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Nós, os povos das Nações Unidas -- : a teoria e a prática na reforma do Conselho de Segurança da ONU

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

LÍVIA BERNARDES ROBERGE

NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS... : A TEORIA E A PRÁTICA NA REFORMA DO CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU.

Florianópolis 2013

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LÍVIA BERNARDES ROBERGE

NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS... : A TEORIA E A PRÁTICA NA REFORMA DO CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU.

Monografia apresentada ao Curso de Relações Internacionais, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Relações Internacionais.

Orientador: Prof. Rogério Santos da Costa, Dr.

Florianópolis 2013

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LÍVIA BERNARDES ROBERGE

NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS...: A TEORIA E A PRÁTICA NA REFORMA DO CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU.

Este trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de Bacharel em Relações Internacionais e aprovado em sua forma final pelo Curso de Relações Internacionais, da Universidade do Sul de Santa Catarina.

__________, _____ de __________ de 20__.

____________________________________ Prof. e orientador Rogério Santos da Costa, Dr.

Universidade do Sul de Santa Catarina. ____________________________________

Prof. Paulo Roberto Ferreira, Msc. Universidade do Sul de Santa Catarina. ____________________________________

Prof. Felipe Fernandez, Bel. Universidade do Sul de Santa Catarina.

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Dedico esta monografia ao meu pai, que de algum modo sei que acompanhou a minha trajetória ao longo desta pesquisa, apoiando-me e acalentando-apoiando-me, apoiando-mesmo que eu não pudesse vê-lo. Espero de alguma maneira estar à altura do orgulho que ele sentia em dizer que tinha uma filha que cursava Relações Internacionais. Eu te amo pai.

(5)

Agradecimentos

Primeiramente, agradeço ao meu orientador, professor Rogério Santos da Costa, por ter tido paciência com o meu ritmo lento de produção, por ter me dado puxões de orelha quando necessário, por ter me apresentado às lindas organizações internacionais e, principalmente, por ter incentivado as minhas ideias megalomaníacas. Muito obrigada professor, e desculpe pelos atrasos!

De forma não menos importante, agradeço às minhas maravilhosas mãe e irmã por terem aturado o meu mau-humor e me apoiado em todos os momentos. Nunca teria conseguido sem vocês.

Agradeço aos amigos que de algum modo acompanharam de perto o desenvolvimento desta monografia: Manoela da Rosa Jorge, Virgínia Broering, Larissa Dalmolin, Jéssica Renaud, Vivek Kirpalani, Victor de Lucca, William Conceição, e um agradecimento muito especial ao Henrique Kühr, que tantas vezes salvou a minha vida acadêmica e que teve uma participação muito importante nos meus surtos ao longo deste semestre. Muito obrigada Henry!

Ao professor Emerson Campos, que em diversas ocasiões teve a vida enrolada por conta das minhas dificuldades com o TCC e mesmo assim sempre me recebia com chá e butter toffees. Ano que vem é a sua vez de sofrer na minha mão!

Por fim, agradeço às pessoas que se mantiveram próximas (não necessariamente de maneira física) a mim ao longo destes últimos dois anos tão conturbados da minha vida e que me influenciaram das mais diversas maneiras: Guilherme Carlos Costa, Betina Maliska, Makauli, Beatriz Gonçalves, Charlise Silva, Andreza Martins, Rafael Damásio, Fabio Puzzanghera, Kathryn Cumming, Thiago Maccarini, Mariana Maccarini, Victor Ribeiro, Lara Francisco, Luciano Balzacchi, Binho, Caio Dias, Maria Eduarda Pellense, Cássia Oliveira, Eustache Tonye, Ali Khalid, Augusto Luna, Philip Surniche, Felipe Fischmann, Felipe Fernandez, prof. Márcio Voigt, Feliph Renaud, Fábio Amorin, Indiamara Duarte e a todas as pessoas que porventura esqueci de mencionar mas que são igualmente importantes para mim.

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C'est une évidence que le "Nous, Peuples des Nations Unies", sur quoi s'ouvre le Préambule de la Charte, n'est qu'une invocation. "Nous, peuples", ne pesons pas sur les décisions prises au sein de l'ONU et les opinions publiques restent pour l'essentiel dans l'ignorance des compromis passés, des silences gardés, des sujets occultés sur les bords de l'East River. Domaine réservé aux gouvernements et aux diplomates. Le citoyen est sans voix, de plus, la masse d'informations, commentaires et analyses déversés par les médias, lors de guerres ou de tragédies humanitaires, le conforte dans l'idée de l'impuissance du "machin". L'ONU est devenue une entité abstraite que l'on peut charger de tous les maux sans que l'on se sente responsabilisé ou concerné. C'est bien cela qui est grave.

(7)

RESUMO

Este trabalho trata da questão da Reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas a partir de três aportes teóricos diferentes da área de Relações Internacionais: o Neorrealismo, o Institucionalismo e a Teoria Crítica. A escolha de três teorias bastante distintas se dá pela aposta na extração de contribuições a partir de cada uma para auxiliar na formulação de um entendimento mais completo a respeito da questão da Reforma, entendendo que não existem teorias "certas" ou "erradas" e que a melhor maneira de utilizá-las seria em uma análise em conjunto. Após realizada a ambientação com a temática das organizações internacionais nos estudos de Relações Internacionais, bem como um histórico do Conselho de Segurança e dos motivos que levam a uma demanda por reforma, passa-se à análise das teorias realizando um levantamento sobre o que elas dizem a respeito de temáticas como poder, potências e organizações internacionais. Uma vez possuindo todos os elementos provenientes desta análise, estes serão utilizados de forma a compreender o que cada vertente teórica tem a contribuir para o aprofundamento do debate acerca do Conselho de Segurança e suas deficiências, demonstrando que quando utilizadas em conjunto faz-se possível adquirir uma visão mais ampla a respeito de temáticas envolvendo variáveis sociais complexas, como é o caso da maioria dos tópicos relacionados aos estudos de Relações Internacionais. Palavras-chave: Conselho de Segurança. Reforma. Neorrealismo. Institucionalismo. Teoria Crítica.

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ABSTRACT

This paper addresses the issue of Reform of the Security Council of the United Nations from three different theoretical contributions in the field of International Relations : Neorealism, Institutionalism and Critical Theory. The option of choosing three very distinct theories is because of the will to extract contributions from each to assist in formulating a more complete understanding about the issue of the Reform, taking into account that there are no such things as "correct" or "incorrect" theories, and the best way to make use of them would be in a pooled analysis. After contextualizing the thematic of international organizations in the study field of International Relations, as well as conducting a historical background of the Security Council and the reasons that lead to a demand for reform, we move forward to the analysis of the theories doing a survey on what they theorize regarding issues such as power, world powers and international organizations. Once possessing all the elements from this analysis, these will be used in order to understand how each theoretical approach can contribute to the deepening of the debate on the Security Council and its shortcomings, demonstrating that when making use of them together it is possible to obtain a broader view about issues involving complex social variables, as is the case with most of the topics related to the study of International Relations.

