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CAPÍTULO 3. OS ASSENTAMENTOS RURAIS E A SEGURANÇA ALIMENTAR: O CAMINHAR

3.4 O Caminhar do Assentamento Horto Vergel no decorrer dos seus 16 anos de luta

3.4.6 Condições de Vida no Vergel

3.4.6.1 Moradia

Inicialmente, na fase de Assentamento, as famílias moraram em barracas de lona, não existia nenhum investimento para a melhoria destes espaços temporários. Como bem transcreve Soares (2005, p. 31) e segundo a fala do Secretário da Saúde daquela época, quando conheceu o acampamento: “era um pequeno aglomerado de barracos de lona preta com algumas casas de alvenaria”

As casas de alvenaria as quais se refere o relato são as casas da FEPASA pré-existentes ao acampamento e que conformavam a agrovila.

Posteriormente e com a transformação do acampamento em Assentamento e a consequente ida das famílias aos lotes, as barracas de lona foram desaparecendo e uma nova paisagem foi se criando, paisagem na qual podia se observar as casas de madeira nos espaços definitivos definidos para cada família.

Esta madeira provinha dos eucaliptos existentes no Horto Vergel e que o governo entregou a cada família em forma de Kit de tábuas para a construção das casas nos lotes; com isto, a maioria das famílias construiu sua primeira casa de madeira, mas, o problema que aqui começou a surgir é que as ripas de madeiras se apresentavam como um risco à saúde das famílias,

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pois se constituíam numa entrada para as aranhas, escorpiões, ratos, víboras, etc, além de vento e poeira, próprio de um ecossistema de eucaliptos e vegetação fechada.

Segundo Siqueira (2008), em 2003 e 2004, 77 famílias titulares receberam do INCRA o valor de R$ 5.000,00 cada, para a aquisição de materiais para melhoria da moradia, contudo, problemas referidos ao plano de construção das casas, quantidade de material e a visão do tipo de moradia que cada família queria particularmente ter, levou às famílias ao descontentamento geral com este financiamento. LUCA (2005, p. 173) retrata, através de um depoimento, este fato:

A quantidade de tijolos que cada um recebeu era menor do que daria para construir uma casa, mas esses tijolos foram aproveitados de outras formas. Um fez galinheiro, outro um cômodo para um filho, outro ampliou a casa de madeira, outro vendeu o tijolo, outro deixou o tijolo parado no sítio, um construiu uma casa para produção de mel. Enfim, cada um aproveitou de uma forma o recurso que recebeu.

Em 2005 a maioria de casas construídas nos lotes era de madeira, mas também existiam lotes nos quais as famílias estavam construindo casas de alvenaria. Em 2008 a realidade não mudou muito com respeito a 2005, nas 153 casas existentes naquele ano, continuava-se observando que, a maioria das famílias, vivia em casas de madeira com chão de terra batida e no lugar das portas dos quartos existiam lençóis ou panos pendurados. Alguns telhados eram de madeira e outros de cimento amianto. Também existiam casas de alvenaria acabadas e por acabar. Algumas casas tinham misturado madeira e alvenaria na sua construção GUERRERO (2009).

Em 2011 a pesquisa de Brosler (2011) indicou que a questão habitacional do Vergel é de baixa qualidade devido aos problemas que a infraestrutura apresenta:

Considerando-se os aspectos de qualidade dessas habitações, a questão habitacional do Horto Vergel se caracteriza pela baixa qualidade das casas e risco à saúde pela presença de escorpião, ratos, goteiras e condições favoráveis à aparição do “bicho barbeiro (BROSLER, 2011, p.132).

A mesma autora assinala para a tendência na construção de casas de alvenaria, isto devido ao incremento da renda, produto, indica, da inserção das famílias no Programa de Aquisição de Alimentos - PAA e no Programa Nacional de Alimentação Escolar- PNAE. Assinala que o Estado sendo o principal provedor do direito à moradia, apresenta-se incapaz de cumpri-lo. Aponta também para a existência de uma “mudança de padrão”, em que a alvenaria é uma

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referência na passagem de um padrão de vida para outro de maior “status” deixando de lado a tradição nas técnicas construtivas vistas como primitivas e decadentes.

QUADRO 08: Evolução do número de casas do Assentamento Horto Vergel, anos 1997- 2013

1997-2003 Fase de

Assentamento 2008 2011 2013

Barracos de lona, alguns de com taipa, pau-a-pique e adobe. 9343 casas de madeira 15344 casas (madeira e alvenaria acabada e inacabada). 15845 (Madeira e alvenaria) 196 casas (madeira, alvenaria acabada e inacabada)

Fonte: Elaboração própria a partir de GUERRERO, 2009; BROSLER, 2011; e dados de campo 2008, 2013.

