram colônias - criaram um peso para as nações e são fatores essenciais para a manutenção de tudo o que já foi exposto131.

As atuações das duas instituições tornam-se mescladas e não mais tão bem definidas como outrora, evidenciando o crescimento da postura imperialista de ambas, com o consequente recrudescimento da divisão internacional do trabalho.

Na década de 1980, além das concessões direcionadas ao ajuste estrutural, o BM forneceu empréstimos cujos objetivos se prestaram a realização de outros projetos nos países periféricos – grandes obras, por exemplo. A condicionante desse empréstimo era imposta pelo FMI, que “se converteu em ingrediente permanente da vida de boa parte do mundo subdesenvolvido”132.

Sob a alegação de reestabelecer o crescimento dos países atingidos pela crise econômica, “o FMI tinha as respostas (basicamente as mesmas para qualquer país), não via a

128 STIGLITZ, Joseph. El malestar en la globalización. Ciudad de México: Punto de Lectura, 2010, p. 135. 129 Idem. Ibidem, p. 41.

130 A auditoria cidadã da dívida pública afirma que a dívida odiosa, no caso do Brasil, é materializada pelos

“sucessivos acordos feitos com o FMI [e com o Banco Mundial] [...] por governos ilegítimos (ditaduras)” que “representaram ofensa à soberania nacional e violação de direitos sociais e humanos. As imposições do FMI significaram a redução dos gastos sociais, elevação de tributos, liberalização do sistema financeiro e cambial, contenção da demanda interna para estimular as exportações, reajuste de preços públicos (como os combustíveis e eletricidade), contenção de salários, altas taxas de juros, privatizações. Tais medidas representaram dano financeiro e social inestimáveis”. COORDENAÇÃO da auditoria cidadã da dívida. CPI da dívida Pública.

Auditoria Cidadã da Dívida, 30 mar. 2010, p. 3. Disponível em: https://www.auditoriacidada.org.br/wp-

content/uploads/2012/08/Informativo-mar%C3%A7o-2010.pdf. Acesso em 22 out. 2018.

131 TOUSSAINT, Eric. Banque mondiale, le Coup d’Etat permanent. Paris: CADTM, 2006, p. 37-47.

Disponível em: http://www.cadtm.org/IMG/pdf/Banque_mondiale_-_version_du_2_mai_2006-2.pdf. Acesso em: 24 out. 2018.

necessidade de nenhuma discussão, e ainda que o Banco Mundial debatesse sobre o que devia fazer, na hora das recomendações se via pisando no vazio”133.

A vontade dessas instituições, respaldada pelo G-7, prevalece no espaço de tomada de decisões. Não se constata o cumprimento do objetivo inicial de estabilidade econômica, visto que aproximadamente “uma centena de países têm entrado em crise; e o que é pior, muitas das políticas recomendadas pelo FMI, em particular as prematuras liberalizações dos mercados de capitais, contribuíram à instabilidade global”134.

Aqueles que representam o FMI e o Banco Mundial em seus cargos máximos são figuras dos países centrais, vinculados às empresas transnacionais, sendo comum a atribuição dos cargos principais, de direção ou comando do FMI a um europeu e do Banco Mundial a um estadunidense135. As eleições são feitas a portas fechadas, mantendo a estrutura resultante da correlação de forças decorrentes da Segunda Guerra, inexistindo qualquer espécie de prestação de contas aos impactados pelas políticas das organizações136.

Stiglitz relata que além de não solucionar a questão da estabilidade econômica, o déficit democrático é problemático. A antidemocracia – ou, para Dardot e Laval, pós-democracia137 – neoliberal criou canais de comunicação que não englobam a democracia, seja representativa ou participativa, mas links corporativos entre as organizações internacionais e os ministros da Fazenda e os presidentes dos Bancos Centrais, já que há um alinhamento político entre os dois grupos, no qual o Ministério do Comércio e seus figurões representam os interesses da comunidade internacional e os “ministros da fazenda e os presidentes dos Bancos Centrais costumam estar muito vinculados com a comunidade financeira; provém de empresas financeiras e, depois de sua etapa no Governo, ali voltam”138.