(9)

LISTA DE SIGLAS

CS - Conselho de Segurança

FMI - Fundo Monetário Internacional OI - Organização Internacional

OIG - Organização Internacional Governamental OMC - Organização Mundial do Comércio

ONU - Organização das Nações Unidas RI - Relações Internacionais

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 11

2 O CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS: HISTÓRICO E CONTEXTUALIZAÇÃO DO IMPASSE ... 17

2.1 AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS NAS RI ... 18

2.2 A TRAJETÓRIA DO CONSELHO DE SEGURANÇA ... 23

2.3 MUDANÇÃS E PROBLEMATIZAÇÕES ... 30

3 ABORDAGENS TEÓRICAS ... 34

3.1 O NEORREALISMO ... 35

3.2 O INSTITUCIONALISMO ... 40

3.3 A TEORIA CRÍTICA ... 43

4 LIMITES E CONTRIBUIÇÕES ACERCA DO IMPASSE... 48

4.1 OS NEORREALISTAS E AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS ENQUANTO "MEROS" INSTRUMENTOS ... 48

4.2 A DIFUSÃO DO PODER E A NEGLIGENCIAÇÃO DO SOFT POWER ... 52

4.3 A TEORIA CRÍTICA E SUA PERSPECTIVA DE MUDANÇA ... 54

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 55

(11)

11

1 INTRODUÇÃO

Existem temas considerados clássicos dentro da área de relações internacionais, como análises de política externa durante períodos de crise, soberania estatal, direitos humanos, organizações internacionais, reforma do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, dentre outros. Porém, por vezes veem-se estas temáticas clássicas sendo estudadas e reestudadas, analisadas e reanalisadas também sempre a partir de um ponto de vista e teórico clássico, ocasionalmente até mesmo conservador.

Faz-se então necessário que haja uma renovação em determinados campos de estudo de nossa área, como é o caso da reforma do Conselho de Segurança. Unindo o debate teórico específico da área de Relações Internacionais à análise da atual conjuntura crítica que diz respeito à reforma, tenta-se proporcionar uma nova possibilidade de entendimento da mesma, servindo-nos das teorias para compreender eventuais limites e contribuições presentes dentro de cada uma delas para este debate.

Ao longo das mudanças ocorridas nas relações internacionais desde o pós 45, recorrentemente fala-se em crises. Nesses últimos anos, uma destas conjunturas que tem chamado muito a atenção de estudiosos/as1 da área de RI é a suposta crise do poder que abala o sistema internacional - uma mudança em andamento nas estruturas de poder tradicionais - e isto levou muitos/as a questionar a legitimidade e a funcionalidade de uma destas estruturas que fora reformulada neste nebuloso período do pós-guerra a partir das cinzas da Liga das Nações: a Organização das Nações Unidas - ONU.

Não é de hoje o debate e as críticas acerca dos moldes nos quais a ONU opera, principalmente no que se refere à estrutura do Conselho de Segurança. O típico jargão utilizado para deslegitimar o Conselho é o de que

1

Entende-se que as discussões a respeito das desigualdades de gênero são indispensáveis ao/à internacionalista e ao campo de estudos de Relações Internacionais, um exemplo seria a existência de uma Teoria Feminista da área, a necessidade de inclusão de mulheres em profissões "clássicas" como a diplomacia, a existência de programas dentro das Nações Unidas voltados especificamente para a causa das mulheres, dentre muitos outros. Levando isso em consideração, será utilizado ao longo de todo o presente trabalho a Linguagem Inclusiva de Gênero.

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12

ele ainda está estruturado de uma forma que não reflete mais o cenário internacional vivido atualmente, com antigas “potências” mundiais que não se caracterizam mais enquanto tal detendo poderes não correspondentes com a realidade vivida, enquanto que outros países se veem totalmente excluídos de participação no Conselho.

As abordagens teóricas acerca da efetividade das Nações Unidas, e das organizações internacionais de um modo geral, sempre foram bastante variadas e díspares, proporcionando um profícuo debate na área que invariavelmente culmina em reflexões sobre os caminhos que uma reforma tomaria ou ao menos deveria tomar. A falta de consenso nestas diretrizes pode ser parcialmente atrelada ao fato de que as definições de questões como o poder, por exemplo, serem profundamente diferentes dependendo do fundo teórico de onde se fala. É por isso que para entender a situação acerca da reforma do Conselho de Segurança serão utilizadas algumas correntes teóricas e suas visões distintas sobre algumas questões.

As teorias escolhidas para serem trabalhadas são o Neorrealismo, por se tratar de uma das teorias mais clássicas da área e ainda muito presente neste campo de estudo, além de ser uma vertente extremamente cética com relação ao papel a ser exercido pelas Organizações Internacionais no mundo de modo geral; o Institucionalismo, por ser a teoria que tomará as Organizações Internacionais enquanto tema central das RI; e finalmente a Teoria Crítica, uma vertente relativamente inovadora, pois propõe uma série de revisões dentro da área de estudos de Relações Internacionais, trazendo mais para próximo de nós, futuros/as internacionalistas, algumas questões que tradicionalmente não são detentoras de grande consideração dentro da área, e que para o entendimento do contexto mundial atual se fazem imprescindíveis.

Portanto, o presente trabalho de conclusão de curso pretende responder a seguinte pergunta de pesquisa: levando em consideração o Neorrealismo, o Institucionalismo e a Teoria Crítica, quais as contribuições destas correntes teóricas de Relações Internacionais para o entendimento da questão da reforma do Conselho de Segurança da ONU?

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A partir do problema de pesquisa exposto acima, o objetivo principal a ser alcançado é analisar a questão da reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas através de três diferentes teorias de relações internacionais (Neorrealismo, Institucionalismo, e Teoria Crítica). De forma a atingir e complementar este objetivo geral, apresentam-se alguns objetivos específicos a serem alcançados no decorrer da pesquisa: explorar as teorias escolhidas; analisar o processo da necessidade de uma reforma do Conselho de Segurança; e entender as avaliações das teorias acerca do Conselho de Segurança e as perspectivas de mudança do mesmo.

Conforme dito anteriormente, o tema da reforma do Conselho de Segurança da ONU já pode ser considerado um tema clássico dentro das Relações Internacionais e o assunto é recorrente no campo da Segurança Internacional. Entretanto, a esmagadora maioria de propostas de reformas estão baseadas na substituição dos países membros do Conselho e a revisão acerca do poder de veto, sendo que poucos são os trabalhos que partem da necessidade de definição do poder (e demais subjetividades) propriamente dito. Para que uma reforma da Organização tenha de fato impactos positivos e verificáveis, é necessário analisar o problema a partir das suas bases, ou seja, as divergências acerca da caracterização de um país poderoso, e a crescente relativização deste.

No que se refere à maneira como esta pesquisa se desenvolverá, cabe salientar que ela se caracteriza enquanto básica em relação à sua natureza, uma vez que não há uma perspectiva de aplicação prática enquanto uma finalidade imediata desta, este tipo de pesquisa "amplia generalizações, define leis, estruturas, sistemas e teorias"2, logo, sendo este um trabalho que visa a o alargamento do debate acerca do tema da reforma do Conselho de Segurança, esta classificação básica se faz pertinente.

Já o tipo de pesquisa, levando em consideração os objetivos da mesma, estaria mais próximo do modelo de pesquisa exploratória (uma vez que uma

2

CASTILHO, Auriluce Pereira; BORGES, Nara Rúbia Martins; PEREIRA, Vânia Tanús (Org.). Manual de metodologia científica do Iles Itumbiara/GO. Itumbiara: Iles/Ulbra, 2011. p. 10.

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14

pesquisa explicativa é basicamente incompatível com um trabalho de conclusão de curso principalmente por conta dos fatores tempo e recursos, não impedindo que esta venha futuramente a se tornar explicativa em um aprofundamento posterior. De acordo com Gil, as pesquisas exploratórias:

(...) têm como objetivo principal o aprimoramento de ideias ou a descoberta de intuições. Seu planejamento é, portanto, bastante flexível, de modo que possibilite a consideração dos mais variados aspectos relativos ao fato estudado3.

Portanto, levando em consideração que o trabalho tem por base uma temática já bastante explorada, visando principalmente buscar novas interpretações e visões a respeito da mesma, esta é a melhor definição com relação aos objetivos.

Sobre o procedimento a ser adotado nesta pesquisa, este será essencialmente bibliográfico, mantendo foco na análise das diferentes contribuições de cada teoria a ser analisada sobre a reforma do Conselho de Segurança, tomando base em diferentes autores sobre o mesmo assunto. As fontes utilizadas serão basicamente literárias, não exercitando a análise de documentos, de forma que é uma pesquisa que se utiliza de "dados ou de categorias teóricas já trabalhados por outros pesquisadores e devidamente registrados. Os textos tornam-se fontes dos temas a serem pesquisados"4.

