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Jornalismo e terrorismo: análise da reação da imprensa ao sequestro de David Rohde

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO

JORNALISMO

FLÁVIA CALMON FARIA

JORNALISMO E TERRORRISMO:

ANÁLISE DA REAÇÃO DA IMPRENSA AO SEQUESTRO

DE DAVID ROHDE

Salvador 2014

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JORNALISMO E TERRORRISMO:

ANÁLISE DA REAÇÃO DA IMPRENSA AO SEQUESTRO

DE DAVID ROHDE

Salvador 2014

Monografia apresentada ao curso de graduação em Comunicação Social – Jornalismo, Faculdade de Comunicação, Universidade Federal da Bahia, como requisito para a obtenção do grau de Bacha-rel em Comunicação com habilitação Jornalismo. Orientadora: Prof. Dra. Malu Fontes

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A minha mãe, Thereza, por sempre acreditar em mim;

A Allana, por uma amizade que vou levar por toda a vida;

A Daniela, por me receber um momento tão decisivo;

A Rebecca, pelo carinho, pelos doces e pela compreensão;

A Arthur e Carol, pela disposição em ajudar uma formanda desesperada;

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dor, 2014.

RESUMO

A presente pesquisa apresenta uma análise da relação entre a imprensa e o terrorismo. Busca entender de que forma o terror utiliza a imprensa para amplificar e divulgar seus crimes e ideais políticos ou religiosos. Também versa sobre a compreensão do que é notícia, os ele-mentos que a compõe e de que terrorismo o terrorismo ganha as manchetes dos jornais. A pesquisa também faz uma análise do caso do sequestro do jornalista americano David Rohde, em 2008, por um grupo taliban. Durante sete meses, a imprensa omitiu essa situação do noti-ciário, numa ação que contou com ao menos 40 empresas de comunicação. Procuramos ainda entender de que forma o media blackout ocorreu e quais as consequências deste para a credi-bilidade da imprensa, a construção do noticiário e seu impacto na luta contra o terror.

Palavras-chave: Jornalismo; Religião; Categorias Jornalísticas; Record; Veja; Interesse

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1. INTRODUÇÃO 06

2. O QUE É TERRORISMO 08

3. TERRORISMO E IMPRENSA: O DILEMA DA NOTÍCIA 12

3.1 A televisão e os ataques orientados para a audiência 15

3.2 Por que o terrorismo é notícia? 17

3.2.1 A objetividade 18

3.3 O processo de seleção 22

3.4 Os critérios de noticiabilidade 24

4. COMO O TERROR VIRA NOTÍCIA 28

4.1 Atentados no metrô de Londres 29

4.2 Atentado na Maratona de Boston 31

4.3 A morte de James Foley 32

5. O SEQUESTRO DE DAVID ROHDE E O MEDIA BLACKOUT 36

5.1 O sequestro 36

5.2 O media blackout 38

5.3 Os sequestradores e a imprensa 47

5.4 O papel da Wikipédia 49 5.5 A fuga e a fúria pela notícia 51

6. AS CONSEQUÊNCIAS DO MEDIA BLACKOUT 53

6.1 As críticas à Wikipédia 55 6.2 A segurança como justificativa 57

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8. REFERÊNCIAS 68

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1. INTRODUÇÃO

O terrorismo como conhecemos hoje é um fenômeno razoavelmente moderno, que co-meçou a ganhar as formas que tem hoje no século 19. Desde então, sua ligação com a impren-sa e o jornalismo foi ficando cada vez mais intenimpren-sa. Alguns autores, como Magnoli (2008), defendem que não há terror sem a notícia.

O maior atentado terrorista já registrado, o 11 de setembro, foi também um evento para o mundo midiático. A imprensa se voltou integralmente para narrar a queda das Torres Gê-meas, e o mundo parou para acompanhá-la através dos jornais e programas de televisão. Ob-viamente, o terrorismo não foi inventado com a queda do World Trade Center, mas as discus-sões sobre o tema ganharam mais corpo desde então.

Com a internet, os grupos terroristas dependem menos da divulgação de suas demandas e ideais, bem como de seus crimes, que acontece através da imprensa internacional. Boa parte das organizações têm sites próprios e se alastram em fóruns de discussão. Algumas, como o temido Estado Islâmico, publica periodicamente uma revista online, em inglês, em que relata a conquista de territórios e faz propaganda de suas doutrinas. Ainda assim, é através da mídia tradicional que o terrorismo encontra sua grande audiência e consolida seu objetivo de disse-minar o medo e desestabilizar governos e sociedades como forma de reivindicação política.

Nesta pesquisa aqui apresentada, iremos analisar em que pontos os mundos do terror e da imprensa se cruzam, como dialogam e como reagem um ao outro. No primeiro capítulo, trataremos das dificuldades de definir de forma universal o conceito de terrorismo.

No segundo capítulo, tentaremos explicar por que o terror depende da imprensa e, ao mesmo tempo, por que motivos a imprensa é atraída e seduzida a noticiar atentados terroristas e conteúdos ligados ao terrorismo em si. Para isso, entenderemos o que é a notícia em si e de que forma ela é construída.

Na terceira etapa, apresentaremos o sequestro do jornalista americano David Rohde, no Afeganistão, em 2008. A pedido da família e do jornal que trabalhava, o New York Times, o caso foi mantido em sigilo durante os sete meses em que Rohde esteve em cativeiro. Muitas empresas jornalísticas relataram que sabiam da notícia do sequestro, mas concordaram em

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manter o silêncio por preocupações com a sua segurança. Essa prática é chamada de media

blackout.

Por fim, analisaremos os efeitos do media blackout para a construção da credibilidade do jornalismo e quais suas implicações práticas e morais. Também discutiremos se este é de fato eficaz para garantir a segurança dos jornalistas sequestrados ou se, ao contrário, não pode ser um fator negativo.

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2. O QUE É TERRORISMO

Definir terrorismo não é uma tarefa simples. São muitas as definições construídas por acadêmicos, governos e entidades internacionais como a Liga Árabe. Entretanto, definições muito amplas tendem a incluir grupos que poderiam ser tratados como criminosos comuns, ao passo que as muito estreitas podem deixar de fora casos mais específicos, especialmente o terrorismo promovido por Estados.

A palavra “terrorismo” deriva do termo em latim “terrere”, que significa “assustar”, “aterrorizar”, “causar medo”. As variações da palavra em si têm registros de mais de 2 mil anos, na Roma Antiga. A expressão “terror cimbricus”, por exemplo, se refere ao estado de pânico que tomou conta da cidade diante da ameaça de invasão da tribo Cimbri, conhecida pelo seu perfil assassino, em 105 a.C. (MATUSITZ, 2012)

O termo terrorismo, porém, foi primeiro utilizado durante o “Reino de Terror” promo-vido pelos jacobinos durante a Revolução Francesa. Em um período de cerca de um ano (1793 a 1794), foram mortas entre 16 mil e 40 mil pessoas. Execuções aconteciam diante de grandes públicos e eram anunciadas de maneira sensacionalista. Além de uma punição, era um aviso do que aconteceria caso a população resolvesse ir de encontro ao governo.

A primeira definição oficial surgiu em 1798 e foi elaborada pela Académie Française, um suplemento sobre a língua francesa produzido por membros da elite intelectual da época. Segundo a publicação, “terrorismo” seria “o sistema, o regime do terror”. (MATUSITZ, 2012).

A prática, contudo, é quase tão antiga quanto a humanidade. Ainda que a noção de ter-rorismo não existisse, por volta do ano 70 d.C., os sicarii, grupo de judeus zelotas que eram contra a invasão romana em Jerusalém, já faziam uso de atos que hoje facilmente seriam con-sideradas terroristas. Por acreditar que a liberdade política e religiosa só viria através da vio-lência, costumavam seguir a rotina de suas vítimas por dias até terem a oportunidade perfeita de emboscá-las e degolá-las (MATUSITZ, 2012).

O terror passa a fazer parte da agenda internacional, segundo Matusitz (2012), na dé-cada de 1930. Em 1934, a hoje extinta Liga das Nações se propôs a tornar a prática interna-cionalmente ilegal e exigir maiores punições. Para isso, em 1937, definiu terrorismo como

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“todos os atos criminosos direcionados contra um Estado e que têm o objetivo de criar um estado de terror na mente de pessoas isoladas ou de um grupo de pessoas do público em geral” (LIGA DAS NAÇÕES, 1937).

