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CAPÍTULO II A LUTA DAS PROSTITUTAS EM ÂMBITO INTERNACIONAL

2.5 Prostitutas e a questão da AIDS

De uma forma geral, não posso deixar de registrar algumas características da organização e a mobilização social das prostitutas frente aos desafios impostos pela epidemia que, no Brasil, data de 1985, com o surgimento da primeira organização não-governamental centrada no objetivo de efetivar ações de prevenção às DST/Aids e de combater a discriminação e o preconceito. A partir daquele ano, inúmeras outras instituições foram criadas atendendo ao mesmo objetivo.

Nesse processo, duas mobilizações ganharam projeção nacional: o movimento de gays e a mobilização das profissionais do sexo. No início da epidemia, esses dois grupos sofreram o estigma de toda sorte de discriminação, sendo- lhes atribuída inicialmente a culpabilidade pela existência e/ou disseminação da AIDS. A grande parte das instituições voltadas para a prevenção da AIDS

direcionaram suas ações para esses dois segmentos, conscientizando seus integrantes sobre as responsabilidades e deveres enquanto cidadãos.

Prostitutas em todo o mundo são vítimas de perseguições, abusos, discriminações e preconceitos graves relacionados com a questão da AIDS. Em contrapartida, organizações de prostitutas de diversas localidades têm conseguido reagir a muitas das atitudes arbitrárias, procurando de várias maneiras manter um certo controle da situação. Além das ações desse coletivo, lutando para preservar sua autonomia, entidades governamentais e não-governamentais também tiveram que reavaliar suas políticas e controle da doença. Diante da questão tão grave, hoje há uma tendência internacional para que se considere aqueles grupos, antes vistos predominantemente como “contaminadores”, como colaboradores no combate à doença.

Aparecida Fonseca Moraes (1995; p. 237) dá um exemplo sobre o assunto da Aids na Vila Mimosa no Rio de Janeiro. Ela diz que a reação imediata da Associação de prostitutas frente às investidas indiscriminadas sustentou a compreensão de que o assunto AIDS só seria trabalhado quando estivesse vinculado à idéia de que as prostitutas são, potencialmente, os agentes de controle e de informação. Pouco a pouco os contatos da Associação com entidades governamentais e não- governamentais acerca dessa questão foram se alargando. E assim aconteceu também nas Associações de prostitutas de outras localizadas no Brasil. Em contrapartida, as entidades apresentavam sempre interesse muito grande pelo desenvolvimento de campanhas nos locais onde havia prostituição. Isso vem sendo feito até hoje. Segundo a autora, um levantamento realizado na Vila Mimosa pela Associação de Prostitutas, em parceria com uma ONG, o Instituto de Inovações em Saúde Social, em 1992, revelou que 84% das mulheres admitiam que “só transam com camisinha”.

Aparecida Fonseca Moraes (1995; p.237) assinala que no início houve muita dificuldade para as prostitutas implantarem o trabalho da prevenção da Aids. Não só porque o uso da camisinha envolve preconceitos entre os fregueses, mas porque, também entre as mulheres, a compreensão de que poderiam se

tornar agentes de informação e de controle era algo que só seria conquistado lentamente. Hoje revela-se um discurso bem incorporado por elas.

As prostitutas brasileiras são ativistas na luta contra AIDS, participando de encontros relacionados ao tema em parceria com as Organizações de luta contra a AIDS. Na pauta, está a reivindicação para mudança nas políticas conservadoras de combate a AIDS. As prostitutas pensam que não só elas e os gays, mas toda a população brasileira precisa se prevenir.

Na Associação Pernambucana de Profissionais do Sexo por exemplo, ouvi muitas assumirem posturas de responsabilidade com relação à informação do freguês e controle da doença, dizendo que só transavam com camisinha. Mas ainda assim, fiquei preocupada porque ouvi de outras entrevistadas que só transariam sem camisinha se a oferta fosse bastante alta. Assim, penso que é importante permanecer discutindo sobre as políticas de saúde entre as mulheres prostitutas, em razão de conseguir cada vez mais atingir o maior número de mulheres.

Margareth Rago 20 vai chamar de “políticas de contenção do desejo” para narrar como era o controle do Estado sobre as prostitutas nos anos de 1890 a 1930. Nessa época, no Rio de Janeiro e em São Paulo, a preocupação era controlar as prostitutas para não disseminar doenças. Essas mulheres eram associadas ao perigo da morte por venderem sexo. A interferência estatal, portanto, era muito forte. Ademais, deveriam ainda se registrar na delegacia de costumes e regularmente fazer exames para provar que não possuíam doenças de nenhum tipo. E se caso fosse constatada alguma doença, deveriam se tratar para depois voltar a atividade. Esse era o sistema regulamentarista da época em questão. O fenômeno acontecia aqui no Recife também, segundo Elizabeth Alcoforado (1999), em sua dissertação de mestrado, quando afirma:

20

Ver: Rago, Margareth. Os prazeres da Noite: prostituição e códigos da sexualidade feminina em São Paulo, 1890-1930. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.

“No caso da cidade do Recife, o debate sobre a prostituição nos idos das décadas de 40 a 70 ocorreu dentro de uma perspectiva regulamenterista. Encarada como um mal necessário, uma vez que o sistema moral vigente não permitia o amor livre como conduta moralmente aceita, a prostituição, que sempre permeou o falso moralismo burguês, entra em cana dentro dos padrões definidos pela sociedade maior. Sendo um problema social que tinha uma função socialmente pré-definida, ou seja, a participação das prostitutas, as quais garantiriam a virgindade das moças casadouras e deveriam, portanto ocorrer dentro de critérios estabelecidos pela sociedade. Entrou em cena o sistema regulamenterista, que permite a prática da prostituição dentro de determinados patamares físico-geográficos.” (ALCOFORADO, 1999, p. 62)

Então observo que, hoje, a profissão não é regulamentada , apesar de não ser a regulamentação descrita acima que elas falam atualmente. Tratam sim de regras estabelecidas para o exercício da profissão de prostituta, com a aprovação estatal, respeitando, acima de tudo, a cidadania dessas mulheres e incentivando uma mudança de mentalidade na sociedade com relação a prostituta. Elas estão se movimentando e organizando o seu trabalho, instituindo novas práticas, valores. Participam fortemente de ações de prevenção de doenças, para proteção delas e do cliente. Penso que estão redefinindo o seu papel social, saindo da imagem de puta, excluída, marginalizada, para consolidar sua participação no espaço político como sujeitos de direitos.

No que concerne à qualidade de vida dessas mulheres, acesso precário a recursos básicos; inexistência, quase que por completa, de políticas públicas significativas; preconceito e violência constantes contra essas mulheres. Então, o que nós, sociedade, e o Estado estamos fazendo?