Com relação à abordagem, esta será feita de forma qualitativa, pois entende-se que o método quantitativo não é suficientemente abrangente para a área de ciências humanas, como explica Severino acerca da ineficácia do método positivista em captar o humano como um todo:

“Esse modelo de conhecimento científico, denominado positivista, adequou-se perfeitamente à apreensão e ao manejo do mundo físico, tornando-se assim paradigmático para a constituição das ciências, inclusive daquelas que pretendiam conhecer também o mundo humano. Mas logo os cientistas se deram conta de que o conhecimento desse mundo humano não podia reduzir-se, impunemente, a esses parâmetros e critérios. Quando o homem era considerado um objeto puramente natural, seu conhecimento deixava

3

GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 45.

4

SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 23. ed. São Paulo: Cortez, 2007. p. 122.

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15

escapar importantes aspectos relacionados com sua condição específica de sujeito; mas, para garantir essa especificidade, o método experimental-matemático era ineficaz.”5

É possível considerar indissociáveis as temáticas de Segurança Internacional das de Organizações Internacionais no atual contexto global, uma vez que a prática do multilateralismo6 (que tantas vezes utiliza-se de um espaço tal qual de uma OIG7 para realizar a mediação de algum assunto), faz-se cada vez mais necessária para que os Estados consigam sobreviver neste cenário altamente globalizado e interligado tanto em assuntos "meramente" econômicos quanto sociais e políticos. Dessa forma, tal como sugerido por Herz, as organizações internacionais auxiliam diretamente na formulação de "regimes mundiais"8, como por exemplo o monetário, o de comércio, e também um dado regime de segurança internacional.

Pode-se dizer que no pós-45, com a substituição da Liga das Nações pela Organização das Nações Unidas, formulou-se um regime internacional de segurança diretamente ligado à recém-criada ONU; para Herz, "o sistema de segurança coletiva é um dos mecanismos de administração do sistema internacional mais estreitamente vinculado às organizações internacionais"9. Para entender como se caracterizou (e ainda caracteriza) este regime de segurança pautado em uma instituição como a ONU (bem como a trajetória da própria), serão utilizados principalmente os trabalhos de Mônica Herz, que possui uma produção bastante didática sobre a temática de organizações internacionais, abordando praticamente todos os âmbitos da relação destas com o mundo através dos anos; Mohamed Tahar Bensaada e Nils Andersson, ambos possuindo uma visão extremamente crítica da ONU e papel exercido por ela no cenário internacional (ou real papel exercido por ela, como defendem eles); dentre outros.

5

Ibidem. p. 118.

6

"Prática que envolve o estabelecimento de princípios que norteiam a relação entre os atores. A indivisibilidade e a reciprocidade difusa também são algumas de suas características." In: HERZ, Mônica. Organizações Internacionais: história e práticas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 21.

7

Organizações Intergovernamentais Internacionais.

8

HERZ, Mônica. op. cit.

9

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16

Passando para a segunda parte do trabalho, três teorias bastante distintas entre si serão estudadas para que seja possível através de olhares distintos compreender de que forma diferentes visões acerca de uma mesma temática podem contribuir para a compreensão da mesma - são elas o Neorrealismo, o Institucionalismo e a Teoria Crítica. Para tanto, cada teoria será trabalhada de forma a ser possível delimitá-la e relacioná-la com a questão da reforma.

Sobre o Neorrealismo, a partir dos estudos de John Mearsheimer, e em menor escala, de Kenneth Waltz (que tomam por base dois pressupostos principais: que o sistema internacional é anárquico, e que todos os estados visam à sobrevivência), dar-se-á foco na forma como os/as teóricos/as que tomam como base esta linha de pensamento entendem a questão da estabilidade e da paz internacionais. Apesar de os/as neorrealistas adotarem uma postura bastante "cética" em relação a Organizações Internacionais de modo geral (e principalmente em relação à ONU, por não ser - a priori - uma organização de objetivos bélicos), reconhecendo os Estados como atores principais das relações internacionais; é impossível desassociar o debate fomentado por eles/as na questão do que caracteriza uma potência, o poder, e a estabilidade no cenário internacional, das reformas do Conselho de Segurança, onde veremos que disparidades nas noções (algumas bastante arcaicas e "quadradas") de poder emperram as mudanças, ao passo que também auxiliam no entendimento do por que da existência de um impasse.

Inspirado em Kant, o Institucionalismo se faz absolutamente imprescindível pelo fato de caracterizar uma teoria que tomará as Organizações Internacionais enquanto objeto de extrema importância de estudo para as Relações Internacionais, já que para eles/as: "as instituições internacionais são mais do que simples subalternas dos Estados fortes; elas possuem uma importância autônoma e são capazes de promover a cooperação entre os países"10. Para estudo desta corrente, tomar-se-á os trabalhos de Robert Keohane e, principalmente, Joseph Nye como base, por serem considerados clássicos precursores deste pensamento.

10

JACKSON, Robert; SORENSEN, George. Introdução às relações internacionais: teorias

(17)

17

Partindo para a inovadora Teoria Crítica, esta será utilizada principalmente pelo fato de nos fornecer um debate mais amplo no campo das Relações Internacionais, por entender as estruturas e as relações sociais enquanto construídas historicamente, refutando as visões "naturais" e conformistas da teoria clássicas. Robert Cox e Andrew Linklater serão os autores mais utilizados para trabalhar esta teoria.

Espera-se, portanto, abrir portas para possibilidades mais diversificadas e plurais de se compreender a importância da tão almejada (para uns/umas) reforma das Nações Unidas, bem como da própria existência desta dentro do atual cenário global. Procura-se também utilizar as teorias escolhidas em conjunto na busca por um melhor e mais completo entendimento sobre o assunto, entendendo que não existem teorias "mais ou menos certas" e que um aporte multi-teórico 11 auxiliaria em uma compreensão muito mais abrangente sobre a questão.

2 O CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS: HISTÓRICO E CONTEXTUALIZAÇÃO DO IMPASSE

Neste primeiro capítulo, será realizada a ambientação do/a leitor/a com a temática específica das organizações internacionais enquanto campo de estudo das relações internacionais. Faz-se necessário realizar esta explanação para que posteriormente o aporte teórico acerca da temática seja devidamente compreendido. Iniciar-se-á com um breve histórico da presença destas organizações no mundo, elencando tópicos tais como regimes internacionais, cooperação internacional, multilateralismo e sociedade internacional, indispensáveis para o total entendimento do papel exercido pelas Organizações Internacionais na contemporaneidade (e a maneira como este se construiu).

Posteriormente será realizada uma análise mais profunda do Conselho de Segurança das Nações Unidas em si, de modo a compreender sua história,

11

Multi-teórico no sentido de que não se limitar a apenas uma teoria para entender o assunto, ou melhor, a evitar realizar uma "procura pela melhor teoria", já que entende-se que cada uma destas correntes possuem contribuições para a área e que também podem funcionar bem se trabalhadas em conjunto.

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suas funções, características e objetivos, uma vez que o foco deste trabalho é o estudo deste órgão específico das Nações Unidas.

Para a conclusão desta primeira etapa, no subcapítulo intitulado Mudanças e Problematizações, será dado enfoque às questões que colocaram a reforma do Conselho de Segurança em destaque nas relações internacionais. Explorar-se-á quais foram as alterações de conjuntura sofridas pelo cenário internacional, e de que maneira a ONU se viu atingida por estas. Procura-se entender qual o contexto atual do impasse envolvendo o Conselho de Segurança, a sociedade internacional, e a reforma do mesmo.

