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2 POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA: UM FENÔMENO INERENTE À

3.1 A MULHER EM SITUAÇÃO DE RUA NO SISTEMA DE REPRODUÇÃO SOCIAL:

Sou um homem, sou um bicho, sou uma mulher Sou a mesa e as cadeiras desse cabaré Sou o seu amor profundo, sou o seu lugar no mundo Sou a febre que lhe queima mas você não deixa Sou a sua voz que grita mas você não aceita O ouvido que lhe escuta quando as vozes se ocultam Nos bares, nas camas, nos lares, na lama. Sou o novo, sou o antigo, sou o que não tem tempo O que sempre esteve vivo, mas nem sempre atento O que nunca lhe fez falta, o que lhe atormenta e mata Sou o certo, sou o errado, sou o que divide O que não tem duas partes, na verdade existe Oferece a outra face, mas não esquece o que lhe fazem

Nos bares, na lama, nos lares, na cama... (Ney Matogrosso)

A produção de excedentes possibilitada a partir da expropriação no campo, nos primórdios do capitalismo (século XIX), foi basilar para as revoltas populares decorrentes da pobreza, gerada pela nova atividade humana. O trabalho a ser realizado exige inéditas capacidades, as quais ante as novas exigências, as mulheres eram consideradas limitadas. Entretanto, esses limites partem da própria estrutura, a qual o trabalho está ancorado, de modo que não devem ser vistos como um fim. A natureza contraditória da sociedade a partir da relação capital x trabalho, também engendra esses limites postos às mulheres, os quais têm sua gênese nas incoerências inerentes ao trabalho.

[...] a divisão gerada pelo trabalho na sociedade humana cria, como veremos, suas próprias condições de reprodução, no interior da qual a simples reprodução de cada existente é só um caso-limite diante da reprodução ampliada que, ao contrário, é típica. Isso não exclui, naturalmente, a aparição de becos sem saída no desenvolvimento; suas causas, porém, sempre serão determinadas pela estrutura da respectiva sociedade e não pela constituição biológica dos seus membros (LUKÁCS, 2013, p. 46).

Nas sociedades classistas88, o sexo é socialmente construído. As relações sociais de sexo89 foram as primeiras formas de divisão e separação de atividades nas sociedades. “Essa forma é historicamente adaptada a cada sociedade. Tem por características a destinação prioritária dos homens a esfera produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva [...]”. (KERGOAT, 2009, p. 67). Assim, surge a divisão sexual do trabalho, a legitimar a hierarquização e o poder masculino na sociedade.

Compreendemos a posição das mulheres em situação de rua na sociedade capitalista, a considerá-la a partir da relação de poderes, estabelecida na simbiose das relações sociais. Para tanto, nos interessa apreender as determinações constituintes dos processos formativos dessas mulheres, à considerá-las de antemão, enquanto seres genéricos, dotados de historicidade, portanto, de processos contínuos de construção e desconstrução.

Ao longo do desenvolvimento do ser social, as mediações culturais foram crescendo e se diferenciando, portanto, deixando cada vez mais remota e menos importante a diferença sexual. Como, porém, o ser social não poderia existir sem as outras duas esferas ontológicas, não se pode ignorá-las. Mais do que isto, o ser humano consiste na unidade destas três esferas, donde não se pode separar natureza de cultura, corpo de mente, emoção de razão etc. É por isso que o gênero, embora construído socialmente, caminha junto com o sexo. Isto não significa atentar somente para o contrato heterossexual. O exercício da sexualidade é muito variado; isto, contudo, não impede que continuem existindo imagens diferenciadas de masculino e feminino (SAFFIOTI, 2015, p. 145, grifo nosso).

Apreender os determinantes históricos que constituem as mulheres em situação de rua na contemporaneidade, perpassa compreender, sobretudo, a inserção da mulher em uma sociedade, que à medida que a inclui de forma precarizada nos espaços formais da produção, também são as primeiras a serem excluídas do mercado de trabalho, posto o mesmo movimento de organização do capital. Assim, há que se destacar que a diferenciação dos sexos não se trata apenas de um nexo ideológico, mas expressa uma desigualdade enraizada na estrutura de poder

88Haja vista, que as sociedades de classes já apresentavam formas de organização do trabalho, e este era realizado a partir do desenvolvimento das forças produtivas e vice-versa, que estabelecia a organização da vida social: a forma de trabalho, o tipo de família.

