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2 O CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS: HISTÓRICO E

3.3 A TEORIA CRÍTICA

Durante muito tempo, o debate teórico em relações internacionais permaneceu polarizado entre Realistas e Liberais. Entretanto, conforme exposto no segundo capítulo do presente trabalho, ao longo dos anos o ambiente internacional passou por profundas modificações que fizeram com que estes aportes teóricos por vezes demasiado binários se tornassem gradualmente obsoletos para a compreensão integral de diversas questões que permeiam as RIs. É neste contexto que se tem o surgimento da Teoria Crítica, contando com Robert Cox e Andrew Linklater enquanto seus principais representantes nas relações internacionais.

Segundo Nogueira: "(...) podemos dizer que a teoria crítica nas Relações Internacionais nasce no contexto de turbulência característico de um período de transição para uma ordem mundial cada vez mais globalizada."73 Esta nova vertente teórica começa a despontar ainda durante os anos 80, caracterizada pelas suas fortes críticas ao Realismo e principalmente às

71JACKSON, Robert; SORENSEN, George. Introdução às relações internacionais: teorias

e abordagens. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. p. 170.

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Idem.

73 NOGUEIRA, João Pontes; MESSARI, Nizar. Teoria das Relações Internacionais:

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tentativas de se efetuar uma análise de cunho positivista74 das relações internacionais. A teoria Crítica receberá uma série de influências do marxismo, preocupando-se com a reapropriação de conceitos e ideias cunhados por Karl Marx e demais teóricos desta corrente de modo a contribuírem para o entendimento do mundo a partir de uma postura crítica. Algumas das principais características da teoria Crítica a se levar em consideração neste trabalho seriam a ideia de ser impossível alcançar determinada neutralidade por parte do teórico ou analista quando da realização de seus estudos75, e da necessidade de vinculação das teorias aos seus contextos, que dará sequência a reflexões acerca da própria teoria e auxiliando na desconstrução de questões naturalizadas por demais vertentes, como por exemplo, a presença estatal:

Não há teoria propriamente dita dissociada de um contexto histórico concreto. A teoria é a maneira como a mente funciona para compreender a realidade confrontada. É a autoconsciência da mente, a consciência de como a experiência dos fatos é percebida e organizada para ser compreendida. Além disso, a teoria também precede a construção da realidade no sentido de que ela orienta a mente daqueles que, por meio de suas ações, reproduzem ou transformam a realidade76.

Desse modo, a partir da teoria Crítica tem-se o entendimento de que nenhuma teoria é completa e autossuficiente para explicar o mundo, partindo do pressuposto de que cada teoria está atrelada a um determinado contexto e à uma necessidade específica, de modo que a tentativa de se aplicar métodos positivistas para a análise das ciências humanas e sociais, dentro da qual se encontra a área de Relações Internacionais, é um ato falho; por conseguinte, entende-se enquanto necessário exercitar uma troca entre as teorias.

Pelo fato de estes/as teóricos/as críticos se aterem com tanta minúcia à questão da demonstração de como o conhecimento teórico é

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"A Teoria Crítica é uma das mais importantes, senão a mais importante, contribuição alternativa surgida desde então, apresentando uma crítica contundente à concepção realista das relações internacionais como política de poder e questionando a pretensão científica das teorias internacionais, em particular seu compromisso com o positivismo". In: NOGUEIRA, João Pontes; MESSARI, Nizar. Teoria das Relações Internacionais: correntes e debates. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p. 132.

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Sendo o objeto de análise a sociedade, e o teórico por sua vez ser parte integral desta sociedade, a teoria Crítica entende enquanto impossível a desvinculação entre "objeto de estudo" e "analista",e isto deve sempre ser levado em conta quando dos estudos relacionados às ciências sociais. Ibidem, p. 256.

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SILVA, Marco Antonio de Meneses. A Teoria Crítica em Relações Internacionais. Contexto Internacional, Vol. 27, nº 2, Rio de Janeiro, julho/dezembro 2005, p. 255-256.