Nessa época, ganhava as manchetes o grupo Irgun, formado por militantes sionistas que pretendiam expulsar os ingleses da Palestina e criar um estado judeu. O ato mais notório do Irgun foi o bombardeio do hotel Rei David, base de forças militares britânicas em Jerusa-lém, no ano de 1946. Noventa e uma pessoas morreram.

A palavra “terrorismo” tem se consolidado como um termo pejorativo, usado para ca-racterizar os atos inimigos como malignos e ausentes de compaixão. É visto como algo pior que a guerra, tortura ou assassinato (MATUZITZ, 2012). Uma das controvérsias em relação ao termo é que, como não há uma definição universal reconhecida, pode ser usado por um Estado para deslegitimar e criminalizar grupos separatistas ou que contestem o governo vi-gente. O governo chinês, por exemplo, considera os separatistas tibetanos como terroristas, ainda que boa parte do mundo os veja como um grupo essencialmente pacifista.

Em outras situações, fica difícil definir quem é terrorista e quem está lutando de forma legítima por uma causa, de maneira que chegar a uma definição universal se torna quase impossível. Em 1974, Yasser Arafat em discurso na ONU disse que “one man’s

terro-rist is another’s freedom fighter”. Isso se aplica perfeitamente, por exemplo, para o caso do

Congresso Nacional Africano (CNA), que tinha como líder Nelson Mandela. A organização, que lutava contra o regime do apartheid na África do Sul, foi autora de sabotagens e atentados a bomba até se desarmar e encabeçar a luta pacífica nos anos 90. Por isso, Mandela, hoje sím-bolo do pacifismo, foi um dia considerado terrorista pelos governos sul-africano, britânico e americano. “O CNA é uma típica organização terrorista...Qualquer um que pense que ele vá governar a África do Sul está vivendo na terra do faz de contas", disse em 1987 então primei-ra-ministra britânica, Margareth Thatcher (PORTAL TERRA, 2013).

Um estudo feito pelos pesquisadores da Universidade de Leiden, na Holanda, (SCH-MID & JONGMAN, 1988, apud MATUZITZ, 2012) analisou mais de cem definições de ter-rorismo em documentos acadêmicos e oficiais. Em 83,5% delas estava presente o conceito de violência; em 65%, motivações políticas; a ideia de causar terror e medo estava em 51%; vi-timização de civis e não-combatentes estava presente em 17,5%.

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Uma das maiores dificuldades em conceituar terrorismo está na dificuldade de dife-renciá-lo de outras atividades que empregam o uso de violência, como guerrilha, por exemplo. Ao passo que parece óbvio definir como terrorista o Estado Islâmico, que mata milhares de opositores, sequestra e escraviza mulheres e decapita jornalistas em frente a uma câmera, al-guns outros grupos não são tão facilmente definíveis. Seria o colombiano Pablo Escobar, chefe do maior cartel de drogas que o mundo já viu, apenas um traficante, ou o fato de ser responsável pelo sequestro de membros de grandes empresas de comunicação também faz dele um terrorista? O conjunto de ataques orquestrado pelo PCC em São Paulo (em 2006) que aterrorizou os paulistanos seria um ato terrorista ou uma ação conjunta de crimes comuns?

“Alguns atos como pirataria aérea** ou assassinatos podem ser considerados terroris-tas em algumas ocasiões, mas não em outras, normalmente baseado na ideia de prováveis mo-tivações de seus autores ou no status social de suas vítimas” (WEINBERG, PEDAHZUR & HIRSCH-HOEFLER, p. 778-779, 2004)

Algumas definições, como a de Yoanah Alexander (citado em MATUZITZ, 2012) pa-recem, à primeira vista, eficazes. O autor considera terrorismo “o uso de violência contra al-vos civis aleatórios para intimidar ou criar medo por objetial-vos políticos”. Entretanto, descon-sidera que alguns atos comumente associados ao terrorismo, como o uso de ataques suicidas, podem ser usados contra alvos militares. Além disso, nem sempre é possível identificar a mo-tivação política de um atentado, especialmente se nenhum grupo reivindica a autoria. O aten-tado ao Pentágono americano em 2001 ou os ataques kamikazes em Pearl Harbor durante a Segunda Guerra Mundial são exemplos de atos claramente terroristas, mas que atingiram for-ças militares.

Walter Laqueur (apud MATUZITZ, 2012), por sua vez, diz que é “o uso ou a ameaça do uso de violência, um método de combate ou estratégia para atingir certos alvos. Objetiva induzir um estado de medo na vítima, é implacável e não se adéqua a nenhuma regra humanitária”. Essa descrição, devido ao seu caráter generalista, pode ser aplicada a basica-mente todas as guerras.

Não ter uma definição universal, contudo, é um problema muito maior a nível legal e internacional. Visto que nas ultimas três décadas as organizações terroristas têm se internacionalizado, definir o que pode ou não ser considerado terrorismo é um ponto funda-mental na construção de políticas de combate a essa prática. Só com uma definição precisa

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será possível determinar ao certo quem são os sujeitos e organizações cujas práticas se enqua-dram no conceito de terrorismo e, consequentemente, serão alvo de leis e penalidades mais duras do que aquelas previstas para os crimes normais (SETTY, 2011, P. 7).

Até o momento, a comunidade internacional tem lidado com o tema a partir de alguns tratados e resoluções do Conselho de Segurança da ONU e de protocolos da própria ONU. “Entretanto, a falta de um definição uniforme e universalmente aceita, associada a um pressão por políticas e leis duras de contraterrorismo, abriu as portas para potenciais abusos por Esta-dos membros em áreas em que não há clareza em uma definição internacional” (SETTY, 2011, p. 8).

Nem mesmo os Estados Unidos têm uma definição única sobre terrorismo. O FBI, por exemplo, traz o seguinte conceito: envolve atos violentos ou perigosos para a vida humana que violam leis federais ou estaduais; 2) tem o objetivo de: coagir ou intimidar uma determi-nada população civil; influenciar uma política de governo por intimidação e coerção; afetar apolítica de um governo por meio de destruição em massa, assassinatos ou sequestros.

O Departamento de Estado, por sua vez, define a prática como: “violência premeditada e politicamente motivada contra não-combatentes causada por grupos subnacionais ou agentes clandestinos”.

Já a Liga Árabe traz uma definição bastante completa, talvez a melhor entre as organi-zações internacionais. O texto diz que terrorismo é:

Qualquer ato ou ameaça de violência, qualquer que seja seu motivo ou fina-lidade, que ocorre em promoção de uma agenda criminal de um indivíduo ou grupo, causando terror entre as pessoas, causando medo por feri-las, os co-lando em perigo suas vidas, liberdade ou segurança, ou que tenha o objetivo de causar dano ao meio-ambiente ou a instalações públicas ou privadas ou propriedade ou em ocupar ou se aproveitas delas, ou que tenha o objetivo de pôr em perigo recursos naturais (ARAB CONVENTION ON THE SUP-PRESSION OF TERRORISM, 1998).

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3. TERRORISMO E IMPRENSA: O DILEMA DA NOTÍCIA

Analisando o estudo de pesquisadores e partindo das conclusões possíveis diante dos atentados terroristas mais conhecidos, compreende-se que o terror mira não uma vítima em si, mas uma audiência. Quanto mais pessoas tiverem conhecimento de determinado ato terrorista, mais bem sucedido ele é. Segundo Camphuijsen e Vissers (2012), as vítimas do terrorismo não são o alvo principal de um atentado, mas um meio de alcançar uma audiência. É como se a violência não fosse mais que uma maneira de tentar a comunicação. “A meta de um grupo terrorista não é ferir a maior quantidade possível de pessoas, mas influenciar a maior quanti-dade possível de pessoas” (CAMPHUIJSEN E VISSERS, 2012, p. 14). “Inflamado por sua provada capacidade de trivialização do complexo, o jornalismo pode, todavia, expressar com a maior dignidade nossas preocupações mais graves e nossos melhores anseios” (GOMIS, 1991, p. 14).

Se objetivo do terror é provocar medo para, através disso, reivindicar suas questões de natureza ideológica ou política, o meio para isso é a imprensa. O surgimento do terrorismo contemporâneo está intimamente ligado à evolução da imprensa. Com a popularização dos jornais e a consolidação da mídia de massa, atingir grandes audiências ficou mais fácil.

