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CAPÍTULO 3. OS ASSENTAMENTOS RURAIS E A SEGURANÇA ALIMENTAR: O CAMINHAR

3.4 O Caminhar do Assentamento Horto Vergel no decorrer dos seus 16 anos de luta

3.4.1 O Assentamento Horto Vergel: um pouco de história

Como resposta à necessidade de teto, trabalho e vida digna de pessoas que ficaram fora do enorme tabuleiro do poder, e com a ajuda de organizações sociais e instituições públicas e privadas, iniciaram-se em 1996 as primeiras reuniões de organização do que seria hoje o Assentamento Horto Vergel, área na qual se desenvolveu esta pesquisa.

As reuniões de organização e planejamento da ocupação iniciaram-se em 1997, fruto destas, identificou-se, por questões estratégicas, que a área a ser ocupada seria o Horto Florestal de Vergel; horto pertencente ao Estado de São Paulo, cedido às Ferrovias Paulistas S/A- FEPASA, fato pelo qual a área detinha certa infraestrutura como uma carvoaria, casas, barracões e uma igreja em ruínas. A área era uma fazenda onde se produzia eucaliptos da espécie Eucalyptus citriodora cuja madeira era utilizada tanto para as fornalhas das locomotivas como para as dormentes dos trilhos destas.

Na madrugada do dia 12 de Outubro de 1997, sem nenhum tipo de resistência nem violência, o Horto Vergel foi ocupado por 250 famílias14 que acamparam no lugar que posteriormente se converteria no espaço do recomeço de uma nova vida.

A organização interna, durante o acampamento foi feita pelos próprios assentados e as lideranças dos sindicatos e organizações sociais que lhes acompanhavam. Dia a dia o sentimento coletivo foi se afiançando e a solidariedade com o próximo foi permeando a relações dos “acampados”.

Em setembro de 199815 e já com 112 famílias acampadas o “acampamento Horto Vergel” converteu-se em Assentamento regularizado, reconhecido pelo INCRA e sob a responsabilidade do ITESP16 através da portaria 12 do 08 de dezembro de 2000 (ITESP, 2008), tomando a denominação de “Assentamento Horto Vergel”. Neste ano, e para representar às famílias acampadas nas suas relações com a sociedade, foi formada a Associação dos Pequenos Produtores Rurais “12 de Outubro” – APPR, associação que se mantém em pé até os dias atuais.

13 A história do Horto Vergel que aqui descreve-se sucintamente, foi feita em base às detalhadas informações

históricas do Horto Vergel que podem ser encontradas em Luca (2005); Soares (2005) e Miranda (2008).

14 Segundo Luca (2005). 15

“Ano de Início” segundo o ITESP e difere da data de criação estabelecida pelo INCRA.

16 O acesso da informação inicial do Assentamento, não é socializado ao público, nesta pesquisa, embora os muitos

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É assim como nasce o Horto Vergel, um novo Assentamento na constituição espacial do Brasil, implantado sob uma luta singular própria das características dos demandantes e a postura do Estado e configurado sob um sistema particular de coerções e cobrança recíprocas com este (BERGAMASCO e FERRANTE, 199 ). O Vergel, igual a todos os Assentamentos do Brasil, nasceu com um sonho em comum: ter uma nova vida, uma vida digna e um futuro coerente com esta. A conquista deste sonho estaria assegurada pelas condições privilegiadas (se comparados ao comum dos camponeses) de produção, garantidas pelo Estado, mas também estaria à mercê das ações ou omissões deste.

E como bem assinala Leite et al. (2004 p. 65) o Estado se reflete através dos Assentamentos: “Ao criar o Assentamento, o Estado assume a responsabilidade de viabilizá-lo, queira o Estado (na pessoa daqueles que o fazem existir) ou não, o desempenho de um Assentamento é o desempenho do Estado”.

A vida dos assentados na fase de ocupação do Assentamento é muito difícil, tudo está para ser feito, este fato piora em função às capacidades que as famílias carregam consigo mesmas:

A fase inicial de chegada ao Assentamento, especialmente nos casos em que a população não vivia na área é bastante difícil, pois tudo no lote está por fazer... a dimensão dessas dificuldades se torna ainda mais clara se levamos em conta o perfil social da população assentada, que além da precária inserção anterior no mercado de trabalho, em geral sofre desgastes econômicos no processo de luta pela terra. Além disso, os primeiros rendimentos a serem retirados do lote (monetários e em alimentos) só virão a partir da primeira colheita. Antes, porém, em todo o período da primeira safra...o lote demanda grandes investimentos em material e trabalho por parte da família assentada. Neste sentido para dotar as famílias de um mínimo de condições iniciais para sua inserção social, econômica e produtiva, tem grande importância o acesso aos créditos de instalação ou implantação administrados pelo INCRA mediante três modalidades: fomento, alimentação e habitação, que deveriam atender a todas as famílias no momento de chegada ao Assentamento (LEITE et al., 2004, p.87)

Ante tudo isto pode-se dizer que o ponto de partida da vida no Assentamento constitui-se em chave no processo de desenvolvimento dos assentados. A presença do Estado através da oportunidade dos créditos, financiamento, organização, assistência técnica e demais ações próprias da RA, é fundamental para impulsionar a vida no novo espaço; a presença do Estado, associada às capacidades e motivações que cada assentado carrega consigo mesmo, confluem

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numa sinergia positiva que no final resulta no desenvolvimento ou não das famílias e da comunidade assentada.

No Vergel, e da mesma forma que relatado por Leite et al. (2004), tudo tinha que ser feito, o único aspecto que estava definido para as famílias era a força motivadora do sonho de um futuro melhor, força que as impulsionava a enxergar além das dificuldades encontradas desde o dia em que puseram o pé, naquele novo espaço, vestindo a denominação de “assentado”, uma denominação que eles mesmos nem conheciam, mas que como veremos mais adiante; souberam engrandecer.