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produzido dentro de um propósito pré-estabelecido, entende-se que para eles o conhecimento e a formulação de teorias em relações internacionais são necessariamente políticas, e não apenas sobre política77. Dessa forma, fica clara a existência de uma relação entre conhecimento e poder para este grupo, e justamente pelo fato de entenderem enquanto inexistente uma postulação absolutamente natural acerca do mundo social, não se encontra nesta teoria uma postulação concreta acerca da caracterização de o que seria o poder (aqui eles/as se aproximam levemente dos pós-modernistas, como por exemplo, Michel Foucault, em sua relação com o poder, ou melhor, com as relações de poder); algo que nas teorias tidas enquanto tradicionais das RIs é tão "facilmente" classificável e caracterizável. A compreensão das relações de poder enquanto extremamente complexas e construídas faz com que estas relações se encontrem no cerne do debate da teoria Crítica:

No entanto, a ordem que nos foi "dada" não é de forma alguma natural, necessária ou historicamente invariável. A teoria crítica internacional possui a configuração global das relações de poder enquanto seu objeto de estudo e pergunta-se como esta configuração surgiu, qual custo ela traz consigo e que possibilidades alternativas permanecem imanentes na história. (...) Implicitamente, portanto, a teoria Crítica enquanto uma crítica de desnaturalização funciona enquanto um "instrumento para a deslegitimação dos poderes e privilégios estabelecidos."78

Um diferencial da teoria Crítica é o de que estes/as teóricos/as não acreditam na imutabilidade das questões e em verdades universais absolutas, ou seja, diferentemente dos/as neorrealistas, por exemplo, esta teoria tem o sistema internacional enquanto passível de mudanças, não acreditando em uma dada "natureza humana", entendendo que as relações sociais são construídas historicamente:

De acordo com os teóricos críticos, não existe uma política mundial ou uma economia global operando segundo leis sociais imutáveis. Para eles, o mundo social é uma construção de tempo e espaço e,

77 DEVETAK, Richard. Critical Theory. In: Theories of international relations / Scott

Burchill...[et al.] - 3rd ed. New York: Palgrave Macmillan, 2005. p. 141

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No original: Nevertheless, the order which has been 'given' to us is by no means natural, necessary or historically invariable. Critical international theory takes the global configuration of power relations as its object and asks how that configuration came about, what costs it brings with it and what alternative possibilities remain immanent in history. (...) Implicitly therefore critical theory qua denaturalizing critique serves 'as an instrument for the delegitimisation of established power and privilege'. In: DEVETAK, Richard. Critical Theory. In: Theories of

international relations / Scott Burchill...[et al.] - 3rd ed. New York: Palgrave Macmillan, 2005.

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nesse sentido, o sistema internacional é uma construção específica dos Estados mais poderosos. Tudo o que é social, inclusive as relações internacionais, é variável e por isso histórico.79

O problema da naturalização das questões sociais resulta em um contexto conformista onde a mudança não é vista enquanto algo verdadeiramente alcançável, propagandeando certa ideia de necessidade de aceitação da realidade, agindo contra pulsões por mudanças:

À medida que encaramos aquilo que é produzido socialmente como algo natural, passamos a excluir uma gama enorme de possibilidades de transformação das situações de cominação, exploração e opressão do horizonte da política.80

Dessa forma, ao invés de tentar efetuar uma caracterização única do poder, a teoria Crítica se coloca a analisar as relações de poder construídas no âmbito internacional de modo a combater a ordem social vigente que, para estes/as teóricos/as, é caracterizado por ser excludente (em outras palavras, o poder será multifacetado). É aqui que se encontra a parte crítica, quando há uma tentativa de combate a uma dada ordem existente, no caso, a capitalista, em prol da não marginalização de sujeitos, já que ela "procura identificar as possibilidades de mudança na realidade observada, analisando tensões e contradições que questionem o equilíbrio de uma certa ordem social"81.