“O terrorismo contemporâneo nasce no século 19, junto com o desenvolvi-mento das comunicações e da imprensa modernas – isto é, na hora da confi-guração de uma opinião pública. Os terroristas querem, antes de tudo, que sua causa seja notícia. O terror almeja as manchetes dos jornais” (MAGNO-LI, 2008, p. 12).

A partir do século XIX, surge um conceito de audiência para a imprensa que é sinôni-mo de um público generalizado. Com a comercialização de publicidade, o jornalissinôni-mo precisa torna-se mais independente dos laços políticos que outrora serviram de pilares para os jornais e folhetins dos séculos XVIII e meados do século XIX. A objetividade passa a ser um dos

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valores a serem perseguidos no século XX, mas surge a partir da mudança de conceito que ocorre no século anterior: a preferência é dos fatos, não das opiniões. Em lugar da elite edu-cada e politicamente alinhada que tradicionalmente tinha acesso às publicações, o público da imprensa torna-se politicamente heterogêneo. (TRAQUINA, 2005a, p. 50)

Ao atrair a atenção da mídia, os terroristas não pretendem apenas propagar o medo a partir de um suposto potencial destrutivo1. Existe também uma certa tentativa de forçar a im-prensa a descobrir (e publicar) suas motivações e história. Há um esforço, portanto, de fazer com que a imprensa explique quem eles são. “É uma decisão da mídia de massa se irá apenas publicar um ato particular de violência ou se irá investigar as motivações dos atos de maneira a possivelmente promover entendimento (talvez até simpatia) da população m relação ao ter-roristas” (CAMPUIJSEN & VISSERS, 2012, p. 14)

Ben-Yehuda (2005) defende que os terroristas não buscam apenas causar pânico entre a população, mas que veem na imprensa uma possível mediadora com o público que atua no processo em que buscam legitimidade. Para isso, procuram ressaltar o caráter injusto e malig-no do inimigo. O Taliban, por exemplo, costuma incluir em vídeos e posicionamentos os ata-ques com drones orata-questrados pelos EUA, a morte de afegãos e todos os prejuízos causados pela ocupação no Afeganistão. O Hamas, por sua vez, justifica cada ataque como uma respos-ta à opressão e injustiça a que Israel submete o povo palestino. São tenrespos-tativa de legitimar a violência como a única opção para se chegar à justiça. Assim, existe um certo dilema entre o papel do inimigo e do underdog, à medida em que o lado oprimido de um conflito costuma provocar certo grau de simpatia. Na contramão, informações provindas do Estado são vistas com desconfiança e ceticismo pela imprensa.

Entretanto, a exploração do potencial da imprensa sobre o terror só faz sentido se pen-sarmos no papel do jornalismo para a construção e interpretação da noção de realidade entre o público. Segundo Gomis (1991), os meios de comunicação desempenham um papel importan-te em moldar a realidade através da representação do importan-tempo presenimportan-te que oferecem que ao público. O jornalismo, porém, oferece apenas uma interpretação do que o autor chama de rea-lidade social, uma vez que não visa adentrar “a intimidade da consciência nem na profundida-de do inconsciente” (p. 36). Sendo interpretação, tem duas vias: compreenprofundida-der e expressar.

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Os ingleses costumam dizer que o MI5 (serviço secreto inglês) precisa ter sorte todas as vezes; aos terroristas, uma vez basta. Nem sempre, portanto, o poder de destruição de um atentado é proporcional à estrutura bélica da organização.

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Para que a informação seja precisa, é necessário que o intérprete compreenda aquilo que irá posteriormente expressar. Isso significa que os meios são, ao mesmo tempo, emissor e fonte.

O jornalismo é, portanto, um método de interpretação, primeiro porque elege entre tudo o que acontece aquilo que considera ‘interessante’. Segundo, por-que interpreta e traduz em linguagem inteligível cada unidade de ação externa que decide isolar (as notícias) e distingue nela própria o que é essencial e mais interessante (indicado no lead ou no primeiro parágrafo e destacado no títu-lo). Terceiro, porque além de comunicar as informações assim elaboradas, tra-ta tra-também de situa-las e ambientra-ta-las (em reportra-tagens e crônicas) para que sejam compreendidas, e de explica-las e julga-las (em editoriais e, em geral, artigos) (GOMIS, 1991, p. 38)

O jornalismo, portanto, não é apenas um meio de veiculação de notícias, mas um insti-tuto que tem papel fundamental para a construção social da realidade. É um processo narrati-vo e “sociocultural de produção, veiculação e absorção dos fatos do cotidiano” (MOTTA; COSTA & LIMA, 2004, p 33). Ele vem impregnado de construções da memória e imaginário cultural coletivos, que se mesclam à realidade mais ou menos objetiva dos fatos a serem re-portados em forma de notícia.

Um dos principais pontos a se destacar entre os princípios do jornalismo é que este é pautado na realidade. Ou seja, “o principal produto do jornalismo contemporâneo, a notícia, não é ficção, isto é, os acontecimentos ou personagens das notícias não são invenção dos jor-nalistas” (TRAQUINA, 2005, p. 20). Sendo assim, entende-se que o principal compromisso do jornalismo é com a realidade e que, enquanto sujeitos ativos do processo de construção das notícias, os jornalistas também contribuem para a construção da realidade em si. (p. 26). A imprensa constrói a realidade e as pessoas a percebem como verdadeira porque a maneira como ela é construída transparece persuasão e objetividade. Isso é feito a partir de diversas ferramentas, como o uso de imagens e a escolha de palavras (BEN-YEHUDA, 2005, p.42).

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3.1 A televisão e os ataques orientados para a audiência

O terrorismo atinge um novo patamar com a evolução tecnológica da imprensa de massa. A disseminação da televisão foi um dos fatores de maior relevância. Ter imagens transmitidas para todo o mundo passa a ser uma meta poderosa para as mais diversas organi-zações. Nos Estados Unidos, o hábito de ver notícias pela televisão surge por volta de 1949 e começa a se consolidar e, 1950, com a Guerra da Coreia (GOMIS, 1991, p. 24).

Assim, o terrorismo se tornou um dos grandes produtores de imagens de violência para a mídia. “Obviamente, se a violência atrai interesse público e do público, não podemos deixar de observar que essa nada mais é do que uma estratégia dos terroristas para ganhar espaço e visibilidade” (PAIERO, 2012, p. 80).

Enquanto a palavra escrita tem caráter mais racional, lógico e pragmático, a imagem surge enquanto elemento desestruturador. Sua natureza poética e dramática foge aos padrões racionais encontrados na escrita, de maneira que sua capacidade de sensibilização costuma ser maior. Se antes os atentados terroristas eram descritos para que o leitor criasse uma imagem mental, com a televisão ele passa a ver as explosões, as vítimas e o caos.

“Sabemos que a imagem é a primeira aparência da informação (as vezes a única, quando se abre mão da leitura do texto que a acompanha, por exem-plo), que ela se antecipa aos demais códigos e que cria o estado de ânimo, a ambientação e a predisposição do receptor. Assim também com as imagens de violência: ao serem expandidas infinitamente, elas se multiplicam, o que multiplica a ação do terror[...] A proliferação exagerada de imagens serviria, portanto, às intenções dos atos dos terroristas que buscam exatamente visibi-lidade. Quanto mais imagens do terrorismo, mais pânico espalhado, mais a população se sente desamparada e clama pelo amparo daqueles que podem livrá-la do mal” ( PAIERO, 2012, p. 84 e 85)

Os atentados passam a ser planejados de maneira a se tornarem o mais midiáticos pos-síveis e garantir que terão a repercussão desejada. Um estudo de Brosius & Winn (1994) que analisou 6.714 atentados de grupos terroristas internacionais dos anos 1960 a 1990 apontou que houve um aumento significativo no número de atos que aparentavam ter sido planejados a partir de elementos com forte apelo midiático.

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Um dos casos mais famosos foi o das Olimpíadas de Munique, em 1972, quando o Se-tembro Negro, que lutava pela formação do Estado Palestino, sequestrou a equipe de atletas israelenses, matando 17. Em depoimento, um dos responsáveis por orquestrar o ataque deixa clara a relevância da televisão e do simbolismo por trás das Olimpíadas para o planejamento do ataque e a disseminação de sua causa.

