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4. COMO O TERROR VIRA NOTÍCIA

4.3 A morte de James Foley

James Foley foi um jornalista americano sequestrado na Síria pela milícia radical Estado Islâmico (EI). Ele foi morto em setembro de 2014 pela organização depois de um ano em ca- tiveiro. O vídeo em que Foley é decapitado por um integrante do EI foi postado pelo grupo no You Tube e visto por milhões de pessoas em todo o mundo.

No vídeo, Foley aparece usando o macacão laranja e diz que o seu verdadeiro assassino são os Estados Unidos. Um integrante do EI aparece ao seu lado, encapuzado e vestido de preto. Ele afirma ainda que o grupo tinha em seu poder outro refém. Era o fotógrafo Steven Sotloff, morto semanas depois da mesma maneira. Pouco tempo depois, um grupo argelino

ligado ao EI matou o guia turístico francês Hervé Gourdel e também fez um vídeo mostrando seu corpo decapitado. Foley não foi o primeiro jornalista a ser decapitado em frente a uma câmera. Em 2002, o repórter do The Wall Street Journal Daniel Pearl foi morto dessa forma por membros do Taliban no Paquistão.

O uso da internet para divulgação do vídeo (e a enorme repercussão que teve) dão pistas de um fenômeno recente que faz com que o terrorismo dependa menos da mídia tradicional. Dada a grande popularização e dispersão da internet, das mídias móveis e das redes sociais nos últimos dez anos, diversas organizações terroristas têm encontrado na web um espaço de divulgação e interlocução. Quase todas têm websites e conexões em fóruns. A grande penetra- ção no meio online é especialmente importante no caso das organizações internacionais, visto que a dispersão geográfica é minimizada através da comunicação via web. O EI tem até uma revista online própria, publicada em inglês, que traz informações sobre as ações do grupo e seus pontos de vista.

Um levantamento feito por Weiman (2008) analisou centenas de grupos terroristas e sua presença na internet entre 1998 e 2007. O estudo observou que:

a) Em 1998, menos da metade das organizações determinadas como terroristas pelo Departamento de Estado americano tinha websites

b) Em 1999, quase todos esses grupos tinham ao menos uma forma de presença online, seja por sites ou fóruns

c) Em 2003, eram 2.300 os grupos terroristas na internet d) Em 2006, esse número subiu para 5.300

Segundo o autor, as grandes vantagens da internet são a descentralização e ausência de controle e censura, bem como o acesso facilitado a qualquer um. “A internet se tornou um fórum tanto para grupos quanto indivíduos ligados ao terrorismo para espalhar suas mensa- gens de ódio e violência e para se comunicarem entre si, seus apoiadores, simpatizantes e até mesmo lançar uma guerra psicológica entre seus inimigos” (WEIMAN, 2008, p. 75).

A análise feita por Weiman (2008) indicou que a presença terrorista na internet procu- ra atrair três audiências: os apoiadores, a comunidade internacional, jornalistas e os inimigos. O primeiro grupo é contemplado de maneira óbvia. Os sites em geral dão detalhes da movi- mentação das organizações, dados da situação política entre organizações locais e têm dispo-

níveis para venda online itens como camisetas e bandeiras, que por sua vez servem como fi- nanciamento às atividades. A comunidade internacional é visada à medida em que os sites se apresentam em versões de diversas línguas. Os jornalistas são um público esperado para al- guns sites que apresentam press releases e informações sobre a história do grupo. Um site do Hezbollah chega a convidar jornalistas a se corresponderem com o grupo por e-mail. Por fim, os inimigos são público alvo de conteúdo que visa desmoralizar e criar sentimento de culpa ou medo.

As organizações tentam usar seus websites para mudar a opinião pública nos Estados inimigos, enfraquecer o apoio popular ao governo em atuação, esti- mular o debate e, claro, desmoralizar o inimigo. A internet é usada por terr- roristas para postagem de montagens assustadoras de execuções, decapita- ções, snipers e bombardeios mortais para causar medo nas tropas inimigas. Os grupos também usam a internet para enviar ameaças e mensagens a go- vernos e populações inimigas. (WEIMAN, 2008, p. 75)

Na matéria exibida em 20 de agosto de 2014 a respeito do assassinato de James Foley, a rede de TV CNN deixa claro que não mostrará cenas do vídeo em que o jornalista aparece sendo decapitado em razão do conteúdo chocante das imagens. Entretanto, inclui trechos de vídeos obviamente feitos pelo próprio EI que incluem execuções em massa e homens exibin- do grandes armas. De certa forma, ao exibi-las, dá respaldo ao conteúdo que a organização produz com fins de exacerbar seu potencial bélico e espalhar medo entre seus inimigos (no caso, toda a sociedade não-islâmica e, entre os islâmicos, os não-sunitas).

Ao mesmo tempo, as imagens dão dimensão do perigo representado pelo EI, até então subdimensionado pelas potencias ocidentais. É a partir da notícia da morte de Foley que os Estados Unidos começam a se organizar para reagir aos avanços do grupo extremistas, que ocupa parte da Síria e do Iraque e que vem deixando um rastro de cadáveres e sangue por on- de passa. Dessa forma, pode-se dizer que a comoção popular causada pelas imagens têm forte influência na pressão exercida sobre o governo americano para planejar uma reação aos mas- sacres cometidos pelo EI. Assim, embora atendam ao interesse do público na medida em que apresentam cenas de violência sobre um grupo que ninguém conhecia, (mas já começava a demonstrar imensa curiosidade justamente pela falta de informações sobre ele), as imagens

exibidas pela CNN e feitas pelo próprio EI têm forte apelo do interesse público na medida em que exercem pressão sobre as instituições governamentais.

Da mesma forma, a exibição de vídeos em que terroristas aparecem ameaçando re- féns são uma maneira de provar que a situação descrita é real. Considerando que em geral as organizações terroristas não são entidades governamentais, mas grupos independentes e por vezes supra-nacionais, é difícil obter informações precisas sobre eles. São muitos os boatos que circulam, como veremos mais à frente em relação ao sequestro do jornalista do New York Times David Rohde. No caso dele, eram muitos e diversos entre si os rumores do local em que os Talibans estariam mantendo-o refém. Os vídeos, se atestada a veraci- dade, podem servir como comprovações e fontes de informações sobre os grupos extre- mistas.

Outro ponto importante sobre o assassinato de Foley é que mexe emocionalmente com a comunidade jornalística. Visto que jornalistas têm sido alvos cada vez mais fre- quentes de sequestros por grupos terroristas2, é de grande interesse das empresas de co- municação noticiar acontecimentos como esses e, paralelamente, cobrar atitudes do go- verno e da comunidade internacional contra os perpetradores desse tipo de ação.

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O Comitê de Proteção para Jornalistas considerou a situação da Síria, onde Foley foi se- questrado, especialmente preocupante. O resgate pago pelas famílias dos reféns é visto como um novo financiador das atividades dos rebeldes sírios que lutam contra o ditador Bashar Al Assad (nem sempre por ideais de democracia). Há relatos de vítimas que foram sequestradas e mantidas em cativeiro sem que seus raptores tivessem sequer tentado contato com as famílias. A ideia, nesse caso, é esperar o melhor momento para barganhar um resgate ou mesmo troca de prisioneiros. Re- féns, especialmente os jornalistas, se tornaram moedas de troca.

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