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2. ed São Paulo: Boitempo, 2016, p 11-

2.2.3 Reestruturação produtiva e a formação/aprofundamento do precariado

No âmbito da reestruturação produtiva em escala global, observa-se a precarização estrutural do trabalho em todo o mundo78. Durante a década de 1970 há uma progressiva substituição do padrão de acumulação taylorista-fordista79 pelo toyotista nos setores industriais, de serviços e de agricultura, em observância à nova divisão internacional do trabalho (DIT)80.

Com o fim da Guerra Fria e após o desmoronamento do Leste Europeu na década de 1980, a nova DIT redistribuiu áreas de influências entre EUA, Alemanha e Japão, ainda que prevalecente o domínio do país americano.

O toyotismo se desenvolveu fortemente no Japão, como uma das respostas ao fordismo verticalizado, sendo responsável pela retomada capitalista naquele país, ao criar um modelo mais flexível e garantidor de maior acumulação para as empresas. Vinculado aos fluxos da demanda, pela multivariedade e flexibilidade de funções, reduzindo as “atividades improdutivas” e “transferindo a ‘terceiros’ grande parte do que anteriormente era produzido

74 STIGLITZ, Joseph. El malestar en la globalización. Ciudad de México: Punto de Lectura, 2010, p. 120-121. 75 Idem. Ibidem, p. 38-39.

76 Idem. Ibidem, p. 39. 77 Idem. Ibidem, p. 40.

78 ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão. O novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo:

Boitempo, 2018, p. 55-56.

79 Combinando a produção em série fordista sob o cronômetro taylorista, o padrão de acumulação taylorista-

fordista foi erigido no Estado de bem-estar social, tendo por característica o “ritmo seriado, rígido e parcelar”, com finalidades de produção em massa para criar e atender a um consumo igualmente massificado. A produção fordista é homogeneizada e verticalizada, representada por um trabalhador (da indústria ou de serviços) semiqualificado, “unilateral, estandartizado, parcelar, fetichizado, coisificado e maquinal”, ainda que contratado nos conformes da legislação trabalhista. Idem. Os sentidos do trabalho. Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 2. ed. 3. reimp. São Paulo: Boitempo, 2015, p. 247.

dentro da empresa”, a lean production implementa a noção da “empresa enxuta, empresa ‘moderna’, a que Marx chamou de trabalho morto”81.

Os Estados influenciados pelas potências centrais, em maior ou menor dependência, vivem o processo de reestruturação de forma subalterna82. Por essa razão, a classe trabalhadora brasileira no modelo fordista já passava por uma “superexploração do trabalho, [...] pela articulação de baixos salários, uma jornada de trabalho prolongada (nos períodos de ciclo expansionista) e de fortíssima intensidade”83.

É imprescindível recordar que os quase quatro séculos de escravidão negra e os períodos autoritários (Estado Novo e ditadura civil-militar) contribuíram para a caracterização de um regime trabalhista antidemocrático e superexplorador no Brasil. Fator que, quando combinado ao processo de reestruturação produtiva e “(re)inserção no sistema produtivo global do capital” (a partir da década de 1990), implica num recrudescimento dessa superexploração84.

Nesta senda, falar sobre direito do trabalho, é também tratar dos direitos humanos e, principalmente, sociais em sua totalidade pois, as relações laborais são expressões qualitativas da organização da sociedade contemporânea.

Ricardo Antunes aduz que o precariado constitui a origem do proletariado brasileiro, ao mesmo tempo em que as novas relações jurídicas laborais e a premente informalidade no mundo do trabalho fazem gerar outros tipos de precarização. Neste último grupo, o sociólogo destaca a presença massiva da juventude vinculada ao setor de serviços, que trabalha “por tempo determinado, dos terceirizados e intermitentes, modalidades que não param de se expandir”85.

Em contraposição ao avanço da tecnologia e informatização do trabalho, há o aprofundamento da informalidade, assegurando instabilidade e insegurança86 à classe trabalhadora87. A ideia de produção flexível se expande para o perfil do trabalhador e do próprio Estado sob a justificativa de que o movimento operário e suas reivindicações haviam contribuído para o aprofundamento da crise do capital88.

81 ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho. Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 2. ed. 3.

reimp. São Paulo: Boitempo, 2015, p. 248.

82 Idem. Ibidem, p. 34. 83 Idem. Ibidem, p. 232. 84 Idem. Ibidem, p. 233.

85 Idem. O privilégio da servidão. O novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2018, p.

62.

86 “[...] o trabalho estável, herdeiro da fase taylorista-fordista, relativamente moldado pela contratação e pela regulamentação, vem sendo substituído pelos mais distintos e diversificados modos de informalidade, de que são exemplos o trabalho atípico, os trabalhos terceirizados (com sua enorme variedade), o ‘cooperativismo’, o ‘empreendedorismo’, o ‘trabalho voluntário’ e mais recentemente os trabalhos intermitentes”. Idem. Ibidem, p. 67.