Nós reconhecemos que o esporte é a religião moderna no mundo ocidental. Nós sabíamos que as pessoas na Inglaterra e Estados Unidos iriam mudar de canal em suas televisões diante de qualquer programa sobre a tragédia pales-tina e sintonizar em um evento esportivo em algum outro canal. Então resol-vemos usar a Olimpíada deles, a cerimônia mais sagrada dessa religião, para fazer o mundo prestar atenção em nós. Nós oferecemos sacrifícios humanos para os seus deuses do esporte e televisão. E eles responderam às nossas pre-ces. De Munique em diante, ninguém podia ignorar os Palestinos e sua cau-sa” (citado em Dobson & Paine, 1977; in WEIMANN, 2008, p. 70).

A ideia por trás desse e de vários outros ataques, portanto, é fazer da imprensa um ins-trumento para pautar a causa defendida pelos autores. Nesse sentido, desenvolve-se uma ca-deia em que os alvos e vítimas dos atentados são um meio de conseguir cobertura midiática, que por sua vez tem o objetivo de influenciar e causar medo em uma audiência. Pretende-se, a partir da pressão exercida por meio da violência e do terror, conseguir resultados políticos.

Isso só faz sentido se considerarmos o poder da mídia em agendar os temas que serão discutidos pela sociedade. Quando um ato de violência (ou mesmo a ameaça dele) é pautado pela imprensa por um determinado período de tempo, significa que o grupo autor deste mes-mo ato – e, consequentemente, suas reivindicações – estarão também em evidência. Quanto maior e mais simbólico for o ato, mais tempo ele passará em destaque– e durante mais tempo irá causar medo e comoção entre o público.

A teoria da Agenda Setting explica bem esse fenômeno. Em que pese não serem os meios de comunicação capazes de determinar como as pessoas pensam (concepção que vigo-rava na década de 1940), eles são capazes de determinar em que essas pessoas pensam. Se-gundo essa teoria, que tem como principais expoentes Maxwell McCombs e Donald Shaw, o jornalismo tem influência direta no que se discute na comunidade, constituindo uma espécie de pauta pública.

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3.2 Por que o terrorismo é notícia?

Alguns críticos sugerem que a imprensa é grande culpada pela disseminação do terro-rismo. Entre os governantes, essa é uma teoria com grande aceitação. A ex-primeira ministra inglesa Margaret Thatcher disse certa vez que a imprensa é “oxigênio do terrorismo”. Se não houvesse a notícia do terror, não haveria terror, ou ao menos não na mesma proporção. Se-gundo Jenkins (1981), a cobertura do terrorismo se baseia no sensacionalismo da morte e do sofrimento das vítimas, e costumeiramente tem o poder de amplificar a dimensão dos atenta-dos. O noticiário também passa a percepção de que o governo está sempre em crise, especial-mente em situações com reféns.

Para o autor, quando a mídia destaca a dificuldade do governo em conseguir a liberta-ção das vítimas, está criando uma percepliberta-ção pouco fidedigna de impotência do Estado diante de grupos terroristas. Essa teoria se baseia na ideia de que a imprensa não é apenas um meio de informação, mas um elemento ativo no processo social de construção da realidade. O prin-cipal fator que levaria a mídia a cobrir o terrorismo não seria a importância do fato em si, mas a audiência que atentados costumam acarretar. Para Camphujsen & Vissers (2012), os jorna-listas não estão cobrindo informações, mas disseminando propaganda terrorista.

Ficou estabelecido que a mídia só noticia os aspectos sensacionalistas do ter-rorismo, o sangue, o horror das vítimas. [...]. Uma atmosfera de alarme pro-duz percepções exageradas do nível de violência política. A mídia exagera sobre o poder dos terroristas, criando uma ilusão de sua onipresença. Assim, em consequência, o clima de alarme criado pelo terrorismo levar a expecta-tivas pessimistas ou mesmo a altos níveis de desordem civil. [...] (Jenkis, 1981, p. 3)

Essas correntes levam em conta apenas as implicações negativas do jornalismo e pare-cem deixar de lado papel positivo que a imprensa pode ter, ou mesmo o direito das pessoas à informação, garantido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. Um dos exemplos de cobertura positiva foi a do sequestro de 200 meninas na Nigéria, em maio de 2014, pela milí-cia Boko Haram. O fato da mídia ter repercutido a história de maneira ampla em diversos

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paí-ses gerou comoção mundial. Estados Unidos e Reino Unido se comprometeram em enviar ajuda para resgatar as garotas. Sugerir que essa história não fosse noticiada é negar o poder que a imprensa tem de promover mudanças e pressionar governantes e, portanto, negar ajuda às vítimas. Ainda que a cobertura do fato tenha também resultado em publicidade para as a-trocidades do Boko Haram, resultou também em pressão internacional para que a situação fosse resolvida. O governo da Nigéria, inclusive, foi acusado de fazer pouco para que as garo-tas fossem resgatadas. Com todos os problemas que a visibilidade pode gerar, omitir notícias que são de interesse público é um problema para a liberdade de informação e para as vítimas do terrorismo, que seriam esquecidas.

Isso não significa que não haja um processo de negociação entre aquilo que deve ou não entrar no conteúdo dos jornais ou programas de televisão, ou que a imprensa não precise repensar a maneira como está cobrindo o terrorismo. Entretanto, para compreender o que gera essa situação é preciso também compreender os fatores incorporados à cultura jornalística que fazem com que repórteres e editores se interessem tanto em publicar notícias relacionadas a atentados terroristas. Em outras palavras, é necessário analisar os fundamentos do jornalismo para que possamos entender por que o terror é notícia.

3.2.1 A objetividade

O princípio básico do jornalismo é que este é pautado na realidade. Ou seja, “o princi-pal produto do jornalismo contemporâneo, a notícia, não é ficção, isto é, os acontecimentos ou personagens das notícias não são invenção dos jornalistas” (TRAQUINA, 2005a, p. 20). Sen-do assim, entende-se que o principal compromisso Sen-do jornalismo é com a realidade e que, enquanto sujeitos ativos do processo de construção das notícias, os jornalistas também contri-buem para a construção da realidade em si. (p. 26).

Uma das primeiras hipóteses que surgem para explicar o jornalismo é a teoria do espe-lho, que, em poucas palavras, entende a atividade como um reflexo da realidade. O jornalista seria o observador imparcial que relata com precisão e objetividade os fatos. Influenciada pelo Positivismo e pela ideia de imitação da realidade vinda da máquina fotográfica, esta vertente defende que o jornalista é aquele que observa o fato, transmitindo-o de forma objetiva e im-parcial. Não cabe a ele julgar, defender ou opinar, mas relatar o fatos como eles são. Fatos e opiniões são elementos não associáveis dentro da notícia. Surgida no fim do século XIX, essa

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teoria teve como defensoras agências de notícias de todo o mundo, como a americana Associ-ated Press e a francesa Havas.

Como falamos anteriormente, o ideal da objetividade surgiu a partir da mudança de padrão na imprensa no século XIX. Quando o jornalismo se tornou uma atividade comercial, foi preciso deixar de lado o posicionamento político e dar prioridade aos fatos. Uma vez que os jornais passam a se sustentar a partir da venda de anúncios publicitários, fica mais fácil vendê-los se o veículo não assume uma posição político-partidária. Se o jornal oferece fatos, e não propaganda partidária, o público que abrange é bem maior. Consequentemente, o número de empresas interessadas em anunciar em suas páginas também cresce.

Entretanto, o que a princípio pode parecer uma estratégia econômica, se transformou em um dos valores mais cultuados. A objetividade não é apenas um elemento a que o repórter se atém ao produzir notícias, mas um ideal que toda a sociedade espera do jornalismo. A cre-dibilidade dos veículos se constrói tendo em vista o quão objetivo ele consegue ser. A isenção de um jornal é, para os leitores, sinônimo de que as informações apresentadas são confiáveis.

A objetividade, ou uma outra designação de uma noção de equilíbrio (balan-ce), está associada pela maioria esmagadora dos cidadãos ao papel do jorna-lista, e é consagrada nas leis que estabelecem as balizas do comportamento dos profissionais […] Está presente, pelo menos de uma forma implícita, se não explicitamente, nos códigos deontológicos dos jornalistas nos países democráticos e está no centro de toda uma mitologia que representa os jorna-listas em diversas narrativas que ocupam um papel central na cultura profis-sional (TRAQUINA, 2005a, p. 143).

Esse movimento contribui também para que o jornalismo se profissionalize. Afinal, para noticiar, é preciso credibilidade. Essa se constrói partir da confiança que o leitor tem no profissionalismo e seriedade do veículo e de seus profissionais. Isso fez com que os jornalis-tas fossem criando rotinas produtivas e técnicas para a confecção de notícias, que por sua vez são permeadas de ideologia (SHLESINGER, 1980 APUD TRAQUINA, 2005).

