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2 O CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS: HISTÓRICO E

2.3 MUDANÇÃS E PROBLEMATIZAÇÕES

Desde 200345 a legitimidade do Conselho de Segurança da ONU vem sendo colocada a duras provas. Primeiro houve uma crise que se instaurou

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No original: "La Charte des Nations Unies est marquée du dualisme entre l'affirmation du principe de "l'égalite des droits des hommes et des femmes, ainsi que des nations grandes et petites" et le fait d'attribuer aux Grandes Puissances, "la responsabilité principale du maintien de la paix et de la sécurité internationales"".ANDERSSON, Nils. "Les Nations Unies: D'un monde bipolaire à un monde unipolaire". In: Duchatel, Julie; ROCHAT, Florian (org.) ONU -

Droits pour tous ou loi du plus fort? Regards militants sur les Nations Unies. Genève:

CETIM, 2005. p. 16.

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Carta das Nações Unidas e Estatuto da Corte Internacional de Justiça. Disponível em: <http://unicrio.org.br/img/CartadaONU_VersoInternet.pdf>. Acessado em: 05/08/2013. p. 58.

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A invasão do Iraque pelos EUA sem a permissão da ONU caracteriza, para muitos estudiosos das RI, um marco na quebra de legitimidade do Conselho de Segurança, como é o caso de Thomas G. Weiss.

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após a invasão do Iraque que colocava em pauta qual era a verdadeira função do Conselho - e da própria ONU como um todo -, se quando ela era consultada e fornecia um veredicto, seus próprios membros (não apenas membro; mas membro permanente, com poder de veto, ou seja, com o poder e toda a instituição centralizado em suas mãos) descumpriam e simplesmente ignoravam o mesmo; abrindo espaço para declarações como a seguinte, do então presidente estadunidense George W. Bush:

Por outro lado, o presidente estadunidense George W. Bush declarou em 2002 que ao menos que as Nações Unidas aprovem a invasão do Iraque, a ONU se tornará "petulante" e "uma organização de debates ineficazes.46

Esta postura de descaso dos Estados Unidos frente à ONU mostrou a face oculta que durante algum tempo tentou-se evitar de vir à tona: seria o Conselho de Segurança, esta tentativa de "polícia do mundo" na verdade apenas um mero fantoche nas mãos das grandes potências detentoras dos assentos permanentes?

Desde então, as modificações ocorridas no cenário internacional só intensificaram os debates acerca da funcionalidade da ONU e, principalmente, do Conselho de Segurança. A cada ano, ficava mais evidente o enorme problema estrutural que o CS sofria pelo fato de ainda existir nos moldes de 1945. Ao longo de 67 anos diversas mudanças ocorrem, principalmente no âmbito internacional, que funciona em um ritmo relativamente acelerado. Potências surgem, transformam-se, caem, destroem-se. Em um mundo que está em constante luta para ainda conseguir comportar a existência de grandes potências - necessárias à manutenção da ordem capitalista -, possuir um grupo de cinco "potências" arcaicas ocupando um lugar de acumulação tão grande de poder é no mínimo algo extremamente inconsistente para uma organização que se auto proclama democrática.

Fica cada vez mais difícil de conceber um sistema que não seja interdependente, e isso faz com que os antigamente denominados "países em

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No original: "D'un autre côté, le président étatsunien George W. Bush déclare en 2002 qu'à moins que les Nations Unies n'approuvent l'invasion de l'Irak, l'ONU deviendrait "impertinente" et "une organisation de débats inefficace". In: ANDERSSON, Nils. "Les Nations Unies: D'un monde bipolaire à un monde unipolaire". In: REED, Roger. "Qu'est-ce que l'ONU et quelles en sont les limites?". In: ROCHAT, Florian (org.) ONU - Droits pour tous ou loi du plus fort?

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desenvolvimento", que são hoje os grandes mantenedores econômicos do mundo (como é o caso do Brasil, por exemplo), comecem a lutar pelo direito de ocupar um espaço de maior peso e representatividade no cenário internacional. Isso repercute, obviamente (e principalmente), nas organizações internacionais. Com relação ao Conselho de Segurança, esta situação é ainda mais aguda. Não é de hoje que se clama uma reforma das Nações Unidas, mas nos últimos anos as pressões tem se intensificado justamente pelos fatores elencados acima: crescimento e desenvolvimento de novas potências, sistema internacional cada vez mais interdependente, e demonstrações práticas da situação obsoleta na qual o Conselho de Segurança se encontra.