Acerca da presença de potências, dentro da teoria Crítica faz-se talvez mais importante o debate acerca da própria questão da existência de Estados. Diferentemente das teorias ditas tradicionais, a linha Crítica não entende o sistema de estados enquanto condição natural do sistema internacional:

A Teoria Crítica nega que a realidade social seja imutável e afirma que Estados e sistemas de Estados não são governados pela natureza, mas sim resultado da ação humana e em constante mudança.82

E ainda:

Ao contrário do que afirmam os relatos convencionais, o Estado, tal como o conhecemos hoje, não é resultado de um processo natural de organização das comunidades nacionais para se defender de um

79JACKSON, Robert; SORENSEN, George. Introdução às relações internacionais: teorias

e abordagens. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. p. 334.

80

NOGUEIRA, João Pontes; MESSARI, Nizar. Teoria das Relações Internacionais:

correntes e debates. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p. 135-136.

81

Ibidem, p. 137.

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ambiente perigoso como a anarquia. Ele é uma construção social e histórica que deriva de conflitos e ideias sobre como deve ser estruturada a política entre grupos humanos diferentes.83

A partir deste debate sobre a questão do estadocentrismo, faz-se uma ponte para o entendimento do papel a ser exercido pelas Organizações Internacionais para a teoria Crítica. Tendo em mente que já há uma refutação dentro desta linha à ideia de que os Estados são os únicos atores relevantes para as relações internacionais84, as OIs são vistas enquanto uma importante possibilidade de servirem enquanto voz para toda uma parcela de sujeitos oprimidos e excluídos da sociedade. Diferentemente da maioria das teorias, a teoria Crítica não entende o respeito absoluto à soberania estatal enquanto algo positivo, uma vez que:

O direito internacional e os princípios que regem as relações diplomáticas entre países ainda se baseiam nos princípios da soberania territorial, da não-intervenção e da autodeterminação. Nesse sentido, o interesse das comunidades nacionais, representadas pelo Estado e seus funcionários, sempre tem precedência sobre os interesses de minorias, estrangeiros, populações perseguidas ou prejudicadas fora das fronteiras do país.85

Ou seja, os/as teóricos/as críticos/as defendem a necessidade da existência de aparatos democráticos de poder a nível internacional - organizações internacionais - de forma que estes possam prestar apoio efetivo aos indivíduos em necessidades.

A busca por um modelo menos centrado nos interesses internos dos Estados e na busca de suas assegurações de soberanias absolutas reflete o anseio da teoria Crítica pela existência de uma organização internacional forte o suficiente que supere estas questões primeiras dos Estados enquanto que merecedores do título de atores de maior relevância das relações internacionais. Pelo fato de esta vertente julgar possível a mudança na "natureza" dos Estados, os/as teóricos/as críticos/as acreditam na ideia da associação pacífica entre os Estados em uma sociedade internacional que busca a paz, sendo isso possível através da adesão destes em prol do bem

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NOGUEIRA, João Pontes; MESSARI, Nizar. Teoria das Relações Internacionais:

correntes e debates. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p. 151.

84

"O alvo principal da teoria crítica é o neo-realismo. Seu maios problema é, provavelmente, sua concepção de Estado e seu caráter de único ator relevante das relações internacionais." In: Ibidem, p.149-150.

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comum em uma estrutura de segurança coletiva que proporcione a todos/as os/as membros/as a oportunidade de engajamento em um debate horizontal acerca da segurança internacional.

4 LIMITES E CONTRIBUIÇÕES ACERCA DO IMPASSE

Após a realização da ambientação com as três teorias escolhidas, bem como o levantamento da leitura que cada uma delas exerce acerca da temática das organizações internacionais, parte-se agora para a análise propriamente dita das contribuições que cada uma delas pode proporcionar para o entendimento das possibilidades de reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Além das possibilidades, os limites encontrados em cada teoria para a compreensão do impasse da reforma também serão evidenciados, de maneira a auxiliar na expansão da análise multi-teórica. Evidenciaremos neste capítulo de que forma as análises a partir de teorias distintas combinadas pode nos auxiliar na construção de um entendimento mais amplo acerca da questão do Conselho de Segurança.

4.1 OS NEORREALISTAS E AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

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