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Segundo Tuchman (1972), o dia a dia de produzir notícias, com a pressão dos fecha-mentos e deadlines, deixa espaço para muito pouca reflexão sobre o trabalho jornalístico em si. Nos jornais diários, por exemplo, excetuados os projetos especiais, é raro que um repórter tenha mais de um dia para apurar e escrever uma matéria. Nesse sentido, a noção de objetivi-dade é utilizada como um guia para minimizar os riscos a que estão sujeitos os jornalistas diante de uma rotina tão corrida. Os jornalistas, de acordo com a autora, acreditam que erros podem ser evitados seguindo um padrão de estratégias que priorizem fatos, sem impressões pessoais. Isso contribui para a rotina de produção de notícias se torne mais ágil, de maneira que seja possível cumprir deadlines, e para evitar possíveis processos legais por calúnia e di-famação.

A autora defende que, quando a verificação dos fatos por si não é possível, há outras estratégias utilizadas pelos jornalistas para construir matérias mais objetivas. O primeiro, e talvez mais importante, se baseia no princípio de que todos os lados de uma historia devem ser ouvidos. É o que costumeiramente se chama de “ouvir o outro lado”. Assim, para contar uma história precisa, é preciso levantar as versões de todos os envolvidos. (TUCHMAN, 1972, p. 665). Aliado a isto está o uso judicioso de aspas, ou frases dos entrevistados. Esse último item dá ao repórter a sensação de se eximir de participar da história e deixar os fatos falarem por si.

Outro procedimento citado por Tuchman (1972) é a apresentação de evidências auxili-ares. Com isso, ela se refere a outros fatos que possam comprovar que determinada afirmação é verdadeira. A autora dá o exemplo de um editor que questiona em um obituário o uso do termo “músico experiente” para se referir ao morto. “Como é possível saber que ele era um grande músico e não um amador que tocava na banda da cidade?”, ele pergunta. O repórter responde que, no texto, é dito que o morto havia tocado com o maestro e compositor John Philip Souza. Esse “fato”, então, justificaria o uso do termo “músico experiente” (Ibidem, p. 667).

O último procedimento é o uso do formato em pirâmide invertida, em que as informa-ções mais importantes aparecem logo no início da matéria. Segundo Tuchman (1972), esse seria um dos pontos mais problemáticos, visto que cabe ao jornalista decidir o que é mais im-portante em determinado acontecimento. Esse é o elemento mais controverso entre os três, porque depende de uma noção individual para que seja construído. Veremos mais tarde que são muitos os critérios que definem o que é e quão relevante é uma notícia. Entretanto, não

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são critérios matematicamente mensuráveis, podendo muitas vezes entrar no campo da subje-tividade.

Invocar o julgamento da notícia é uma instância defensiva, uma vez que o ‘julgamento do que é notícia’ é a habilidade de escolher ‘objetivamente’ en-tre vários acontecimentos, decidir que ‘fatos’ são mais ‘importantes’ ou ‘in-teressantes’. […] Em outras palavras, ao discutir o processo de estruturação das informações, o repórter deve referir-se a suas noções de ‘importante’ e ‘interessante’ (TUCHMAN, 1972, p. 670).

Porém, esse procedimento é fruto de uma das estratégias mais antigas do jornalismo, a pirâmide invertida. Seguindo essa técnica, a redação da notícia começa, em geral, pela respos-ta às pergunrespos-tas “o quê, quem, quando, onde, como e por quê”. Essas informações vêm logo no primeiro parágrafo, enquanto as complementares seguem ao longo o texto. A técnica da pirâ-mide invertida a princípio surgiu também como uma forma de facilitar a edição do texto, uma vez que, na montagem da página, bastava ao editor cortar pelo final os parágrafos excedentes. Como as principais informações estavam no início, havia pouco risco de ser removido algum trecho importante. Além disso, também contribui para que o leitor tenha rápido acesso às in-formações essenciais da matéria, caso não possa ler a notícia até o fim. Dessa forma, “os fatos não deveriam ser narrados cronologicamente, mas expostos; não ordenados pela sequência temporal, mas por sua importância (definida a partir dos interesses de um suposto ‘leitor-médio’)” (RIBEIRO, 2003, p.150).

No processo de produção da notícia, portanto, a objetividade é um valor perseguido, mas impossível de ser completamente incorporado. Porém, ao representar os fatos em pala-vras, a interpretação da realidade se torna, por força, seletiva. Não há outra maneira de notici-ar sem utiliznotici-ar a linguagem. Esta, por si, não é capaz de representnotici-ar a realidade sem, de algu-ma foralgu-ma, caracteriza-la, eleger alguns aspectos e deixar outros de fora. Não há como, portan-to, definir a realidade sem agir de maneira excludente (GOMIS, 1994, p. 42).

Embora seja utópico achar que um produto humano não tenha quaisquer impressões, sejam elas pessoais ou organizacionais, ou mesmo que não haja diversos fatores externos que influenciem a notícia final (como, por exemplo, a definição do espaço que o fato ganhará nas

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páginas de um jornal), o valor da objetividade nos permite compreender o quanto as concep-ções de realidade e veracidade se articulam com o jornalismo.

A ideologia jornalística defende uma relação epistemológica com a realidade que impede quaisquer transgressões de uma fronteira indubitável entre reali-dade e ficção, havendo sanções graves impostas pela comunireali-dade profissio-nal a qualquer membro que viole essa fronteira (TRAQUINA, 2005a, p. 149).

3.3 O processo de seleção

A limitação de espaço, que se intensifica a partir da disputa com a publicidade e o nú-mero cada vez maior de informações disponíveis, fazem da seleção da notícia algo de grande importância. Além disso, conferem ao selecionador (jornalistas e editores) um papel de muita responsabilidade.

“De maneira geral, há uma concordância de que notícia é um recorte que se faz sobre alguns acontecimentos dentre os tantos que ocorrem simultanea-mente no mundo, a fim de torná-los públicos. Se é recorte, já não é espelho. Notícia é, portanto, fato recortado e mediado. E são esses recortes que nos dão a ideia de mundo que temos a partir de nossas casas (PAIERO, 2012, p. 67).

A Teoria da Ação Pessoal, ou do Gatekeeper, proposta por David White em 1950, de-fende que, antes de ser publicada, a notícia passa por “portões”, ou seja, diversos profissionais que irão decidir se será noticiada ou não. Daí o nome “gatekeeper”, ou em uma tradução lite-ral, guardador de portão, que “refere-se à pessoa que toma uma decisão numa sequencia de decisões.” (TRAQUINA, 2005a, p.150).

A teoria foi desenvolvida a partir da observação de White da rotina de um jornalista norte-americano. Durante uma semana, o pesquisador analisou os motivos que levaram o

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re-pórter a selecionar ou rejeitar notícias. Sua conclusão é de que o processo de seleção poderia ser bastante subjetivo e por vezes arbitrário, e que o juízos de valor feitos são baseados nas experiências prévias e expectativas do repórter (TRAQUINA, 2005a, p.150).

Entretanto, White analisa apenas o ponto de vista do jornalista, e não considera os fa-tores sociológicos, como valores culturais, sociais e organizacionais que podem influir no resultado final dos jornais. A teoria do gatekeeper põe poder demais na mão do profissional, que não pode ser visto fora de um contexto maior. A cultura e o ethos jornalísticos, por exem-plo, são fatores de fundamental importância e que têm influência direta no produto final – a notícia -- já que também interferem na construção dos valores que vão reger a atividade da imprensa.

É preciso entender, contudo, que o jornalismo não é algo separado ou distante da soci-edade, mas parte dela. Os jornalistas são pessoas comuns, criadas e educadas dentro dos prin-cípios e padrões que regem o contexto social. Isso se faz valer, portanto, para a definição do que vem a ser notícia. Segundo Traquina (2005a), os critérios de noticiabilidade e da compre-ensão de que fatos devem se tornar notícias não foram simplesmente inventados pela impren-sa, mas são intrinsecamente conectados aos valores da própria sociedade.

“Na sua definição de notícias, os jornalistas também interagem silenciosa-mente com a sociedade, por via dos limites com que os valores sociais mar-cam as fronteiras entre normal e anormal, legítimo e ilegítimo, aceitável e desviante. As notícias têm uma estrutura profunda de valores que os jornalis-tas partilham, como membros da sociedade, com a sociedade. Como um to-do. Como seus membros” (TRAQUINA, 2005a, p. 29).