Diversas propostas de reforma vem sendo formuladas, principalmente pelos países que almejam um assento permanente no Conselho de Segurança. A esmagadora maioria de propostas pautam-se em torno do alargamento do CS, o que ajuda a travar as negociações de mudança porque, além do fato de que os países já detentores de poder não terem intenções verídicas de abdicar do mesmo, demais países que também estão excluídos do CS não apoiam totalmente estes planos de alargamento porque entendem, justamente, que apenas agregar mais países neste ponto concentrado de poder não irá alterar a realidade do que é a ONU hoje para eles e demais tantas nações. Por conta disso, existe um grupo de países chamado Coffee Club:

(...) dois grandes blocos tomaram forma nas Nações Unidas. Aqueles a favor da expansão dos assentos permanentes, conhecidos como o Grupo dos Quatro (G4) composto por Alemanha, Japão, Índia e Brasil; e aqueles que são favoráveis apenas à expansão da categoria não permanente, chamado Coffee Club. Eles são conhecidos como Coffee Club porque estes são remanescentes de um poderoso lobby de oposição à expansão dos membros permanentes no início dos anos 1990. Sob a liderança da Itália, o Coffee Club ressurge desta vez enquanto o movimento Unidos para o Consenso, que clama pela chegada a um consenso antes de que qualquer decisão seja alcançada na figura do Conselho de Segurança.47

47No original: "(...) two major blocks took shape at the United Nations. Those who favor

expansion in permanent category, namely the Group of Four (G4) composed of Germany, Japan, India and Brazil; and those who favor expansion only in non-permanent category, namely the Coffee Club. They are known as the Coffee Club because it is reminiscent of the powerful lobby opposing the expansion of permanent membership in the early 1990s. Under the leadership of Italy, Coffee Club is resurrected this time as the Uniting for Consensus movement and is calling for a consensus before any decision is reached on the form and size of the Security Council". In: ARIYORUK, Ayca. Players and Proposals in the Security Council

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Atualmente composto por Itália, Paquistão, Coréia do Sul, Espanha, México, Argentina, Turquia, Canadá e Malta, este grupo de países, entretanto, se opõe ao alargamento do CS por conta de não fazer parte de seus interesses internos que os países como Brasil, Alemanha, Índia e Japão (que são atualmente os estados que mais colocam força em suas tentativas de ganharem um assento permanente no CS) adquiram estes benefícios, além de não julgarem justa a maneira como se daria essa ascensão. Estes países defendem, portanto, que no caso de um alargamento do Conselho de Segurança, seus novos membros deveriam ser eleitos pela Assembleia Geral48.

É de extrema importância que este debate acerca da reforma do Conselho de Segurança saia apenas da ideia de se adicionar mais membros permanentes ao Conselho, procurando um entendimento abrangente de como a forma que o CS opera dentro da ONU faz parte do problema de falta de legitimidade e representatividade do mesmo. Se as Nações Unidas se encontram concentradas estruturalmente nas decisões do CS, as dificuldades que daí emanam são referentes também à maneira como o Conselho opera em diversas instâncias, pois conforme explanado por Nahory e Paul, a questão da reforma vai muito além da troca e adesão de membros:

O debate sobre a expansão de associação (e novos membros permanentes ) atrai a maior parte da atenção, porém a reforma do Conselho envolve muito mais do que as cadeiras ao redor da mesa e quem senta nelas. O Conselho está extremamente mal organizado e depende demasiadamente da gestão dos cinco permanentes (P- 5). Por seu projeto, ele conta com um apoio institucional muito pequeno por parte da Secretaria, colocando fardos impossíveis nas delegações de membros eleitos (...). Incrivelmente , as regras de procedimento do Conselho permanecem "provisórias" depois de quase 60 anos de operação. (...) A maioria das negociações do Conselho ocorre a portas fechadas, (...) longe do exame minucioso e da responsabilização e sem qualquer registro (como minutos), que poderiam ser referenciados por futuros membros. O Conselho passa muitas resoluções , mas nem sempre consegue impô-las, alimentando a ideia da existência de "padrões duplos" em suas ações. Muitas vezes assemelha-se a um cativeiro de grandes poderes políticos, sem grande conexão com as necessidades dos povos do mundo. Os dez membros eleitos do Conselho dizem que se sentem como "turistas" ou passageiros de curto prazo em um trem de

<http://www.globalpolicy.org/component/content/article/200/41204.html>. Acessado em: 20/10/2013.