89Consideramos valorosas as contribuições da categoria “relações sociais de sexo” para a epistemologia feminista. Entretanto, neste estudo, nos debruçaremos acerca da categoria “relações patriarcais de gênero”, pois nela estão as maiores aproximações com o contexto brasileiro, logo, com os processos formativos das mulheres no Brasil e a contribuição à pesquisa. Considerando as particularidades do objeto pesquisado, apreendemos as relações patriarcais de gênero como indispensáveis, do ponto de vista ontológico em sua relação com a categoria violência, a qual também delineia estes estudos.

(SAFFIOTI, 2015). A máquina irrefutável do patriarcado, aglutina a dominação e a exploração capitalista na contemporaneidade, quando a violência generalizada, legitima a desigualdade de gênero e reforça os lugares de privilégios masculinos. É da dinâmica capitalista de produção, segmentos necessários às suas demandas, conforme as flutuações de cada contexto histórico.

A inserção da mulher ao novo modo de produção teve como premissa, a nova organização do núcleo familiar e as reconfigurações postas ao trabalho. Às mulheres, cabiam os espaços da esfera reprodutiva, logo, cumpriam papel fundamental na organização da vida social. Assim, o controle da sexualidade foi uma das principais investidas das instituições de poder90 . A “santa inquisição”, por exemplo, pode-se dizer, que foi o primeiro movimento organizado de perseguição e tortura às mulheres no ocidente.

[...] o clero reconheceu o poder que o desejo sexual conferia às mulheres sobre os homens e tentou persistentemente exorcizá-lo, identificando o sagrado com a prática de evitar as mulheres e o sexo. Expulsar as mulheres de qualquer momento da liturgia e do ministério dos sacramentos; tentar roubar os poderes mágicos das mulheres de dar vida ao adotar trajes femininos; e fazer da sexualidade um objeto de vergonha [...] já no século XII, podemos ver a igreja não somente espiando os dormitórios de seu rebanho, como também fazendo da sexualidade uma questão de Estado (FEDERICI, 2017, pp. 80-82).

A perseguição às mulheres por parte da igreja na idade média revela, as interferências do pensamento judaico-ocidental-cristão-patriarcal na dinâmica da vida social, especialmente no tocante a política, de modo a construir novos valores acerca dos espaços de ocupação das mulheres, como uma forma de ofensiva aos movimentos heréticos da época, logo, “Não é de surpreender que as mulheres estivessem mais presentes na história da heresia que em qualquer outro aspecto da vida medieval” (FEDERICI, 2017, p. 84). Estas organizações já apontavam a necessidade de igualdade de direitos para homens e mulheres, além de denunciar a desigualdade social, pois o movimento herético era constituído em sua maioria, por mulheres e homens das camadas mais populares91, de modo que havia uma íntima relação entre a questão das mulheres

90Neste estudo, consideramos a Igreja enquanto instituição de poder, a qual desde os processos de organização da sociedade capitalista, tem forte influência nas decisões políticas, ou seja, no Estado.

91Conforme Po – Chia Hsia (1988) citado por Federici (2017): “[...] a heresia popular era, sobretudo, um fenômeno das classes mais baixas. O ambiente em que floresceu foi o dos proletários rurais e urbanos: camponeses, sapateiros e trabalhadores têxteis “aos quais se pregava a igualdade, fomentando seu espírito de revolta com predições proféticas e apocalípticas” (PO - CHIA HSIA, 1988 apud FEDERICI, 2017, p. XX).

e o trabalho, assim, perpassava um vínculo estreito entre camponeses/as e trabalhadores/as urbanos na luta contra a subordinação aos mesmos governantes 92( FEDERICI, 2017, p. 89).

As intromissões das instituições93 políticas no que concerne aos direitos políticos e sociais das mulheres, trata-se de uma prática antiga, uma herança medieval. Percebemos que o aborto já era uma problemática posta, controlada por esses órgãos e já se apresentava como uma questão de classe, visto que parte das mulheres que construíam os movimentos hereges pertenciam as camadas mais abastadas (FEDERICI, 2017). Nos dias atuais, esta problemática do aborto94 permanece enquanto luta dos movimentos feministas.

