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CAPÍTULO V O IMPACTO DA PARTICIPAÇÃO NA APPS NA VIDA E NO

5.5. Reivindicações, conquistas, mudanças

5.5.4 Mudanças na vida

As mulheres assinalaram mudanças de muita repercussão em suas vidas Algumas mudanças já foram indicadas também como conquistas. Elas disseram que passaram a ter um melhor relacionamento com a família e com os filhos porque encontraram coragem de assumir a condição de prostituta. Assim revelam as palavras de Tieta:

“ Mudou muita coisa porque, antes, eu participava da associação; hoje eu tenho um vínculo muito forte com a minha

família, com meus filhos. Antes, eu sempre trabalhava em restaurante, em lanchonete, churrascaria, e os meninos eram menores e queriam participar, queriam ir lá na lanchonete, e eu não podia porque eu não trabalhava na lanchonete, eu ia mesmo era me prostituir. Eu não tinha coragem de dizer pra eles, através da associação, quando eu entrei na associação, acho que uns dois meses depois. Sentei os dois na minha frente e contei tudo. Eu sou prostituta, e até hoje é daí que o dinheiro vem, e daí que o tênnis vem, e daí que o médico, da medicação e alimentação vêm. E eles entenderam.” (Tieta, prostituta – 2005)

Tieta falou que isso significou uma relação mais aberta com os filhos, sem mentiras, porque antes vivia mentindo para eles e não se sentia bem com isso.

Tereza conta que mudou totalmente a sua vida, principalmente no que se refere à elevação de sua auto-estima, por antes não entrava em restaurantes ou bares finos, de classe média, porque não conseguia olhar nos olhos das pessoas. Como se todos que estivessem ali soubessem de sua atividade.

“Mudou tudo, tudo, totalmente da água pro vinho. Como eu falei pra você eu não tinha segurança, eu não olhava as pessoas na cara, eu achava que prostituta era mal, era mal amada, e as pessoas, a sociedade faz a gente pensar isso mesmo. A estima fica lá em baixo. Pra você ter uma idéia não faz nem quinza dias que eu almocei no Hotel Leite e fiz questão de sair da praça. Hotel Leite pra quem não sabe, é um hotel de classe rica, rica mesmo, classe alta, é aqui no centro da cidade dentro da área de prostituição, e lá a gente não podia nem ficar em cima da calçada, principalmente por ser negra, que lá, há vinte anos atrás, expulsava negro, não queria negro nem pra trabalhar e tinha uma placa lá: aqui não entra nem negro nem cachorro. Foi um comentário que eu vi dizer. Mas aí eu almocei lá e me senti minha auto-estima lá em cima, é isso.” (Tereza, prostituta – 2005)

Saliento que esse é um tipo de preconceito que muitas prostitutas ainda hoje sofrem. As mulheres vinculadas à APPS já conhecem mecanismos de defesas. Algumas chegam a mencionar sobre direitos que passam a conhecer apenas depois que entraram na associação. Referem-se, principalmente, ao direito de ir e vir nas ruas sem serem molestadas nem pela polícia e nem pelos outros cidadãos. Assim, diz Leonora:

“Eu acredito que mudou. Porque é como eu disse a você. Eu não conhecia dos direitos das prostitutas. E depois que eu vim pra associação eu fiquei sabendo de muitas coisas não é? Várias coisas. Pelos direitos que a gente tem, tem que ser respeitada.” (Leonora, prostituta – 2005)

Confiar em si própria, afastar a timidez, ter voz, poder expressar suas idéias e seus direitos também aparecem na fala de Veneranda:

“Eu fiquei mais empoderada da profissão que eu escolhi. Quem me botar pra trás eu levanto mais a voz e digo: não é assim não prostituta tem direito. Fiquei mais empoderada pra falar, porque antes eu era toda na minha. Eu achava que era errada, mas não agora eu tô sabendo das verdade toda. E eu boto pra fora mesmo.” (Veneranda, prostituta – 2005)

Esse depoimento diz respeito principalmente a mudanças positivas trazidas para a atividade que realizam. Conhecendo seus direitos, podem defender o direito de exercer a sua atividade, sabendo dos limites impostos pela prática.

Falam também no acesso a políticas e recursos como um direito. Assim como a criança, o adolescente, o idoso, o negro, elas consideram-se um grupo historicamente estigmatizado, necessitando de tratamento e olhar especial das políticas públicas. Não querem ser diferentes, mas sim poder inserir-se na população beneficiária das políticas governamentais. Em contrapartida, relatam também sobre os seus deveres enquanto mulheres cidadãs.

Concordo com Rosineide Cordeiro (2004;143) ao apontar que, no Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais, os direitos, aos quais as mulheres fazem alusão quando falam nas conquistas e mudanças em suas vidas e no trabalho, podem ser analisado do ponto de vista do debate sobre a cidadania e do exercício de direitos civis, políticos e sociais como também das discussões sobre os direitos humanos. Sobre esses direitos, aos quais as prostitutas se referem, Vera Baroni informa:

“Pela liberdade individual. Pelo direito a utilizar o seu corpo. Inclusive eu sou feminista, tenho um papel dentro do Movimento Feminista, estou na Coordenação do Fórum de Mulheres daqui e nós não temos unanimidade sobre essa questão. Porque algumas de nós entende que elas têm toda

liberdade de usar seu corpo e de prestar seu serviço da maneira que elas acharem que deve ser. Outras não. Acham que é um momento de muita exploração ao corpo da mulher e que o Movimento Feminista deve fazer o combate direto.”

Vera Baroni informa que elas lutam, sobretudo pelo direito de usar o seu corpo, porque existem divergências de idéias com outros movimentos como é o caso de parte do Movimento feminista que não aceita o fato de a mulher vender seu corpo, sob a alegação, em principio, de que seria o máximo de degradação da mulher. Apesar disso, Vera Baroni - representante do Fórum de Mulheres de Pernambuco - afirmar que ainda não se sentaram para debater sobre o tema aqui em Pernambuco.

Com relação às mudanças no trabalho, mencionam na só o respeito na relação dos clientes com elas, pois, agora eles desejam saber sobre a função da associação e outras informações, como também o fortalecimento no processo de negociação com o cliente. Elas dizem que boa parte agora define bem a negociação antes da prática. Penso que é para evitar conflitos posteriores e problemas com a polícia.

Falam no respeito com o cliente na hora da prática sexual, do respeito com a polícia e com a sociedade. Esperam também da polícia um tratamento humanizado com as prostitutas, facilitando a relação estabelecida na rua. Afirmam, no que diz respeito à abordagem com essas mulheres, que a Polícia Civil melhorou muito, mas ainda precisa construir um longo trabalho através de sensibilizações com a Polícia Militar.

A Associação de Prostitutas luta pelos seu interesse também como todo coletivo organizado, apresentam disposição de luta para deixar de ser um grupo subordinado para ter a capacidade de negociar políticas. Por isso, elas propõem políticas alternativas para o segmento em torno dos direitos humanos e sociais. 29

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