Milton Santos corrobora com a mencionada leitura ao afirmar que a vontade política dos Bancos Centrais muitas vezes é sobreposta à dos Parlamentos139, sendo habitual designar para a chefia daqueles “personagens mais comprometidos com os postulados ideológicos da finança internacional do que com os interesses concretos das sociedades nacionais”140.

133 STIGLITZ, Joseph. El malestar en la globalización. Ciudad de México: Punto de Lectura, 2010, p. 51-52. 134 Idem. Ibidem, p. 53-54.

135 Idem. Ibidem, p. 60.

136 STIGLITZ, Joseph. Op. Cit., p. 49;60.

137 DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo. Ensaio sobre a sociedade neoliberal. São

Paulo: Boitempo, 2016, p. 8.

138 STIGLITZ, Joseph. El malestar en la globalización. Ciudad de México: Punto de Lectura, 2010, p. 60-61. 139 Resguardadas suas problemáticas, aqui se considera que seriam uma forma de expressão da democracia

representativa.

Apesar do que se demonstrou, sob o manto de uma suposta tecnicidade, o Acordo Constitutivo do Banco Mundial, de 1944, que foi promulgado no Brasil pelo Decreto nº 21.177, de 27 de maio de 1946, expressa no artigo IV, seção 10 que

o Banco e seus agentes não deverão intervir nos assuntos políticos de qualquer membro, nem se deixarão influenciar, nas suas decisões, pelas características políticas do membro ou dos membros em questão. As suas decisões só deverão ser informadas por considerações de ordem econômica, as quais deverão ser objeto de exame imparcial para que possam atingir-se os objetivos enunciados no artigo 1141.

De modo contrário ao expresso no documento normativo, Eric Toussaint relaciona dois golpes militares realizados na América Latina – Brasil (1964-1985) e Chile (1973-1990) – ao sistema de endividamento dos países, que perdurou mesmo após a redemocratização, demonstrando a influência indireta das organizações internacionais que se locupletam largamente do processo antidemocrático e de endividamento142.

O Relatório Mundial sobre o Desenvolvimento Humano (PNUD – 1994) enfatizou que de fato, a ajuda dada pelos Estados Unidos, durante os anos 1980, é inversamente proporcional ao respeito pelos direitos humanos. Os doadores multilaterais também não parecem muito incomodados com tais justificações. Parecem, de fato, preferir os regimes autoritários, aceitando sem pestanejar que esses regimes favorecem a estabilidade política e gerem melhor a economia143.

O esvaziamento democrático nos Estados é construído por um novo governo, de dimensão global, o que Stiglitz chama de “governo global sem Estado global”, tendo como principais protagonistas as instituições acima descritas e apoiado pelos Ministros de Finanças, Economia e Comércio dos países144.

141 BANCO MUNDIAL, Acordo Constitutivo do Banco Mundial. Centro de Direito Internacional. Disponível

em: http://centrodireitointernacional.com.br/wp-content/uploads/2014/05/Acordo-Constitutivo-do-Banco- Mundial-BIRD.pdf. Acesso em: 25 out. 2018.

142 TOUSSAINT, Eric. Banque mondiale, le Coup d’Etat permanent. Paris: CADTM, 2006, p. 88-89.

Disponível em: http://www.cadtm.org/IMG/pdf/Banque_mondiale_-_version_du_2_mai_2006-2.pdf. Acesso em: 24 out. 2018.

143 TOUSSAINT, Eric. Banque mondiale, le Coup d’Etat permanent. Paris: CADTM, 2006, p. 87. Disponível

em: http://www.cadtm.org/IMG/pdf/Banque_mondiale_-_version_du_2_mai_2006-2.pdf. Acesso em: 24 out. 2018.

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