87 Idem. Ibidem, p. 23.

88 ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: SADER, Emir; GENTILI, Pablo (orgs.). Pós- neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003, p. 10.

As empresas transnacionais, por meio dos Estados, passam a defender “modernizações”: das relações trabalhistas, econômicas, de direitos sociais, viabilizadas pela “flexibilização” e “desregulamentação”, revelando a desumanização dessas práticas materializadas em legislações antitrabalho89. Adota-se o conceito de “flexiseguridade” como sendo uma mediação entre a proteção do trabalho e dos interesses do capital, o que em verdade, representa um eufemismo para a legitimação da adoção de práticas neoliberais90. Ednéia Alves de Oliveira utiliza o vocábulo “flexinsegurança” ao adaptar a terminologia91.

A flexibilidade na relação laboral pode ser constatada em três momentos: (a) na entrada, diante da observância de novas formas de emprego atípico, ou seja, na admissão do trabalhador; (b) interna, ao garantir a possibilidade de alterações de condições de contrato e do conteúdo da prestação (muitas vezes mais prejudiciais ao trabalhador), de forma negociada ou unilateral; e (c) de saída, frente a diminuição de garantias no momento da demissão ou rescisão do contrato de trabalho92.

A figura do trabalhador é substituída pela do colaborador, que deve ser, como a empresa, mais polivalente e multifuncional, seja do setor da indústria, serviços ou agrário, público ou privado. Corrói-se a noção de trabalho contratado e regulamentado, cada vez mais flexibilizado, terceirizado, “pelas formas de trabalho part in time, pelas diversas formas de ‘empreendedorismo’, ‘cooperativismo’, ‘trabalho voluntário’, ‘terceiro setor’ etc.”, no qual a exceção ganha status de regra, tanto nos países do Sul, quanto nos países centrais93.

A globalização do desemprego e da precarização, trouxe à divisão internacional do trabalho a especificação de que as contradições mundiais afetam a economia em sua totalidade e as necessidades decorrentes representam demandas do capital que esbarram nos pactos

89 Especificamente sobre as relações de trabalho, Mészáros afirma que em determinados idiomas, o termo “trabalho

temporário” equivale à “precarização”, apesar de também ser traduzido por “emprego flexível”. O autor associa a existência da flexibilização ao autoritarismo dos legisladores, conforme foi percebido na tramitação da recente reforma trabalhista brasileira. MESZÁROS, István. Para além do Capital. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 34. 90 RAYMOND, Wilfredo Sanguineti. El Derecho del Trabajo en Europa y América Latina: un diálogo en divergencia. Relaciones Laborales. Rioja, La Ley, n. 59, p. 13-18, 2012.

91 OLIVEIRA, Ednéia Alves de. A política de emprego no Brasil: o caminho da flexinsegurança. Revista Serviço

Social e Sociedade, São Paulo, n. 111, p. 493-508, jul./set. 2012.

92 RAYMOND, Wilfredo Sanguineti. La “deconstrución” del Derecho del Trabajo de base nacional em la era de la globalización: ¿un devenir inevitable?. Relaciones Laborales. Rioja, La Ley, n. 23, p. 121-135, 2004. A recente contrarreforma trabalhista brasileira traz exemplos concretos do que se afirma. No caso da flexibilidade de entrada, a criação do contrato de trabalho intermitente (art. 443, CLT) ilustra a situação. A prevalência do negociado sobre o legislado (611-A), inclusive em casos que restrinjam direitos do trabalhador, demonstra a flexibilidade interna. O artigo 484-A da CLT, que permite a “rescisão por acordo” ou “demissão consensual”, materializa um exemplo de flexibilidade de saída.

93 ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão. O novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo:

constitucionais dos países. A Lei nº 13.429/2017, que dispõe sobre a terceirização irrestrita, representa um modelo do que se afirma.

A reestruturação produtiva do capital tem ampliado a noção do que seria a classe-que- vive-do-trabalho94, inexistindo limites para a flexibilização e consequente precarização95. Atualiza-se a morfologia do trabalho, composta por um campo mais amplo, heterogêneo, complexo e fragmentado de pessoas96.

Tratado pelo neoliberalismo como taxa “natural”, o desemprego estrutural abre margem ao crescimento da informalidade e da necessidade de “polivalência e multifuncionalidade” da classe trabalhadora, formada pela imagem heterogênea “além das clivagens entre os trabalhadores estáveis e precários, homens e mulheres, jovens e idosos, nacionais e imigrantes, brancos e negros, qualificados e desqualificados, ‘incluídos e excluídos’”97. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgou em 2018 que 61,2% das pessoas empregadas no mundo, o que em valores absolutos significa 2 bilhões de pessoas, se encontram na economia informal98.

94 Ricardo Antunes discorre sobre o precariado, uma nova classe, “diferenciada do proletariado herdeiro da era

taylorista-fordista. Sua configuração se aproximaria, então, de uma nova classe mais desorganizada, oscilante, ideologicamente difusa e, por isso, mais vulnerável, mais facilmente atraída por ‘políticas populistas’, suscetíveis de acolher apelos ‘neofascistas’”. ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão. O novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2018, p. 58.

