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Os problemas de solo que surgem com a implantação da mudança

3 FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE

3.5 SEQUÊNCIA 05 – A MUDANÇA ENTRANDO PELA PORTA DA FRENTE

3.5.4 Os problemas de solo que surgem com a implantação da mudança

Feuerwerker (2002) assinala três problemas, que os chama de clássicos, num processo de implantação de mudanças no ensino, contextualizando as experiências na escola médica. Neste trabalho, contextualizarei as experiências do Curso de Enfermagem da FESO/UNIFESO. O primeiro problema seria o da mudança ter “proprietários”, pois reduzi-la a um coletivo que as desejaria e por ela lutava, encerraria a possibilidade delas (mudanças) ganharem corpo, saindo do papel para a realidade. O segundo problema seria uma mudança que fosse gestada e não ganhasse os grupos que efetivamente estivessem no poder, já que para ser efetiva teria que ser assumida pela organização. E o terceiro problema seria a capacidade da organização ganhar “massa crítica” e do grau de governabilidade dos sujeitos, para que ela se tornasse viável na prática.

Entendo que os três problemas parecem ter sido tocados no caso da FESO, sendo o terceiro, expressão dos enfrentamentos dos dois outros problemas. Claro

que o acumulado de experiências de sujeitos envolvidos em ações que, se não demandavam mudanças na formação em saúde, pediam por um ensino mais focado nos problemas que atravessavam as práticas de atenção à saúde, viria também concorrer para uma “massa crítica” que pudesse favorecer os ventos da mudança.

Vou me deter um pouco mais no primeiro problema apontado, da mudança ter “proprietários”, ressaltando a “tentação irresistível de trabalhar quase

exclusivamente com as pessoas que já estavam ganhas para a ideia de mudar”

(FEUERWERKER, 2002, p. 43). A tentação irresistível viria no momento da implantação das mudanças, e o perigo era de que o desejo de mudança ao ficar circunscrito a alguns grupos, inviabilizasse a proposta dela ser tomada pelos diversos coletivos que compõem os cursos, que compõem a organização de ensino.

No caso da FESO, houve sim este desconforto. O fato se deve a querer trabalhar com um coletivo que conhece e deseja transformar o ensino, superando as dificuldades que, forçosamente, tiveram que ser tocadas, quando das lutas de docentes por seus espaços nas disciplinas, no receio de perda das cargas horárias já contratadas, algumas, por longos anos no modelo anterior ainda departamental, e com elas as perdas de status e financeiras. Tudo isto aconteceu de fato no Curso de Enfermagem e, fortemente, na Medicina, dado ser esse o curso que confundia-se com a própria história da FESO.

No caso da FESO, entretanto, esta tentação irresistível foi enfrentada e, de certo modo, superada pelo desenrolar da implantação das mudanças e pelos anos seguintes que se seguiram, com o difícil processo de sustentá-la. Uma mudança mais do que ter práticas que a implantem, deve também ter outras tão potentes, que lhes dê sustentação, pois a cada momento vejo e sinto os abalos que se dão no sensível movimento, permanente, de mudar a formação.

A capilarização da mudança curricular, foi tomando a FESO e ganhou visibilidade, inclusive, em cursos de graduação não inseridos no Pró-saúde, na medida em que, esses cursos afetados pelas práticas oriundas das transformações curriculares adotaram algumas de suas tecnologias. Dentre elas podemos destacar: a criação dos núcleos integrados de atividades, assumidos também nos cursos de biologia e matemática; o portfólio do estudante, que foi colocado em prática também pelo curso de pedagogia; a incorporação da Educação Permanente como ferramenta, que figura como estratégia das políticas de ensino no plano de metas da

organização; e a adoção de metodologias ativas no processo de ensino aprendizagem no Colégio de Educação Básica e de Ensino Médio da própria FESO. Retornando ao problema, que iniciou esta breve contextualização acerca da mudança possuir proprietários, constata-se nos inúmeros discursos, nas falas de abertura de eventos, nas reuniões, nas assembleias, onde eram frequentes os agradecimentos realizados pela direção central da FESO e também do UNIFESO àqueles que de certa forma iniciaram o processo de mudança. Se este endereçamento a um grupo parecia, por vezes, conferir a assinatura de tal processo, por outras, parecia encerrar nos agradecimentos, um tempo que deveria ser superado com a incorporação de outros sujeitos à frente do processo de mudança.

É de entendimento neste trabalho, a partir de uma leitura de Foucault, que os discursos implicam em uma leitura que busca ouvir o que o autor havia “assinado”, isto é, para Foucault ler é conferir, observar um “relevo” dado aquilo que passou bem ligeiro aos nossos ouvidos, quase “em passant”. Assim, na lógica dos discursos foucaultianos, lê-los é nos lançar numa análise que envolve vários procedimentos de regulação, controle, seleção (organizativa e distributiva) daquilo que pode e ou não ser dito (GALLO, 2008).

O que problematizo aqui é que ao localizarem especificamente em alguns sujeitos a implantação de tal transformação curricular, ou mesmo, a outros, o processo de sustentá-las – já que diversas foram as transformações ocorridas na gestão central da FESO/UNIFESO e dos cursos em mudança - fincariam ali as bandeiras da propriedade, como diz Deleuze e Guattari (1997). Loteando a mudança a um pedaço do território, retira-se dela a sua característica rizomática, de conexões múltiplas, de contágio.

Se o território da formação é chão, morada, para estudantes e nós, docentes, empenhados em sustentar as mudanças -porque nelas acreditam, fazem parte, é porque na mistura desses cheiros, sons e imagens, realizados pelos encontros nesse território, não se pode, com precisão, definir quais foram aqueles que a iniciaram e quais outros têm a eminente função de sustentá-las.

4

OS

PROGRAMAS

DE

INCENTIVO

ÀS

MUDANÇAS