2.1 AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS NAS RI

O mundo pós-guerra caracterizou-se enquanto um cenário bastante propício para o surgimento de Organizações Internacionais12, dentre elas, a própria Organização das Nações Unidas, e com ela, o Conselho de Segurança. Por outro lado, as OIs são uma realidade já desde o século XIX, quando os países começavam a criar o hábito de se engajar nessas instituições de cooperação voluntária para fins específicos, como era o caso, por exemplo, da União Telegráfica Internacional de 1865 (baseada na cidade de Paris). É de grande dificuldade datar a cooperação entre Estados e a criação de instrumentos que facilitem esta ação - no caso, as OIs -, uma vez que mesmo na antiguidade há exemplos destes, em escalas obviamente diferenciadas (principalmente no que se refere à questão da institucionalização), mas que não fogem a estas finalidades, como foi o caso, por exemplo, da Liga de Delos13 e da Liga do Peloponeso14. Ainda na Modernidade (séculos XV - XIX)

12

Segundo Herz, a definição de Organizações Internacionais seria: "As OIGs são ao mesmo tempo atores centrais do sistema internacional, fóruns onde ideias circulam, se legitimam, adquirem raízes e também desaparecem, e mecanismos de cooperação entre Estados e outros atores. As OIGa são atores, uma vez que adquirem relativa autonomia em relação aos Estados-membro, e elaboram políticas e projetos próprios, além de poderem ter personalidade jurídica, de acordo com o direito internacional público." [grifo próprio]. In: HERZ, Mônica.

Organizações Internacionais: história e práticas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 23.

13

Liga militar organizada por volta de 431 a.C. envolvendo várias cidades-estados gregas contra os Persas, tendo este nome devido à sua sede ser na cidade de Delos.

14

Outra liga militar envolvendo cidades-estados gregas que existiu entre os séculos VI e V a.C., que contava até mesmo com órgãos como uma Assembleia e um Congresso. Tinha este nome devido ao fato de a polis mais poderosa da Liga, Esparta, estar localizada na península do Peloponeso.

(19)

19

serão vivenciadas uma série de tentativas de regulação das relações entre os Estados Nacionais Modernos sem que fosse necessário empregar o uso da força física, um exemplo seria o Concerto Europeu15, que teve lugar entre as Guerras Napoleônicas e a I Guerra Mundial.

Entretanto, neste início de século XXI, pode-se dizer que os mais diversos campos de formulação de políticas internacionais estão intrinsecamente relacionados e, por que não, dependentes de algumas OIs. Isso é o que acontece entre o comércio internacional e a Organização Mundial do Comércio (OMC), por exemplo. Um dos motivos pelos quais isso acontece é o da existência de regimes internacionais que, segundo Krasner, caracterizam princípios, normas, regras e procedimentos que regulam as relações entre os atores em uma área específica16. A partir destes regimes, temos o que é chamado cooperação internacional, principal objetivo das OIs se compreendermos estas enquanto facilitadoras deste processo entre os países.

No cenário das relações internacionais descrito acima, as OIs nos parecem muitas vezes indispensáveis. Esta relação de necessidade se construiu a partir da implementação de um sistema que tem em seu centro a questão do multilateralismo. Nas palavras de Vigevani e Ramanzini:

A noção de multilateralismo expressa a preferência por um padrão de interação coletiva nas suas diversas dimensões, seja como método de negociação, de ação ou de regulação, ao invés de priorizar ações unilaterais ou bilaterais.17

Portanto, entende-se que o multilateralismo consiste em uma política dentro da qual os países não buscam mais apenas alianças bilaterais por compreenderem que suas relações se encontram de tal modo estratificadas que faz com que a melhor opção para manter-se estável seja o relacionamento com diversos países, em diversas áreas, sejam elas políticas, comerciais,

15

União entre Rússia, Áustria e Prússia (posteriormente contando também com Inglaterra e França) na tentativa de manter a ordem e a paz na Europa pós-guerras Napoleônicas, incitando a cooperação entre os Estados.

16

KRASNER, Stephen D. International Regimes. Ithaca - NY: Cornell University Press, 1982. p. 1.

17VIGEVANI, Tullo; RAMANZINI JÚNIOR, Haroldo. A ideia de multilateralismo. 8º Fórum de

Economia da Fundação Getúlio Vargas, 2011. Disponível em: <

http://cemacro.fgv.br/sites/cemacro.fgv.br/files/Tullo%20Vigevani%20e%20Haroldo%20Ramanz ini%20J%C3%BAnior%20-%20A%20ideia%20de%20multilateralismo.pdf>. Acessado em: 10/09/2013. p. 2.

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20

econômicas ou culturais. O multilateralismo pode ser ainda entendido enquanto parte crucial do processo de expansão das OIs pelo fato de que estas caracterizam uma forma de se concretizar o multilateralismo, no sentido de que "A associação entre o multilateralismo e as OIGs é intensa, pois proveem o espaço social e os recursos necessários para a prática do multilateralismo poder avançar"18. Ou seja, a relação entre OIs e multilateralismo é bastante íntima no quesito de o segundo se fazer cada vez mais necessário devido ao rumo que as relações internacionais vêm tomando, e as OIs possuem a capacidade de potencializar esta postura política, resultando então numa expansão das organizações internacionais:

(...) é possível afirmar-se que no mundo hodierno nenhum Estado é independente. Todos têm entre se pontos de entrelaçamento e devem situar-se em concordância e uniformes se não desejam desaparecer. E chegando, assim, à conclusão de que foi justamente o entrelaçamento de relações entre Estados, seja por força de intercâmbio comercial ou motivos outros de natureza diplomática, que tornou possível a criação destes organismos.19

Desta forma, a adoção de tal postura de política externa é um reflexo direto das transformações que o cenário das RI vem sofrendo, pois entende-se que mesmo as grandes potências não conseguiriam sustentar uma política unilateral, sendo impossível de se ignorar na atual conjuntura o peso econômico, por exemplo, que países como os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) têm na economia mundializada.

Neste contexto, as organizações internacionais funcionam como uma forma de institucionalizar este multilateralismo, e possibilitar que este assuma uma forma mais "concreta" de existência. Isso faz parte do chamado processo de institucionalização que vem gradativamente ocorrendo nas relações internacionais. As OIs exercem um papel extremamente importante neste processo de institucionalização, tal como explanado por Herz abaixo, as OIs agem de maneira com que a institucionalização seja visível:

Sua contribuição para a cooperação entre os Estados-membro envolve a criação de um espaço social e até físico, no qual negociações de curta, média e longa duração podem ser realizadas,

18

HERZ, Mônica. Organizações Internacionais: história e práticas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 19.

19

ARAUJO, Luis Ivani de Amorim. Das organizações internacionais. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002. p. 4.