De acordo com Motta, Costa & Lima (2004), no processo de mediação da realidade em que é constituído o jornalismo, são empregadas intenções ideologicamente direcionadas, bem como elementos antropológicos (crenças, valores morais, desejos) que correspondem ao meio cultural em que estão inseridos os mediadores (os jornalistas).

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3.4 Os critérios de noticiabilidade

São muitos os estudos que procuram identificar o que torna um fato notícia. Para co-meçar, definir o que difere um acontecimento de notícia é por vezes uma tarefa subjetiva. Faz parte das aptidões esperadas de repórteres e editores a percepção mais ou menos clara de que fatos têm maior potencial noticiável, ainda que nem sempre esses profissionais consigam de-finir com clareza os critérios que os direcionam a essa percepção. De acordo com Sodré (2009, p. 22), é comum que jornalistas optem por definições um tanto superficiais, algo como “notícia é tudo aquilo que o leitor precisa saber”.

Segundo Wolf (2003, p. 195), os critérios de noticiabilidade são “o conjunto de ele-mentos através dos quais o órgão informativo controla e gere a quantidade e o tipo de aconte-cimentos, entre os quais há que selecionar as notícias”.

Um dos primeiros estudos que se propôs a estabelecer de forma sistemática quais ele-mentos tinham relevância na seleção dos fatos que podem se tornar notícia foi elaborado Jo-han Galtung e Marie Holmboe Ruge (1965/ 1993 apud Traquina 2005b). Galtung & Ruge elencaram doze itens. São eles:

a) a frequência ou duração de determinado acontecimento; b) a amplitude do evento, ou o tamanho do público que atinge c) a clareza ou a falta de ambiguidade;

d) a significância; e) a consonância, f) o inesperado; g) a continuidade;

h) a composição, isto é, a necessidade de manter o equilíbrio nas notícias com uma diversidade de assuntos abordados;

i) a referência a nações de elite; j) a referência a pessoas de elite;

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k) a personalização e a presença do drama humano l) a negatividade

De acordo com o Manual de Redação da Folha de São Paulo (2013) são considerados de interesse do leitor e, portanto, notícia, acontecimentos que possivelmente possam provocar transformações nas esferas política, econômica ou culturais de uma cidade, país ou mesmo do mundo. As notícias, que são de utilidade pública, são relacionadas a “tudo que afete funda-mentalmente a vida dos leitores, no presente ou numa perspectiva futura, em todos os âmbi-tos” (FOLHA DE SÃO PAULO, 2013, p. 22). Nesse sentido, pode tratar de temas como saú-de, economia, legislação, ciência, educação e organização urbana, entre outros. Na etapa de produção, as reportagens devem se pensadas de maneira a transmitir ao leitor “de maneira ágil, informações novas, objetivas (que possam ser constatadas por terceiros) e precisas sobre fatos, personagens, ideia e produtos relevantes”.

Traquina (2005b), por entender que os critérios de noticiabilidade se dividem em toda a cadeia produtiva do jornalismo, elenca duas categorias: seleção e construção. Antes de listá-los, é preciso destacar que, ainda que seja feita uma distinção de classes, estes valores combi-nam-se, relacionam-se e complementam-se, não sendo excludentes entre si.

Os valores primários, ou de seleção, são aqueles que definem se o fato pode ou não ganhar status de notícia, e se dividem em dois subgrupos. Os critérios substantivos se relacio-nam diretamente aos elementos que definem a relevância do fato enquanto potencial noticio-sos. São eles:

a) morte: “onde há morte, há jornalistas” (TRAQUINA, 2005b, p. 79). É um dos prin-cipais valores notícias, realçando o contexto negativo dos noticiários.

b) notoriedade: leva em conta o quão notório são os atores envolvidos no fato. Figuras públicas rendem muito mais notícias do que pessoas comuns.

c) proximidade: se relaciona ao contexto geográfico do leitor da notícia. Acontecimen-tos muito específicos de uma cidade, como um semáforos quebrados, dificilmente serão notí-cias em outro município, uma vez que o público de outro local não está interessado ou é afe-tado por aquele acontecimento

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d) relevância: segundo Traquina (2005b, p. 80), se refere à importância que um fato pode ter para o contexto social, consistindo na“ preocupação de informar o público dos acon-tecimentos que são importantes porque têm um impacto sobre a vida das pessoas”.

e) tempo: marca, em geral, o presente. Quanto mais atual o fato, mais relevante é. “ O principal elemento caracterizador da notícia, a atualidade, atende à necessidade de constante renovação do homem moderno, que vive em um mundo em que o novo tem muito valor” (PAIERO, 2012, p.73). Entretanto, datas comemorativas e aniversários de grandes aconteci-mentos também viram notícia com certa frequência.

f) notabilidade: influem nesse valor-notícia critérios como a quantidade de pessoas en-volvida nos fatos. Traquina (2005b) destaca ainda que o jornalismo tende a priorizar a cober-tura de eventos, e não de uma problemática.

g) inesperado: vai de encontro à ordem natural das coisas, surpreendendo e modifican-do a rotina.

h) conflito ou controvérsia: consiste em violência e confronto, seja ele físico ou simbó-lico

i) infração: se refere aos fatos que violem as regras legais ou sociais, a exemplo dos crimes.

j) escândalo: se refere ao papel do jornalista em vigiar o bom andamento das institui-ções sociais e democráticas. O que vai de encontro a isso, como denúncias de corrupção, vira facilmente notícia.

Os valores secundários, ou contextuais, por sua vez, sugerem qualificação. Em geral, são critérios que permitem avaliar a qualidade e potencialidade de determinado fato quanto à re-presentação em forma de notícia. São eles:

a) disponibilidade: os jornalistas não dão conta de cobrir todos os acontecimentos que são relevantes. A praticidade na cobertura de alguns, a exemplo da proximidade física, pode fazer com que alguns fatos sejam privilegiados dentro do noticiário.

b) equilíbrio: dificilmente um assunto será notícia se foi publicado há pouco tempo no veículo em questão, uma vez que o noticiário presume novidade. Isso não é válido para

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des-dobramentos de um fato marcante, como um escândalo de corrupção ou um crime que teve muita repercussão entre a sociedade.

c) visualidade: se um fato vem acompanhado de elementos visuais,como fotos e ima-gens, provavelmente terá mais destaque.

d) concorrência: “os jornalistas e as empresas jornalísticas procuram uma situação em que têm o que a concorrência não tem - é uma situação em que têm o 'furo', ou a exclusivida-de” (TRAQUINA, 2005b, p. 89).

e) dia noticioso: em dias muito movimentados, fatos que poderiam ter grande apelo podem ganhar pouco destaque. Da mesma forma, acontecimentos de menor valor notícia po-dem virar manchete de um jornal em um dia mais “fraco”.

Por fim, os valores-notícia de construção dizem respeito aos elementos que serão prio-rizados durante o processo de construção do texto noticioso. É a definição do “que deve ser realçado, o que deve ser omitido, o que deve ser prioritário na construção do acontecimento como notícia” (TRAQUINA, 2005b, p. 78). São eles:

a) amplificação: quanto mais amplificado é um acontecimento, mais possibilidade tem a notícia de ser notada.

b) relevância: é preciso mostrar de que forma tal acontecimento pode ser relevante pa-ra o público.

c) personalização: a presença de histórias de pessoas é altamente valorizada. Quase to-das as notícias têm “personagens”, ou seja, pessoas que contam histórias relacionato-das ao a-contecimento noticiado.

d) dramatização: realça o aspecto emocional e conflituoso do fato

e) consonância: “a notícia deve ser interpretada num contexto conhecido, pois corres-ponde às expectativas do receptor” (TRAQUINA, 2005b, p. 93).

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4. COMO O TERROR VIRA NOTÍCIA

Os acontecimentos ligados ao terrorismo geralmente se enquadram em boa parte dos critérios de noticiabilidade elencados por Traquina (2005b). Envolvem crime, morte, dramas pessoais e violência. Não é à toa, portanto, que atentados terroristas ou mesmo a ameaças des-tes são assuntos tão noticiados pela imprensa. “Obviamente, o assassinato de um grande líder político, o sequestro e assassinato de um ex-governante e o atentado ao Papa, são eventos com grandes consequências. Eles têm noticiabilidade” (JENKINS, 1981, p. 1).