Em 2013 houve uma evolução marcada no que diz respeito ao número de casas construídas, ao tipo de construção e às melhoras das casas já existentes em 2008. Evidenciou-se que as novas casas construídas obedecem, dentre outras coisas, ao incremento das famílias dependentes, à subjetividade de maior “status quo” e à maior renda obtida nestes últimos tempos (Quadro 08).

O tipo de construção teve forte tendência à alvenaria em substituição da madeira e, as benfeitorias feitas às casas preexistentes estiveram baseadas na pintura, reboque de paredes, melhoria do telhado, cimentado dos pisos, dentre outras.

É evidente como desde a fase de acampamento a evolução da moradia no Vergel esteve relacionada com o desenvolvimento do mesmo; isto evidencia uma vez mais o indicado por Bergamasco (1997): (...) a construção e a reconstrução de um novo modo de vida pelos assentados inclui, em um primeiro momento, a implantação de sua moradia, quer de alvenaria, madeira ou taipa, e de formas as mais distintas: mutirão, familiar, troca de favores, etc”.

Importante destacar que os lotes do Vergel foram distribuídos, mediante sorteio, a todas as famílias, mas, como antes disso, algumas das famílias tinham se instalado nas casas pré-

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Segundo BROSLER, 2011.

44 Segundo GUERRERO, 2009. 45 Segundo BROSLER, 2011.

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existentes na agrovila, muitas delas após receber o lote não quiseram deixar esta moradia temporária.

Segundo dados de 200 , das 87 famílias titulares entrevistadas, 12 famílias moravam na “agrovila”46

e não tinham construído casa nos lotes; além disto, os dados informaram que 10 das 12 famílias não tinham nenhuma atividade produtiva no lote. Evidenciou-se também que estas 10 famílias moravam em situação de Insegurança Alimentar; sendo que quatro destas encontravam- se em insegurança alimentar grave (Quadro 09):

QUADRO 09: Situação das famílias titulares moradoras da agrovila 2008-2013

Famílias

titulares Moradia 2008 Moradia 2013

1 Mora agrovila + Sem Act. Produtiva no lote Nova famílias assentada, mora no lote 2 Mora agrovila + Sem Act. Produtiva no lote Mora agrovila + Sem Act. Produtiva no lote 3 Mora agrovila + Alguma Act. Prod. no lote Mora no lote e agrovila + Act. Produtivas 4 Mora agrovila + Alguma At. Prod. no lote Mora no lote + Act. Produtivas

5 Mora agrovila + Sem Act. Produtiva no lote Nova famílias assentada, mora no lote 6 Mora agrovila + Sem Act. Produtiva no lote Mora agrovila + Sem Act. Produtiva no lote 7 Mora agrovila + Sem Act. Produtiva no lote Mora agrovila + Sem Act. Produtiva no lote 8 Mora agrovila + Sem Act. Produtiva no lote Mora na agrovila e está trabalhando no lote 9 Mora agrovila + Sem Act. Produtiva no lote Mora no lote, ainda não tem produção Agrícola 10 Mora agrovila + Sem Act. Produtiva no lote Mora no lote + Act. Produtivas

11 Mora agrovila + Sem Act. Produtiva no lote Mora no lote + Act. Produtivas 12 Mora agrovila + Sem Act. Produtiva no lote Mora no lote + Act. Produtivas

Fonte: Elaboração própria com base em dados de campo 200 e 2013.

Em 2013 a situação mudou significativamente, do total destas 12 famílias, duas delas não moram mais no Assentamento; cinco continuam morando na agrovila, mas duas delas já têm construído casa nos seus lotes e têm atividades produtivas no mesmo. As outras quatro famílias restantes, que em 2008 moravam na agrovila, atualmente moram nos seus lotes, desenvolvem atividades produtivas e estão inseridas nos programas de venda de alimentos como o Programa de Aquisição de Alimentos. Finalmente havia uma família que mora no lote, mas não produz nada nele, a situação desta família, segundo lideranças do Horto Vergel, está sendo revista por parte do ITESP, pois possivelmente este lote seja transferido a outra família.

Como evidenciado, de uma infeliz situação na qual as famílias do Vergel não tinham um teto sob o qual viver, moravam embaixo das pontes, pagavam aluguel, moravam nos quintais de

46 Conjunto de casas deixadas pela Ferrovia Paulista – FEPASA, que desenvolvia trabalhos no Vergel antes deste se

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amigos, eram moradores de rua, etc., passa-se para uma situação na qual as famílias, já apropriadas do espaço, têm mais de uma casa para viver, escolhem o material para a construção, o tipo de acabamento e deixam rolar seus sonhos de casa ideal. Mas, qual seria o destino destas famílias se não tivessem lutado pelo sonho de uma vida digna? O que haveria acontecido se não tivesse ocorrido a reforma agrária no espaço que agora é o Horto Vergel?.