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21

além de uma máquina administrativa que traduz essas decisões em realidade. A existência de uma burocracia permanente abre a possibilidade de uma reação rápida em momentos de crise, favorece a elaboração de projetos de assistência técnica, ajuda humanitária, cooperação científica, dentre outros. (...) Hoje, o ritual de inserção de um novo país na comunidade internacional tem como foco sua incorporação à ONU.20

A criação de regimes e a adoção do multilateralismo refletem a tentativa de se estabelecer um panorama favorável à cooperação internacional entre os Estados, e dentro desta perspectiva, "as organizações internacionais são a expressão mais visível dos esforços de cooperação internacional de forma articulada e permanente."21 Ou seja, tal como na questão do multilateralismo, as OIs são compreendidas muitas vezes enquanto instrumentos de política internacional facilitadoras deste processo, entretanto, faz-se necessário ter em mente que por mais que hoje (2013) as OIs sejam uma realidade no campo da formulação de políticas entre Estados (por exemplo o FMI e a OMC, tal como dito anteriormente, ditando seus respectivos regimes), elas ainda são vistas com certa relutância por muitos Estados soberanos basicamente por duas questões: para os mais ricos, a ideia de ceder parte de seus poderes à uma OIs caracteriza uma inquietação no plano do cumprimento de seus objetivos, e para os mais pobres, a suspeita com relação às OIs não é mais fraca, por temerem que estas se tornem instrumentos dos Estados mais poderosos. Segundo Sato:

Do ponto de vista da construção da ordem internacional, portanto, uma grande dificuldade reside na relutância dos Estados em ceder parte de sua soberania em favor de instâncias internacionais porque, invariavelmente, essa atitude significa abrir mão, total ou parcialmente, da prerrogativa de transformar em ação política suas visões e percepções acerca do mundo e das coisas. Essa relutância pode ser maior em se tratando das grandes potências porque, ao admitirem uma instância internacional, podem estar abrindo mão da possibilidade de usar diretamente o poder de que dispõem para promover seus interesses. No entanto, isso não quer dizer que os Estados mais fracos também não vejam com desconfiança o surgimento de entidades internacionais poderosas. Seu receio é que essas entidades, em determinadas circunstâncias, venham a ser

20

ARAUJO, Luis Ivani de Amorim. Das organizações internacionais. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002. p. 23.

21

SATO, Eiiti. Conflito e cooperação nas relações internacionais: as organizações

internacionais no século XXI. Revista Brasileira de Política Internacional, Vol. 46, nº 2, 2003.

(22)

22

utilizadas como instrumento de intervenção das grandes potências até mesmo em seus assuntos internos.22

Ou seja, as OIs ainda buscam cotidianamente sua legitimação na presença do sistema internacional, não apenas no sentido de serem aceitas, mas sim de demonstrarem que são capazes de exercerem suas funções plenamente.

A ideia de uma Sociedade Internacional é também de extrema importância para o debate acerca das organizações internacionais. De modo geral, a Sociedade Internacional se caracteriza pela associação diplomática entre Estados - e OIs, e membros da sociedade civil, - para a criação de vínculos que facilitem o alcance de um determinado bem comum, como a paz e a estabilidade, por exemplo. A ideia de uma Sociedade Internacional parte de um pressuposto universalista acerca do mundo, no sentido de que compreende que existem valores comuns a todos/as, como por exemplo, a questão dos direitos humanos. Isso não significa, entretanto, ausência de diversidade, mas sim o entendimento de que existem questões de interesse comum pelas quais é possível realizar uma associação entre os atores:

Em terceiro lugar, uma leitura otimista da presente condição da sociedade internacional enfatizaria os sinais crescentes de convergência normativa e de expansão de consensos sobre crenças fundamentais às quais os grupos politicamente dominantes aderem. (...) Isso, juntamente com a influência integradora e homogeneizadora das forças do mercado, facilita uma maior circulação de valores, conhecimento e ideias, acentuando a capacidade de grupos de opiniões similares de se organizar para além de fronteiras nacionais.23

Por conseguinte, pode-se compreender que desde o século XIX as organizações internacionais vêm sofrendo profundas mudanças internas para conseguirem se adaptar às mudanças vivenciadas no cenário das RI - levando em conta que estas alterações em relações internacionais serão sempre necessárias, pelo fato de não lidar-se com algo que algum dia irá se estagnar, ou seja, as RI estão também em constante mudança. A partir de toda uma gama de conceitos relacionados à questão de estabilizar e auxiliar as relações

22

SATO, Eiiti. Conflito e cooperação nas relações internacionais: as organizações

internacionais no século XXI. Revista Brasileira de Política Internacional, Vol. 46, nº 2, 2003.

p. 164.

23

HURREL, Andrew. Sociedade Internacional e Governança Global. Lua Nova, nº 46, 1999. p. 65-66.

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23

entre Estados, faz-se possível estabelecer a relação destes com as OIs enquanto oportunidade de potencializá-los.

2.2 A TRAJETÓRIA DO CONSELHO DE SEGURANÇA

Tendo em mente a ambientação acerca da relação das organizações internacionais e a contextualização realizada acima, pode-se dizer que a Organização das Nações Unidas é a organização internacional de maior peso e impacto político da atualidade, principalmente pelo fato de ser uma organização bastante plural no sentido de que abarca desde assuntos relacionados aos Direitos Humanos até questões de desenvolvimento econômico e solução de conflitos. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial e da reelaboração da Liga das Nações, a ONU, fundada em 24 de outubro de 1945 em São Francisco, EUA, vem tendo seu papel enquanto ator global mais estratificado e aumentado a cada ano.

Para compreender a história da ONU faz-se necessário antes voltar o olhar para a Liga das Nações. Criada em 28 de junho de 1919 com o Tratado de Versalhes (vindo a instalar-se oficialmente apenas em 10 de janeiro de 1920), o mesmo que impôs à Alemanha todas as punições de guerra que viriam a ser entendidas enquanto uma das importantes causas da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) em Versalhes na França, onde concomitantemente estavam sendo acertados os acordos de paz e demais "legados" da Primeira Guerra (1914-1918). A criação desta organização é um marco que demonstra que as relações internacionais estavam em um período de grandes mudanças, que possibilitaria ascensão das OIs:

O início do século XX é um momento histórico em que a crença na conciliação, mediação ou arbitragem, como formas pacíficas de resolução dos conflitos internacionais, adquire raízes e se institucionaliza. As organizações internacionais viriam a ter, a partir de então, um papel central no desenvolvimento dessas atividades.24

O principal objetivo da sua criação era a manutenção da paz mundial, neste momento alcançada de forma tão delicada e imprecisa, evitando assim um novo conflito bélico mundial. Profundamente influenciada pelos "Quatorze

24

HERZ, Mônica. Organizações Internacionais: história e práticas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 36.

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24

Pontos"25 de Woodrow Wilson, a Liga das Nações estava fadada a enfrentar problemas de legitimidade e atuação desde o início, tal como explanado por Araujo ao analisar o preâmbulo da ata de constituição da Liga:

Não podemos deixar de fazer algumas apreciações em torno do preâmbulo da LIGA. Como poderia o Organismo Internacional "garantir a Paz e a Segurança entre as nações" se na sua instalação já estabelecia diferenciações, dividindo os Estados existentes em duas categorias - os vencedores e os vencidos na última guerra - e não recebendo em seu seio os Estados Unidos e a União Soviética, entre outros?26

Além disso, apesar de o presidente estadunidense à época ter sido um dos principais idealizadores da Liga, os Estados Unidos nunca fizeram parte da mesma pelo fato de a entrada do país na Liga não ter sido aprovada pelo seu Congresso (os Republicanos eram contrários à idealização da Liga das Nações).27

Tendo sua sede em Genebra, na Suíça, em termos de estrutura organizacional, poderia ser considerada relativamente parecida com a ONU28, e era composta pelos seguintes órgãos: a Assembleia, o Conselho e o Secretariado, sendo estes ainda apoiados por demais organizações pertencentes à Liga (Organização de Comunicação e Trânsito, Organização Econômica e Financeira, Comissão Permanente de Mandato, dentre outras). O principal ponto de distanciamento entre as duas organizações é a questão de como se davam os processos decisórios na Liga das Nações. Para algo ser aprovado, tanto no Conselho quanto na Assembleia, era necessário o alcance da unanimidade entre os membros, o que por diversas vezes tornava a tomada de decisões extremamente lentas, chegando até mesmo a inviabilizar estas. Entretanto, conforme coloca Araujo, apesar de a unanimidade ser a primeira

25

Após a Primeira Guerra Mundial, o então presidente estadunidense Woodrow Wilson elaborou o que seriam para ele as quatorze ações a ser seguidas para consolidar a paz mundial e prezar pela igualdade dos países no sistema internacional. O último ponto era justamente a criação de uma organização internacional para regular as relações entre os países.