Um dos principais argumentos legitimadores do jornalismo é o interesse público. Se-gundo Gomes (2009), “o discurso de autolegitimação do jornalismo é hábil em empregar o interesse público – ou a classe de temas e termos com que ele é expresso – como princípio maior da sua deontologia” (GOMES, 2009, p. 71). Dessa forma, no caso de haver dois valores morais conflitantes, o repórter deve dar prioridade àquele relacionado ao interesse público.

Seria válido, portanto, dizer que se está atendendo às necessidades de preservação do interesse público ao noticiar fatos ligados ao terrorismo. Entretanto, é importante entender que o jornalismo não se contém de forma absoluta nas dimensões do que se compreende por inte-resse público. Doutra forma, não teríamos tantas notícias sobre celebridades, por exemplo. Sendo uma forma de negócio que precisa atingir o maior número possível de pessoas para obter lucro, o jornalismo está, também, a serviço da audiência. Portanto, tem interesse em conferir à sua audiência aquilo que ela quer – e da maneira como ela quer. A isso chamamos interesse do público.

[os atentados terroristas têm] uma carga considerável de interesse público (a ideia de que qualquer um pode ser a próxima vítima e as consequências a curto, médio e longo prazo para os países e regiões afetados são alguns dos pontos que ampliam esse interesse público) e de interesse do público (a curi-osidade causada por esses eventos, a comoção com as histórias das vítimas, os detalhes assustadores das ações e o nível de maldade dos protagonistas a-limentam esse interesse) (PAIERO, 2012, p. 74)

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A seguir, analisaremos alguns exemplos de ações terroristas e o modo como foram no-ticiadas.

4.1 Os atentados no metrô de Londres

Em 7 de julho de 2005, quatro atentados suicidas a bomba tiveram como alvo o siste-ma de transporte público de Londres. Três ocorreram nos trens subterrâneos da capital inglesa e um deles em um ônibus. Cinquenta e duas pessoas morreram e mais de 700 ficaram feridas. Os quatro autores dos ataques foram identificados como Shahzad Tanweer, Hasib Hussain, Mohammed Sadique Khan e Germaine Morris Lindsay. Os três primeiros eram britânicos e descendentes de paquistaneses. Lindsay nasceu na Jamaica, mas foi morar na Inglaterra ainda criança. Alguns indícios apontavam a ligação dos autores com a organização terrorista Al Qaeda, mas nada ficou provado. Quatro pessoas chegaram a ser presas por suspeitas de en-volvimento no ataque, mas nenhuma delas foi condenada.

O atentado se enquadra, em uma primeira análise, em alguns dos principais valores-notícia enunciados por Traquina (2005b). Em primeiro lugar, os valores de morte e notabili-dade se destacam por si. Foram muitos os mortos e as pessoas atingidas pelas explosões, que por sua vez não são acontecimentos que não fazem parte do dia a dia. São, portanto, inespera-das e imprevisíveis. Somam-se também os valores de conflito e infração, por envolver violên-cia e crime.

A matéria “London bombings toll rises to 37” (Vítimas de bombardeios em Londres sobem para 37) foi publicada no site da BBC na noite do dia do atentado. O texto é iniciado com a informação de que as três explosões no sistema Underground de trens subterrâneos mataram 35 e que outras duas pessoas morreram em decorrência da explosão em um ônibus. Vê-se, então, o uso da estratégia da pirâmide invertida. Em uma notícia sobre um ataque a bomba, a informação que abre a matéria dificilmente será outra que não o número de mortos e feridos. Isso pode, para alguns, dar maior dimensão aos atos do terror e contribuir para que se espalhe o medo entre a população, mas segue o padrão jornalístico de priorizar as informações mais importantes já no lead da matéria.

Sendo a BBC um veículo britânico, ainda que de alcance mundial, o critério de proxi-midade se torna evidente. O principal público alvo da empresa é composto por cidadãos

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ingle-ses. Ao mesmo tempo, por ser baseada em Londres, tem a seu dispor um grande número de repórteres que facilmente são deslocados até os locais atingidos. De fato, apesar de fazer um panorama geral do ocorrido, a matéria apresenta informações que dificilmente teriam relevân-cia para pessoas de outras regiões. Alguns exemplos são o número de telefone disponibilizado pela polícia em caso de emergências e a referência aos problemas nas linhas de celular de Londres.

O texto apresenta ainda diversas fontes. São ouvidos o então primeiro ministro Tony Blair, o secretário de Relações Exteriores Jack Straw e o chefe da polícia londrina, além do presidente dos Estados Unidos George Bush e a rainha Elizabeth. Além disso, traz também uma referência a um grupo islâmico ligado a Al Qaeda que supostamente teria reivindicado a autoria dos atentados através de um site na internet.

“A nota de posicionamento do grupo dizia que os ataques aconteceram como vingança pelos ‘massacres’ que os britânicos estavam cometendo no Iraque e Afeganistão e que o país estaria agora ‘queimando em medo e pânico’”. (BBC Online)

Embora trazer a citação da organização em questão possa soar como “muito destaque” dado aos terroristas, ouvir grupos é uma maneira de tentar trazer clareza aos fatos. Como já falamos, apresentar todos os lados envolvidos em um conflito é uma maneira de buscar obje-tividade e de conferir maior veracidade aos fatos. Explicar quem são, o que querem e o que fazem para alcançar seu objetivos são aspectos importantes para reconstruir a realidade de maneira mais fiel e clara possível para o leitor. A voz dada a grupos terroristas, que para jor-nalistas pode ser entendido como simplesmente “ouvir o outro lado”, para alguns pode ser interpretado como uma maneira de dar voz e espaço nos jornais a tais organizações.

Para os jornalistas, qualquer pessoa pode ser uma fonte de informação. Uma fonte é uma pessoa que o jornalista observa ou entrevista e que fornece in-formações. Pode ser potencialmente qualquer pessoa envolvida, conhecedora ou testemunha de determinado acontecimento ou assunto (TRAQUINA, 2005, p. 190).

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Entretanto, é também uma forma de atrair audiência. Em geral, há poucas informações sobre os grupos terroristas. Um vídeo ou nota com posicionamento são elementos que invocam a curiosidade da população sobre os autores do atentado.

4.2 Atentado na Maratona de Boston

Em 15 de abril de 2013, duas bombas caseiras explodiram durante a realização das pro-vas da tradicional Maratona de Boston, nos Estados Unidos. Quatro morreram: um garoto de oito anos, duas jovens e um policial. Outras 200 ficaram feridas e ao menos 17 pessoas tive-ram membros amputados, segundo o jornal The New York Times. Os autores do atentado foram os irmãos tchetchenos Tamerlan e Dzhokhar Tsarnaev. Tamerlan foi morto em uma perseguição policial, enquanto Dzhokhar foi preso e aguarda o julgamento.

Assim como no caso dos atentados em Londres, as explosões em Boston atraem a aten-ção da imprensa por reunir morte, conflito, violência e por serem eventos totalmente inespe-rados. Também têm grande relevância para o público, em especial para os habitantes de Bos-ton, porque, além de afetar diretamente o dia a dia da cidade, evidenciam a vulnerabilidade dos cidadãos a situações como essas.

Em seu site, o The New York Times reconstruiu uma imagem da rede de TV NBC, cap-turada no exato momento da explosão da primeira bomba. O jornal reuniu depoimento de 19 pessoas que apareciam na imagem, entre corredores e pessoas que foram até o local apenas para assistir a corrida. Os depoimentos são apresentados em série, no formato snowfall, e con-templam foto e áudio das pessoas entrevistadas.

As histórias contadas são a experiência das testemunhas do massacre. A consultora de negócios Kristine Biagiotti, por exemplo, acompanhava a filha Kayla. A garota de 18 anos sofre de uma doença rara e as duas se tornaram a primeira dupla de mãe e filha a correr a ma-ratona em uma cadeira de rodas. Em seu depoimento, Kristine conta que, por conta da altura da cadeira, Kayla não foi capaz de ver as explosões. Nenhuma das duas ficou ferida e a famí-lia contornou a situação ao fazer a jovem acreditar que os barulhos e gritos eram, na verdade, em comemoração à façanha de Kayla.

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Os depoimentos são marcados pelo drama pessoal. Toda a página é construída a partir das experiências dos sobreviventes aos atentados. Essa construção, como vimos, é realizada temo como valores-notícia a personalização e a dramatização, segundo Traquina (2005).

