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3 FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE

3.5 SEQUÊNCIA 05 – A MUDANÇA ENTRANDO PELA PORTA DA FRENTE

3.5.3 A mudança é rizomática

Feuerwerker (2004) assinala que nenhuma organização adota uma proposta de transformação se não identifica na situação vigente, desconfortos, incômodos, seja com os métodos, conteúdos, fins e propósitos. Assim, no Curso de Medicina, observam-se alguns incômodos expressos nas discussões sobre o currículo, reforçados com a criação de um núcleo de professores que, a partir de inserções em espaços para além da FESO, problematizavam as práticas médicas, possibilitando ampliar o grau de transversalidade da escola.

Já na década de 1990, a questão do currículo como expressão de um novo paradigma de ensino médico vinha sendo foco de encontros e seminários na escola. O impacto dessas discussões até meados dos anos 1990 era pequeno, visto que se localizavam mais no âmbito do diagnóstico do que na efetiva intervenção. O curso tinha formalizado e estabelecido com carga

horária um Núcleo de Educação Médica composto por três professores e três estudantes; tinha participação regular nas discussões da Abem, e muitos dos planejamentos e ações iam sendo inspirados na troca de experiências e conceitos teóricos ensejados pelos encontros da Comissão Interinstitucional Nacional de Educação Médica (Cinaem). A escola tinha representação no Conselho Municipal de Saúde de Teresópolis e mantinha relação com a Secretaria Municipal (CRISTEL; SOUZA, 2008, p. 63).

No Curso de Enfermagem, professores com trânsito e militância em movimentos produzidos pela ABEn, como os Seminários Nacionais de Diretrizes para a Educação em Enfermagem, também assinalavam o desconforto com a prática do ensino e questionamentos sobre como esta prática conjugava-se com o cuidado em saúde.

Albuquerque et al. (2007) destacam que desde 1999 vinham-se discutindo as necessidades de mudança curricular no curso, uma vez que a estrutura curricular baseada em disciplinas, com fragmentação de conteúdos e assim de conhecimentos, favoreciam um ensino centrado na doença e em modelos idealizados. No mesmo trabalho, os professores da Enfermagem, implicados nesse processo, abordam a necessidade de mudança curricular:

[...] apesar de abordar os determinantes biológicos e sociais da doença, estes são discutidos separadamente, com ênfase no modelo biomédico, sem destacar adequadamente os aspectos relativos à normalidade em nível individual e coletivo. As disciplinas que retratam a identidade profissional estão alocadas em períodos avançados, o que distancia o conhecimento básico da sua aplicabilidade no exercício profissional, impossibilitando o estudante de acompanhar a sequência dos cuidados com maior desenvoltura e segurança. Os ciclos básico e profissional são completamente separados, com disciplinas fragmentadas e estanques. A distribuição das disciplinas não segue a lógica do crescimento em complexidade de conhecimentos, nem estão agrupadas nos períodos por correlação de conteúdos [...] o ensino é centrado no professor, sendo os métodos de ensino mais empregados: aula expositiva para grandes grupos de estudantes, práticas em laboratórios, estágio e trabalho em grupo (Albuquerque et al., 2007, p. 201).

Outro incomodo era gerado também com o processo de avaliação externa realizada pelo MEC, uma vez que o desempenho dos cursos de Medicina e de Enfermagem não correspondiam às expectativas frente às essas avaliações. Segundo Cristel e Souza (2008) esta situação de desconforto era vivida por todos aqueles envolvidos com o processo de ensino-aprendizagem, assim como havia também a preocupação com a formação dos egressos, uma vez que a instrumentalização para o aprender, a ética, e a consciência de seu papel frente à

realidade de saúde do país, passavam a ser pautas rotineiras nas diversas reuniões na área do ensino da saúde.

Se em parte, estas preocupações forma colocadas em pauta a partir da mudança, é porque o ensino tradicional, bancário, com trocas que se favorecem a partir de um sujeito que tudo sabe e, outro, que tudo deve aprender, não cabem mais em um mundo em que a produção do conhecimento, ao assumir tamanha velocidade, encerra qualquer tentativa de colocar a aprendizagem na soma de conteúdos apreendidos. Dessa forma, o que nos empenhamos nas discussões com os nossos estudantes, é o de instrumentalizá-los para o exercício do aprender a aprender (FEUERWERKER, 2004).

Estas considerações acerca de como se estabeleceram as bases para as mudanças curriculares, isto é, em que chão foram tomando consistência, entendendo que havia diversos planos que favoreciam a sua implantação, podem ser vistas como as pistas que foram seguidas pela organização para que tamanha transformação fosse efetuada.

Como campo de possibilidades, é impossível descrer os acontecimentos na totalidade, pois estes fazem-se antes da própria implantação dos Programas interministeriais que efetivariam as discussões, diagnósticos e propostas em ações concretas de transformações curriculares.

Assim, a mudança ocorre num cenário de uma FESO que também passava por transformações, uma vez que ao assumi-la, a organização de ensino define também uma estrutura organizacional que a suporte e um processo de trabalho que a capilarize.

Ao eleger o Centro de Ciências Biomédicas (hoje, Centro de Ciências da Saúde,) como tal, e, nele, vincular os professores com seu acumulado de experiências nas unidades sob cogestão do PSF; na criação da Beira Linha; na constituição do Polo de Capacitação; e nas militâncias diversas em Fóruns externos como as ABEn /Abem ou no Conselho Municipal de Saúde de Teresópolis, propiciou que a mudança, ao entrar pela porta da frente (FEUERWERKER, 2002), torne-se porosa, rizomática. Como efeito, um coletivo de professores que não se situavam tão à frente do processo, era também contagiado por tal movimento.

Outra situação era que não adiantaria somente contagiar os professores, sem ter na centralidade das discussões dos diversos fóruns internos, os estudantes. Embora inicialmente, como assinalam Cristel e Souza (2008), uma pequena

participação dos estudantes ocorria, num processo mais lento e de difícil contágio do que se tinha imaginado. Assim, as atividades como oficinas de sensibilização e de discussão das propostas de mudança, em geral, ocorriam aos sábados. Mesmo gerando protestos, essas atividades eram vistas como a única possibilidade de se conciliar o encontro e participação de todos os envolvidos, incluindo os estudantes.

A presença dos estudantes no curso das discussões sobre as mudanças curriculares se efetivou nas diversas formas de colegiado e de forma mais efetiva se deu também por dentro dos cursos, em pequenos fóruns criados ao longo do tempo, nos espaços informais dos corredores, cantinas, nos demais espaços de lazer da organização.

Se a mudança curricular depende de uma educação maior para se tornar concreta, com grandes colóquios, fóruns, reuniões de direções e centros, com portarias e regimentos, ela se faz também nas pequenas falas antes das aulas, nos cochichos da sala dos professores, nas falas menos sonoras. Nelas, os sussurros vão gestando também aquilo que as portarias e regimentos, por vezes, não têm força para sozinhos tecerem.

3.5.4 Os problemas de solo que surgem com a implantação da