26

ARAUJO, Luis Ivani de Amorim. Das organizações internacionais. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002. p. 17.

27

Ibidem, p. 16.

28

Inclusive, o Conselho da Liga das Nações já contava com membros permanentes (Estados Unidos - que nunca chegou a assumir o cargo -, França, Grã-Bretanha, Itália e Japão, sendo posteriormente admitidos a Alemanha e a URSS) e outros membros que seriam eleitos para cumprir mandatos de três anos.

(25)

25

regra, ela não era inviolável, podendo-se recorrer a outras medidas de decisão dependendo do contexto:

Deve ser salientado que, por força do art. 5 do Pacto, as decisões, quer da Assembleia, quer do Conselho, deviam ser adotadas por unanimidade dos membros presentes, considerando-os como ausentes os que se abstivessem de votar. Essa regra não era, porém, absoluta. Para admissão de novos membros, para a determinação de regras referentes à eleição de membros não permanentes do Conselho as decisões eram adotadas por dois terços, enquanto as questões de procedimentos resolviam-se por simples maioria. Estas decisões - executadas as de procedimento ou de ordem interna - consistiam em recomendações dirigidas aos Estados-membros.29

Apesar de não ter perdurado, é necessário compreender que a Liga das Nações representou uma mudança muito importante nas relações internacionais. Muito mais do que "apenas" a manutenção da paz, a criação de uma organização internacional deste porte tinha como objetivo reorganizar as relações internacionais em diferentes esferas:

A Liga das Nações foi, até o momento de sua criação, a mais elaborada tentativa de organizar racionalmente as relações internacionais a partir de uma instituição multilateral. Como assinala o historiados Eric Hobsbawm, se a Primeira Guerra Mundial demarca o colapso do século XIX, a ordem internacional europeia chega ao fim, em seu sentido clássico, com a Liga das Nações, uma organização internacional no tabuleiro multilateral, que deveria substituir as dinâmicas de poder tradicionais no tabuleiro geopolítico. Sua criação refletiu um desejo profundo de ruptura com o passado europeu da política internacional.30

Ela representou uma tentativa pioneira de aproximar o "velho do novo"31, colocando (ou no caso dos EUA, tentando) as antigas potências europeias em contato com novos valores liberais emanados principalmente pelos Estados Unidos.

A Liga das Nações foi extinta oficialmente em 1946, pelo motivo de não ter conseguido cumprir seu principal objetivo: impedir a ocorrência de outro conflito armado de escala mundial:

A última sessão da LIGA realizou-se em Genebra, em 18.4.46, com assistência de 34 dos 56 Estados membros. Foi decidido então que ela deixaria à meia-noite de 19.4.46, e que todos os seus bens seriam

29

ARAUJO, Luis Ivani de Amorim. Das organizações internacionais. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002. p. 21.

30

BARACUHY, Braz. A Crise da Liga das Nações de 1926: Realismo Neoclássico,

Multilateralismo e a Natureza da Política Externa Brasileira. Contexto Internacional, Rio de

Janeiro, Vol. 28, nº 2, julho/dezembro, 2006. p.355-356.

31

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26

cedidos à ONU, que surgia visando aos mesmos fins. Se a LIGA não logrou prevenir ou evitar divergências entre os Estados, talvez em virtude do abandono de diversos deles, realizou trabalhos importantes na esfera da política social, humanitária, econômica e laboral. Pelo que foi possível realizar, avançou muito nos ideais sonhados quando de sua criação.32

A decisão de encerramento das atividades da Liga das Nações foi precedida de uma crise, caracterizada por diversos fatores, dentre eles o fato de os Estados Unidos, maior potência em expansão da época não ter entrado na organização, a existência de um grande conflito de interesses entre os países membros e as grandes dificuldades de se atingir os consensos decisivos necessários, além de a própria instabilidade do cenário internacional à época não contribuir para a manutenção da Liga sem a presença de todos os atores influentes daquele contexto, tal como explanado por Herz:

A literatura oferece uma série de explicações para o fracasso da Liga das Nações. A tensão entre o conceito de soberania e a lógica da indivisibilidade da paz, presente no sistema de segurança coletiva, está na base das dificuldades de seu funcionamento. As ameaças à paz localizadas, percebidas como ameaças à paz internacional, deveriam gerar um cálculo custo-benefício que se diferencia claramente daquele pressuposto na lógica do interesse nacional. Por outro lado, o próprio interesse nacional teria de ser redefinido, sendo esse um movimento extremamente difícil, dada a experiência de socialização vivida pelos Estados desde a formação do sistema internacional moderno.33

Sobre as falhas referentes mais especificamente à estrutura, ela colocará:

A ineficácia do sistema é atribuída, ainda, ao processo decisório criado pelo Pacto. Devem ser lembradas: a exigência de unanimidade entre os membros do Conselho e da Assembleia, o caráter das resoluções desses órgãos (sem o estabelecimento de obrigatoriedade), a ausência de referências claras quanto à definição de situações em que o sistema deveria ser acionado e a inexistência de mecanismos que assegurassem a implementação da coerção militar.34

Houve então uma série de transformações para adequá-la ao padrão que fora então julgado como ideal, de modo que a Liga agora se metamorfoseasse na Organização das Nações Unidas. A estrutura física da Liga das Nações em Genebra foi reaproveitada para a ONU (o famoso Palácio das Nações), e alguns de seus órgãos, como a Organização Internacional do

32

ARAUJO, Luis Ivani de Amorim. Das organizações internacionais. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002. p. 24.

33

HERZ, Mônica. Organizações Internacionais: história e práticas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 94-95.

34

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27

Trabalho também foram mantidos dentro da nova organização. Ainda assim a ONU encara diversos problemas principalmente relativos à sua funcionalidade.

A Organização das Nações Unidas foi idealizada de forma a suprir as falhas identificadas na Liga das Nações e fornecer ao mundo uma organização capaz de arcar com o multilateralismo das relações internacionais e auxiliar na construção e manutenção de uma determinada estabilidade internacional. No dia 26 de junho de 194535, representantes de 50 países se reuniram na cidade de São Francisco, nos Estados Unidos, para juntos formularem o que viria a ser a Carta das Nações Unidas36. Oficialmente, a ONU passou a existir a partir do dia 24 de outubro de 194537, e por tratar de assuntos variados - desde sociais, econômicos até resolução de litígios -, está estruturada em seis órgãos que possuem funções distintas: o Conselho de Segurança, a Assembleia Geral, o Conselho Econômico e Social, o Conselho de Tutela, a Corte Internacional de Justiça e, por último, o Secretariado.

Sobre o Conselho de Segurança, este é o principal órgão responsável pelas questões relacionadas à segurança internacional, o que não significa que esta temática não seja abordada pelos demais órgãos. Para efetuar esta regulação da segurança, o Conselho conta com aparatos como negociação diplomática, sanções econômicas, recomendações, formação de operações de paz, forças de atuação prática (os chamados "Capacetes Azuis"), dentre outros. Atualmente, o Conselho se configura da seguinte forma: cinco membros permanentes (Estados Unidos, Reino Unido, Rússia, França e China - que são os que possuem o poder de veto) e outros dez membros rotativos que são eleitos para mandatos de dois anos pela Assembleia Geral.

As questões relacionadas ao Conselho de Segurança demandam uma análise do mundo pós-guerra no qual a ONU foi idealizada. A Guerra Fria impera e com ela a bipolaridade, neste contexto, ocorreu o que se chama de "congelamento" do Conselho de Segurança, o que significa que até o

35

HERZ, Mônica. Organizações Internacionais: história e práticas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 27.

36

Este documento, além de "criar" formalmente as Nações Unidas, contém todas as estipulações de como a ONU atuará, bem como seus objetivos, princípios, normas e obrigações.