O conteúdo publicado pelo Times não foi o único ou o primeiro sobre o atentado de Boston, mas faz parte de uma série de notícias que se relacionam a este fato. Segundo Pereira (2008), a serialidade de notícias sugere “uma percepção narrativa da história, inspira a criação de uma consciência do fluxo do tempo histórico insinuado pelo fluir diários dos relatos dos fatos” (PEREIRA, 2008, p. 112).

Para Motta, Costa & Lima, a narrativa que vai sendo construída a partir da apresentação em série de notícias sobre um mesmo tema tem, em geral, foca nas ações que os personagens desempenham. Isso confere grande importância às pessoas e suas histórias no cenário jornalís-tico.

Como produto cultural, as notícias narram não apenas fatos historicamente localizados, mas constroem a realidade social ressignificando-a mediante e-lementos presentes no universo cultural. Narram os dramas e tragédias da vida humana, os conflitos, as lutas, as utopias, os sonhos, os medos, os dese-jos, as frustrações, os sentimentos de personagens que preenchem as páginas dos jornais e revistas, bem como a programação de rádio e tevê (MOTTA; COSTA & LIMA, 2004, p. 34).

4.3 A morte de James Foley

James Foley foi um jornalista americano sequestrado na Síria pela milícia radical Estado Islâmico (EI). Ele foi morto em setembro de 2014 pela organização depois de um ano em ca-tiveiro. O vídeo em que Foley é decapitado por um integrante do EI foi postado pelo grupo no You Tube e visto por milhões de pessoas em todo o mundo.

No vídeo, Foley aparece usando o macacão laranja e diz que o seu verdadeiro assassino são os Estados Unidos. Um integrante do EI aparece ao seu lado, encapuzado e vestido de preto. Ele afirma ainda que o grupo tinha em seu poder outro refém. Era o fotógrafo Steven Sotloff, morto semanas depois da mesma maneira. Pouco tempo depois, um grupo argelino

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ligado ao EI matou o guia turístico francês Hervé Gourdel e também fez um vídeo mostrando seu corpo decapitado. Foley não foi o primeiro jornalista a ser decapitado em frente a uma câmera. Em 2002, o repórter do The Wall Street Journal Daniel Pearl foi morto dessa forma por membros do Taliban no Paquistão.

O uso da internet para divulgação do vídeo (e a enorme repercussão que teve) dão pistas de um fenômeno recente que faz com que o terrorismo dependa menos da mídia tradicional. Dada a grande popularização e dispersão da internet, das mídias móveis e das redes sociais nos últimos dez anos, diversas organizações terroristas têm encontrado na web um espaço de divulgação e interlocução. Quase todas têm websites e conexões em fóruns. A grande penetra-ção no meio online é especialmente importante no caso das organizações internacionais, visto que a dispersão geográfica é minimizada através da comunicação via web. O EI tem até uma revista online própria, publicada em inglês, que traz informações sobre as ações do grupo e seus pontos de vista.

Um levantamento feito por Weiman (2008) analisou centenas de grupos terroristas e sua presença na internet entre 1998 e 2007. O estudo observou que:

a) Em 1998, menos da metade das organizações determinadas como terroristas pelo Departamento de Estado americano tinha websites

b) Em 1999, quase todos esses grupos tinham ao menos uma forma de presença online, seja por sites ou fóruns

c) Em 2003, eram 2.300 os grupos terroristas na internet d) Em 2006, esse número subiu para 5.300

Segundo o autor, as grandes vantagens da internet são a descentralização e ausência de controle e censura, bem como o acesso facilitado a qualquer um. “A internet se tornou um fórum tanto para grupos quanto indivíduos ligados ao terrorismo para espalhar suas mensa-gens de ódio e violência e para se comunicarem entre si, seus apoiadores, simpatizantes e até mesmo lançar uma guerra psicológica entre seus inimigos” (WEIMAN, 2008, p. 75).

A análise feita por Weiman (2008) indicou que a presença terrorista na internet procu-ra atprocu-rair três audiências: os apoiadores, a comunidade internacional, jornalistas e os inimigos. O primeiro grupo é contemplado de maneira óbvia. Os sites em geral dão detalhes da movi-mentação das organizações, dados da situação política entre organizações locais e têm

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dispo-níveis para venda online itens como camisetas e bandeiras, que por sua vez servem como fi-nanciamento às atividades. A comunidade internacional é visada à medida em que os sites se apresentam em versões de diversas línguas. Os jornalistas são um público esperado para al-guns sites que apresentam press releases e informações sobre a história do grupo. Um site do Hezbollah chega a convidar jornalistas a se corresponderem com o grupo por e-mail. Por fim, os inimigos são público alvo de conteúdo que visa desmoralizar e criar sentimento de culpa ou medo.

As organizações tentam usar seus websites para mudar a opinião pública nos Estados inimigos, enfraquecer o apoio popular ao governo em atuação, esti-mular o debate e, claro, desmoralizar o inimigo. A internet é usada por terr-roristas para postagem de montagens assustadoras de execuções, decapita-ções, snipers e bombardeios mortais para causar medo nas tropas inimigas. Os grupos também usam a internet para enviar ameaças e mensagens a go-vernos e populações inimigas. (WEIMAN, 2008, p. 75)

Na matéria exibida em 20 de agosto de 2014 a respeito do assassinato de James Foley, a rede de TV CNN deixa claro que não mostrará cenas do vídeo em que o jornalista aparece sendo decapitado em razão do conteúdo chocante das imagens. Entretanto, inclui trechos de vídeos obviamente feitos pelo próprio EI que incluem execuções em massa e homens exibin-do grandes armas. De certa forma, ao exibi-las, dá respalexibin-do ao conteúexibin-do que a organização produz com fins de exacerbar seu potencial bélico e espalhar medo entre seus inimigos (no caso, toda a sociedade não-islâmica e, entre os islâmicos, os não-sunitas).

Ao mesmo tempo, as imagens dão dimensão do perigo representado pelo EI, até então subdimensionado pelas potencias ocidentais. É a partir da notícia da morte de Foley que os Estados Unidos começam a se organizar para reagir aos avanços do grupo extremistas, que ocupa parte da Síria e do Iraque e que vem deixando um rastro de cadáveres e sangue por on-de passa. Dessa forma, poon-de-se dizer que a comoção popular causada pelas imagens têm forte influência na pressão exercida sobre o governo americano para planejar uma reação aos mas-sacres cometidos pelo EI. Assim, embora atendam ao interesse do público na medida em que apresentam cenas de violência sobre um grupo que ninguém conhecia, (mas já começava a demonstrar imensa curiosidade justamente pela falta de informações sobre ele), as imagens

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exibidas pela CNN e feitas pelo próprio EI têm forte apelo do interesse público na medida em que exercem pressão sobre as instituições governamentais.

Da mesma forma, a exibição de vídeos em que terroristas aparecem ameaçando re-féns são uma maneira de provar que a situação descrita é real. Considerando que em geral as organizações terroristas não são entidades governamentais, mas grupos independentes e por vezes supra-nacionais, é difícil obter informações precisas sobre eles. São muitos os boatos que circulam, como veremos mais à frente em relação ao sequestro do jornalista do New York Times David Rohde. No caso dele, eram muitos e diversos entre si os rumores do local em que os Talibans estariam mantendo-o refém. Os vídeos, se atestada a veraci-dade, podem servir como comprovações e fontes de informações sobre os grupos extre-mistas.

Outro ponto importante sobre o assassinato de Foley é que mexe emocionalmente com a comunidade jornalística. Visto que jornalistas têm sido alvos cada vez mais fre-quentes de sequestros por grupos terroristas2, é de grande interesse das empresas de co-municação noticiar acontecimentos como esses e, paralelamente, cobrar atitudes do go-verno e da comunidade internacional contra os perpetradores desse tipo de ação.

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O Comitê de Proteção para Jornalistas considerou a situação da Síria, onde Foley foi se-questrado, especialmente preocupante. O resgate pago pelas famílias dos reféns é visto como um novo financiador das atividades dos rebeldes sírios que lutam contra o ditador Bashar Al Assad (nem sempre por ideais de democracia). Há relatos de vítimas que foram sequestradas e mantidas em cativeiro sem que seus raptores tivessem sequer tentado contato com as famílias. A ideia, nesse caso, é esperar o melhor momento para barganhar um resgate ou mesmo troca de prisioneiros. Re-féns, especialmente os jornalistas, se tornaram moedas de troca.

Referências

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