95 Idem. Ibidem, p. 142.

96 “Aqueles e aquelas que vendem sua força de trabalho em troca de salário, incorporando, além do proletariado industrial, dos assalariados do setor de serviços, também o proletariado rural, que vende sua força de trabalho para o capital. Essa noção incorpora o proletariado precarizado, o subproletariado moderno, part in time, o novo proletariado dos Mc Donalds, os trabalhadores hifenizados [...], os trabalhadores terceirizados e precarizados das empresas liofilizadas [...], os trabalhadores assalariados da chamada “economia informal”, que muitas vezes são indiretamente subordinados ao capital, além dos trabalhadores desempregados, expulsos do processo produtivo e do mercado de trabalho pela reestruturação do capital que hipertrofiam o exército industrial de reserva, na fase de exploração do desemprego estrutural”. ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão. O novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2018, p. 89.

97 Idem. Século XXI: nova era da precarização estrutural do trabalho? In: ANTUNES, Ricardo; BRAGA, Ruy

(orgs.). Infoproletários. Degradação real do trabalho virtual. São Paulo: Boitempo, 2009, pp. 237-238.

98 ILO. Women and men in the informal economy: a statistical picture. 3. ed. Geneva: ILO, 2018, p. 13.

Disponível em: https://www.ilo.org/global/publications/books/WCMS_626831/lang--pt/index.htm. Acesso em: 17 mar. 2019.

Figura 1 – Porcentagem da distribuição do emprego informal ao redor do mundo incluindo agricultura

Fonte: OIT

É verificado ainda o aprofundamento dos “mecanismos de controle e de subordinação” sobre a classe-que-vive-do-trabalho por meio das

formas de intensificação do trabalho, a burla dos direitos, a superexploração, a vivência entre a formalidade e a informalidade, a exigência de metas, a rotinização do trabalho, o despotismo dos chefes, coordenadores e supervisores, os salários degradantes, os trabalhos intermitentes, os assédios, os adoecimentos, padecimentos e mortes decorrentes das condições de trabalho indicam o claro processo de proletarização dos assalariados de serviços que se encontra em expansão no Brasil e em várias partes do mundo, dada a importância das informações no capitalismo financeiro global99.

Os parâmetros de proteção e seguridade social são rebaixados, ao mesmo tempo em que a classe trabalhadora adoece mais, aumenta a incidência de acidentes de trabalho100, além da imposição de baixos salários “associada a ritmos de produção intensificados e jornadas de trabalho prolongadas”101.

Por conta do desemprego estrutural, menos trabalhadores laboram em ritmo e intensidade semelhantes ao capitalismo no início da Revolução Industrial, reduzindo-se o trabalho estável pela necessidade de explorar ao máximo a força de trabalho102. Além da

99 ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão. O novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo:

Boitempo, 2018, p. 64.

100 “As mudanças ocorridas no mundo do trabalho nas últimas décadas resultaram na constituição de um exército

de trabalhadores mutilados, lesionados, adoecidos física e mentalmente, muitos deles incapacitados de forma definitiva para o trabalho”. Idem. Ibidem, p. 151.

101 Idem. Ibidem, p. 138. Para aprofundar o estudo neste tema, recomenda-se a leitura de ANTUNES, Ricardo;

PRAUN, Luci. A sociedade dos adoecimentos no trabalho. Serviço Social e Sociedade. São Paulo, n. 123, p. 407- 427, jul./set. 2015.

informalidade, o medo e a insegurança da perda do emprego permeiam as relações de trabalho no neoliberalismo, o que faz com que a classe trabalhadora se submeta a condições cada vez mais precárias de trabalho e a reduzidos salários.

Com a desconstrução da reduzida protetividade da legislação social, elimina-se a existência de limites à exploração do trabalho e do trabalhador, fato este sintetizado na simplória, porém reveladora, máxima de que “o capital é absolutamente incapaz de respeitar os seres humanos”103.

A função social do Direito do Trabalho – sua razão de ser histórica – estaria vinculada à garantia de segurança e manutenção das relações sociais laborais por meio do “processo de juridificação do conflito entre o trabalho assalariado e o capital, de sua canalização ou institucionalização pelo Estado”104. No neoliberalismo, a segurança jurídica é reivindicada tão somente para manutenção da lucratividade do capital. A partir de um discurso modernizador e de flexibilização nas relações jurídicas, as contrarreformas laborais desestruturam o equilíbrio entre os sujeitos do contrato de trabalho, culminando na erosão dos direitos sociais.

Comprova-se a reversibilidade dos ganhos da classe trabalhadora, tanto em países de capitalismo central quanto nos periféricos. O capital se expande à custa do trabalho, destacando- se o papel do Estado intervencionista e promotor, não dos direitos sociais, mas da cartilha neoliberal105.

2.3 DEMOCRACIA E MERCADO: O PAPEL DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

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