37

"History of the United Nations". Disponível em: <

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desmantelamento da URSS em 1991, as decisões do CS estavam travadas por conta de as duas potências hegemônicas deste mundo bipolar - os Estados Unidos e a União Soviética - possuírem o poder de veto. Entre 1945 e 1989, a União Soviética utilizou o seu poder de veto 116 vezes, os Estados Unidos 64 vezes, o Reino Unido 30 vezes, a França 18 vezes e a China apenas 4 vezes38. Ou seja, a verdadeira construção de legitimidade do Conselho de Segurança vem se dando a partir da década de 90.

Esta questão do veto fazer parte do processo decisório dentro do Conselho de Segurança vem gerando grandes polêmicas desde o início da trajetória da ONU:

Surgia, assim, a Organização das Nações Unidas, em vigor desde 24.10.45, que embora se declare "baseada no princípio da igualdade soberana de todos os seus membros" (art.2) é, na verdade, dirigida por uma pentarquia, pelos cinco grandes que dispõem do abusivo direito do veto no seio do Conselho de Segurança e, por consequência, detêm o comando da organização, podendo decidir da paz ou da guerra no mundo.39

Para a total compreensão do por que disto, necessita-se ter claro de que forma as Nações Unidas se organizam como um todo. Esta instituição adota uma postura organizacional extremamente verticalizada, onde todos os processos decisórios culminam no CS, ou seja, nas mãos dos cinco membros permanentes, ao invés de buscar uma horizontalidade que proporcione o mesmo peso nos processos decisórios para todos os países ali envolvidos, auxiliando assim na caracterização do sistema internacional enquanto unido. O veto é algo a ser questionado por conta impotência que ele mesmo gera dentro da ONU em um caso de necessidade de se tomar atitudes frente a uma potência que esteja ameaçando a paz, conforme colocado por Araujo:

Examinando imparcialmente o inciso 3º do artigo 27 da Carta da ONU, chega-se à conclusão que a prática de veto impede que o Conselho de Segurança tome qualquer medida contra uma potência que nele tenha assento permanente, mesmo que esta potência ponha em perigo a paz e a segurança internacionais.40

38

ANDERSSON, Nils. "Les Nations Unies: D'un monde bipolaire à un monde unipolaire". In: Duchatel, Julie; ROCHAT, Florian (org.) ONU - Droits pour tous ou loi du plus fort? Regards

militants sur les Nations Unies. Genève: CETIM, 2005. p. 17.

39

ARAUJO, Luis Ivani de Amorim. Das organizações internacionais. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002. p. 27.

40

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29

Da maneira como se configura, a ONU hoje auxilia a reforçar uma falsa ideia de hierarquia entre os Estados. Isso se dá pelo fato de o Conselho de Segurança ocupar um lugar de poder tal dentro da estrutura da ONU que faz com que as decisões mais emblemáticas fiquem sempre direta ou indiretamente relegadas a ele, como é o caso por exemplo da escolha do Secretário Geral da ONU, que de acordo com a própria Carta das Nações Unidas, no artigo 97, será o principal funcionário administrativo da Organização. Neste mesmo artigo, diz-se que ele será escolhido pela Assembleia Geral mediante recomendação do Conselho de Segurança. Até mesmo as admissões de novos membros podem ser vetadas pelo Conselho de Segurança. Ou seja, acaba-se construindo uma hierarquia de poder centrada nos cinco membros permanentes que coloca toda a organização dependente do poder decisório de apenas cinco países. Em outras palavras, dentro desta configuração, a ONU não poderia se entendida enquanto democrática.41

A hierarquia de poderes criada entre o Conselho de Segurança, a Assembleia Geral e o Secretariado das Nações Unidas existe para assegurar a hegemonia dos "Quatro Grandes" sobre o sistema ONU, transformados em São Francisco nos "Cinco Grandes" com a entrada da França.42

Mesmo a Carta das Nações Unidas, cujos principais objetivos consistiam em deixar claro as responsabilidades que seriam depositadas na organização, demonstrar como ela iria funcionar de forma prática, delimitar os princípios norteadores da ONU - ou pelos menos os que deveriam ser -, apresenta problemas em seu corpo, podendo ser considerada contraditória, por delegar responsabilidades e deveres de maneira desigual entre os países, ao passo que reafirma suas igualdades:

A Carta das Nações Unidas é marcada pelo dualismo entre a afirmação do princípio da "igualdade de direitos entre os homens e as

41

"Assim, podemos afirmar que a ONU não é democrática e sim, apesar de baseada no princípio da soberana igualdade de todos os seus membros, grandes e pequenos, aristocrática, em vista do predomínio das potências com assento permanente no Conselho de Segurança". In: ARAUJO, Luis Ivani de Amorim. Das organizações internacionais. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002. p. 40.

42

No original: "La hiérarchie des pouvoirs entre le Conseil de sécurité, l'Assemblé générale et le Secrétariat des Nations Unies mise en place est là pour assurer l'hégémonie des "Quatre Grands" sur le système onusien, devenus à San Francisco les "cinq Grands" avec l'intégration de la France." In: ANDERSSON, Nils. "Les Nations Unies: D'un monde bipolaire à un monde unipolaire". In: Duchatel, Julie; ROCHAT, Florian (org.) ONU - Droits pour tous ou loi du plus

(30)

30

mulheres, da mesma forma que entre nações grandes e pequenas" e o fato de que atribui às Grandes Potências a "responsabilidade principal da manutenção da paz e da segurança internacionais"43

Ou seja, a maneira como a Carta prevê que o CS irá se organizar já entra em choque com os princípios de universalidade e igualdade entre as nações - independentes de seu tamanho -, de modo que as inconsistências hierárquicas acompanham a ONU desde o seu nascimento.

Por outro lado, é também na Carta que podemos evidenciar uma certa "consciência de si". No Artigo 109 do Capítulo XVIII lê-se o seguinte:

Uma Conferência Geral dos Membros das Nações Unidas, destinada a rever a presente Carta, poderá reunir-se em data e lugar a serem fixados pelo voto de dois terços dos membros da Assembleia Geral e de nove membros quaisquer do Conselho de Segurança. Cada Membro das Nações Unidas terá voto nessa Conferência.44

Uma revisão da Carta das Nações Unidas está diretamente ligada a uma reforma geral de toda a organização; uma vez que, conforme dito anteriormente, é sob este documento que a ONU é regida, e consequentemente, o Conselho de Segurança. É a Carta que prevê os votos, os membros e o próprio veto. Portanto se na mesma existe a lucidez da necessidade de mudanças, perguntemo-nos o porquê de quase sessenta e oito anos desde a sua criação, não foram feitas mudanças maciças na estrutura de poder verticalizada centrada em cinco personagens do Conselho de Segurança do sistema ONU.

2.3 MUDANÇÃS E PROBLEMATIZAÇÕES

Desde 200345 a legitimidade do Conselho de Segurança da ONU vem sendo colocada a duras provas. Primeiro houve uma crise que se instaurou

43

No original: "La Charte des Nations Unies est marquée du dualisme entre l'affirmation du principe de "l'égalite des droits des hommes et des femmes, ainsi que des nations grandes et petites" et le fait d'attribuer aux Grandes Puissances, "la responsabilité principale du maintien de la paix et de la sécurité internationales"".ANDERSSON, Nils. "Les Nations Unies: D'un monde bipolaire à un monde unipolaire". In: Duchatel, Julie; ROCHAT, Florian (org.) ONU -

Droits pour tous ou loi du plus fort? Regards militants sur les Nations Unies. Genève:

CETIM, 2005. p. 16.

44

Carta das Nações Unidas e Estatuto da Corte Internacional de Justiça. Disponível em: <http://unicrio.org.br/img/CartadaONU_VersoInternet.pdf>. Acessado em: 05/08/2013. p. 58.

45

A invasão do Iraque pelos EUA sem a permissão da ONU caracteriza, para muitos estudiosos das RI, um marco na quebra de legitimidade do Conselho de Segurança, como é o caso de Thomas G. Weiss.