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Background on Security Council Reform. Disponível em: <http://www.globalpolicy.org/security-council/security-council-reform/49885.html?itemid=1321>. Acessado em: 10/09/2013.

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longa distância. Apesar de algumas pequenas melhorias nos métodos de trabalho, o Conselho permanece inflexível, oligárquico e desconectado do mundo.49

3 ABORDAGENS TEÓRICAS

Neste capítulo, visar-se-á adentrar no objetivo central deste trabalho, o de proporcionar análises acerca do impasse da reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas a partir da perspectiva de três teorias específicas - Neorrealismo, Institucionalismo e Teoria Crítica -, de forma a tentar refletir sobre a maneira que estes direcionamentos podem contribuir para a total compreensão acerca do objeto de estudo.

O Neorrealismo foi escolhido pelo fato de ser uma das teorias mais tradicionais das relações internacionais e possuir uma visão extremamente cética com relação às OIs, entretanto, as análises destes/as teóricos/as a respeito do sistema internacional podem servir de contribuição para a compreensão do papel que a ONU deverá ocupar quando da sua reforma. Em contrapartida, o Institucionalismo é uma teoria de cunho liberal classicamente oposta ao Neorrealismo em todos os sentidos, ou seja, faz-se aqui o contraponto com as análises da primeira teoria. Por fim, a Teoria Crítica foge às tradições clássicas das RI (liberais x realistas), proporcionando um debate bastante diferenciado acerca da temática das OIs, pois leva toda uma série de

49 No original:"

The debate on membership expansion (and new permanent members) attracts most of the attention, but Council reform involves much more than the chairs around the table and who sits in them. The Council is far too loosely organized and depends far too much on the management of the permanent five (P-5). By design, it has only minor institutional support from the Secretariat, placing impossible burdens on the delegations of elected members (...). Incredibly, the Council’s rules of procedure remain “provisional” after nearly sixty years of operation. (...) Most of the Council’s business takes place behind closed doors, in “consultations of the whole,” away from scrutiny and accountability and lacking any record (such as minutes) that could be referenced by future members. The Council passes many resolutions but only haphazardly enforces them, fueling resistance to perceived “double standards” in its actions. Too often it seems the captive of great power politics with little connection to the needs of the world’s peoples. The ten elected members of the Council say they feel like “tourists” or short- term passengers on a long distance train. In spite of some minor improvements in working methods, the Council remains inflexible, oligarchic and out of touch with the world". In: NAHORY, Céline; PAUL, James. Theses towards a Democratic Reform of the UN Security

Council. Global Policy Forum, julho 2005. Disponível em: <http://www.globalpolicy.org/security- council/security-council-reform/41131.html?itemid=916>. Acessado em: 24/09/2013.

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questões em consideração de forma que não era feito anteriormente pelas vertentes mais tradicionais.

Analisar-se-á quais os limites encontrados dentro de cada teoria para a compreensão da questão, bem como quais possibilidades de avanços podemos extrair de cada uma de modo a gerar o desenvolvimento do debate sobre a reforma. Entende-se que não existem teorias "certas" e "erradas", ao menos não de uma maneira absolutamente binária e maniqueísta; logo, faz-se válida a extração de tudo aquilo que possa de alguma maneira gerar uma contribuição, evitando um certo "preconceito de origem".

Para a exploração de cada teoria foi utilizado o mesmo método de análise. A estrutura foi a seguinte: 1) breve ambientação acerca do histórico da teoria (principais teóricos/as, apogeu, declínio, etc.); 2) como a corrente teórica caracteriza o poder? 3) como a teoria encara a existência de potências e suas consequentes (supostas) hierarquias no cenário? 4) visão acerca da relevância das Organizações Internacionais dentro do cenário internacional. As possibilidades e limites provenientes destas análises serão posteriormente aglomeradas e desmembradas no capítulo 4.

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