(31)

31

após a invasão do Iraque que colocava em pauta qual era a verdadeira função do Conselho - e da própria ONU como um todo -, se quando ela era consultada e fornecia um veredicto, seus próprios membros (não apenas membro; mas membro permanente, com poder de veto, ou seja, com o poder e toda a instituição centralizado em suas mãos) descumpriam e simplesmente ignoravam o mesmo; abrindo espaço para declarações como a seguinte, do então presidente estadunidense George W. Bush:

Por outro lado, o presidente estadunidense George W. Bush declarou em 2002 que ao menos que as Nações Unidas aprovem a invasão do Iraque, a ONU se tornará "petulante" e "uma organização de debates ineficazes.46

Esta postura de descaso dos Estados Unidos frente à ONU mostrou a face oculta que durante algum tempo tentou-se evitar de vir à tona: seria o Conselho de Segurança, esta tentativa de "polícia do mundo" na verdade apenas um mero fantoche nas mãos das grandes potências detentoras dos assentos permanentes?

Desde então, as modificações ocorridas no cenário internacional só intensificaram os debates acerca da funcionalidade da ONU e, principalmente, do Conselho de Segurança. A cada ano, ficava mais evidente o enorme problema estrutural que o CS sofria pelo fato de ainda existir nos moldes de 1945. Ao longo de 67 anos diversas mudanças ocorrem, principalmente no âmbito internacional, que funciona em um ritmo relativamente acelerado. Potências surgem, transformam-se, caem, destroem-se. Em um mundo que está em constante luta para ainda conseguir comportar a existência de grandes potências - necessárias à manutenção da ordem capitalista -, possuir um grupo de cinco "potências" arcaicas ocupando um lugar de acumulação tão grande de poder é no mínimo algo extremamente inconsistente para uma organização que se auto proclama democrática.

Fica cada vez mais difícil de conceber um sistema que não seja interdependente, e isso faz com que os antigamente denominados "países em

46

No original: "D'un autre côté, le président étatsunien George W. Bush déclare en 2002 qu'à moins que les Nations Unies n'approuvent l'invasion de l'Irak, l'ONU deviendrait "impertinente" et "une organisation de débats inefficace". In: ANDERSSON, Nils. "Les Nations Unies: D'un monde bipolaire à un monde unipolaire". In: REED, Roger. "Qu'est-ce que l'ONU et quelles en sont les limites?". In: ROCHAT, Florian (org.) ONU - Droits pour tous ou loi du plus fort?

(32)

32

desenvolvimento", que são hoje os grandes mantenedores econômicos do mundo (como é o caso do Brasil, por exemplo), comecem a lutar pelo direito de ocupar um espaço de maior peso e representatividade no cenário internacional. Isso repercute, obviamente (e principalmente), nas organizações internacionais. Com relação ao Conselho de Segurança, esta situação é ainda mais aguda. Não é de hoje que se clama uma reforma das Nações Unidas, mas nos últimos anos as pressões tem se intensificado justamente pelos fatores elencados acima: crescimento e desenvolvimento de novas potências, sistema internacional cada vez mais interdependente, e demonstrações práticas da situação obsoleta na qual o Conselho de Segurança se encontra.

Diversas propostas de reforma vem sendo formuladas, principalmente pelos países que almejam um assento permanente no Conselho de Segurança. A esmagadora maioria de propostas pautam-se em torno do alargamento do CS, o que ajuda a travar as negociações de mudança porque, além do fato de que os países já detentores de poder não terem intenções verídicas de abdicar do mesmo, demais países que também estão excluídos do CS não apoiam totalmente estes planos de alargamento porque entendem, justamente, que apenas agregar mais países neste ponto concentrado de poder não irá alterar a realidade do que é a ONU hoje para eles e demais tantas nações. Por conta disso, existe um grupo de países chamado Coffee Club:

(...) dois grandes blocos tomaram forma nas Nações Unidas. Aqueles a favor da expansão dos assentos permanentes, conhecidos como o Grupo dos Quatro (G4) composto por Alemanha, Japão, Índia e Brasil; e aqueles que são favoráveis apenas à expansão da categoria não permanente, chamado Coffee Club. Eles são conhecidos como Coffee Club porque estes são remanescentes de um poderoso lobby de oposição à expansão dos membros permanentes no início dos anos 1990. Sob a liderança da Itália, o Coffee Club ressurge desta vez enquanto o movimento Unidos para o Consenso, que clama pela chegada a um consenso antes de que qualquer decisão seja alcançada na figura do Conselho de Segurança.47

47No original: "(...) two major blocks took shape at the United Nations. Those who favor

expansion in permanent category, namely the Group of Four (G4) composed of Germany, Japan, India and Brazil; and those who favor expansion only in non-permanent category, namely the Coffee Club. They are known as the Coffee Club because it is reminiscent of the powerful lobby opposing the expansion of permanent membership in the early 1990s. Under the leadership of Italy, Coffee Club is resurrected this time as the Uniting for Consensus movement and is calling for a consensus before any decision is reached on the form and size of the Security Council". In: ARIYORUK, Ayca. Players and Proposals in the Security Council

(33)

33

Atualmente composto por Itália, Paquistão, Coréia do Sul, Espanha, México, Argentina, Turquia, Canadá e Malta, este grupo de países, entretanto, se opõe ao alargamento do CS por conta de não fazer parte de seus interesses internos que os países como Brasil, Alemanha, Índia e Japão (que são atualmente os estados que mais colocam força em suas tentativas de ganharem um assento permanente no CS) adquiram estes benefícios, além de não julgarem justa a maneira como se daria essa ascensão. Estes países defendem, portanto, que no caso de um alargamento do Conselho de Segurança, seus novos membros deveriam ser eleitos pela Assembleia Geral48.

É de extrema importância que este debate acerca da reforma do Conselho de Segurança saia apenas da ideia de se adicionar mais membros permanentes ao Conselho, procurando um entendimento abrangente de como a forma que o CS opera dentro da ONU faz parte do problema de falta de legitimidade e representatividade do mesmo. Se as Nações Unidas se encontram concentradas estruturalmente nas decisões do CS, as dificuldades que daí emanam são referentes também à maneira como o Conselho opera em diversas instâncias, pois conforme explanado por Nahory e Paul, a questão da reforma vai muito além da troca e adesão de membros:

O debate sobre a expansão de associação (e novos membros permanentes ) atrai a maior parte da atenção, porém a reforma do Conselho envolve muito mais do que as cadeiras ao redor da mesa e quem senta nelas. O Conselho está extremamente mal organizado e depende demasiadamente da gestão dos cinco permanentes (P- 5). Por seu projeto, ele conta com um apoio institucional muito pequeno por parte da Secretaria, colocando fardos impossíveis nas delegações de membros eleitos (...). Incrivelmente , as regras de procedimento do Conselho permanecem "provisórias" depois de quase 60 anos de operação. (...) A maioria das negociações do Conselho ocorre a portas fechadas, (...) longe do exame minucioso e da responsabilização e sem qualquer registro (como minutos), que poderiam ser referenciados por futuros membros. O Conselho passa muitas resoluções , mas nem sempre consegue impô-las, alimentando a ideia da existência de "padrões duplos" em suas ações. Muitas vezes assemelha-se a um cativeiro de grandes poderes políticos, sem grande conexão com as necessidades dos povos do mundo. Os dez membros eleitos do Conselho dizem que se sentem como "turistas" ou passageiros de curto prazo em um trem de

<http://www.globalpolicy.org/component/content/article/200/41204.html>. Acessado em: 20/10/2013.

48

Background on Security Council Reform. Disponível em: <http://www.globalpolicy.org/security-council/security-council-reform/49885.html?itemid=1321>. Acessado em: 10/09/2013.

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