Outro legado histórico que notamos, remete à estreita relação entre as mulheres e os períodos de crise econômica. A “Revolução Sexual” apresentou impactos diretos na economia, sobretudo no período da baixa idade média pós-peste negra. Antes da formação da sociedade capitalista (Séc. XIX), este vínculo já era estreito, logo, foi importante processo constituinte deste movimento de organização. Assim, nos é pertinente entender onde as mulheres estão posicionadas na sociedade de venda de força do trabalho, ou melhor, como a manifestação das crises capitalistas interferem no fenômeno população em situação de rua, em destaque para as mulheres nesta condição.

A este respeito Ávila e Ferreira (2014) embasados em Kergoat (2001) destacam que é com a chegada do capitalismo, enquanto ordem social que se dá a separação espaço e tempo entre trabalho produtivo e trabalho reprodutivo. E ainda que:

essa divisão estava marcada por outra relação entre produção e reprodução, pois a divisão que se expressa neste sistema está diretamente relacionada à formação social 92Na sociedade feudal da época medieval (Século XIII), os donos de poder eram constituídos pela nobreza proprietária de terras, mercadores patrícios e o clero católico.

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Aqui, nos remetemos ao Estado e a Igreja.

94No Brasil, o aborto ainda é criminalizado, essa prática realizada de forma clandestina é a 5ª causa de mortalidade materna no país, conforme dados de 2008 do IPAS (International Pregnancy Advisory Services), são realizados aproximadamente 1.042.243 abortos clandestinos, nas situações mais precárias e inseguras. De acordo com o relatório “Aborto e Saúde Pública: 20 anos de Pesquisas no Brasil” (2006) é de 20 a 29 anos a faixa etárias das mulheres. O interessante é que a pesquisa aponta que 70% delas são casadas, já são mães e em grande parte católica (CFESS, 2016). Já a Pesquisa de 2013 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revela que 8,7 milhões de brasileiras com idades entre 18 e 49 anos já fizeram aborto no Brasil. Neste estudo a relevância diz respeito a 1,1 milhão de abortos provocados, onde o número de mulheres da Região Nordeste, sem escolaridade é sete vezes (37%) maior que o número de mulheres com ensino superior completo (5%). Cabe destacar que o índice de aborto das mulheres negras (3,5% das mulheres), é o dobro da percentagem entre as mulheres brancas (1,7%). Nos interessa perceber que o aborto ainda é uma problemática que evidencia o controle da sexualidade por parte do Estado, o qual, embora “laico”, ainda apresenta forte relação com as instituições religiosas (IDEM, 2016). O movimento Feminista atualmente defende o aborto enquanto uma questão de saúde pública, já que diz respeito à realidade das mulheres negras, das camadas mais populares da sociedade.

capitalista, na qual a força de trabalho é vendida como uma mercadoria e o espaço doméstico passa a ser uma unidade familiar e não mais uma unidade familiar e produtiva (ÁVILA; FERREIRA, 2014, p. 14).

Assim, há que se buscar na historicidade, os lugares ocupados por esse segmento, visto que cada contexto reflete um tipo de condição sociocultural estabelecida por um sistema de produção.

Um modo de produção, como fenômeno histórico que é, não surge inteiramente acabado. [...] não apenas durante o período de constituição da sociedade de classes, mas também no seu funcionamento, enquanto sociedade competitiva plenamente constituída, inferem fatores aparentemente desvinculados da ordem social capitalista (aparentemente, meras sobrevivências de formações sociais já superadas) e em contradição com ela (também aparentemente). Fatores de ordem natural, tais como sexo e etnia, operam como válvulas de escape no sentido de um aliviamento simulado de tensões sociais geradas pelo modo capitalista de produção; no sentido, ainda, de desviar da estrutura de classes a atenção dos membros da sociedade, centrando-a nas características físicas que, involuntariamente, certas categorias sociais possuem (SAFFIOTI, 1976, pp. 28-29).

O aparecimento de determinadas narrativas acerca do feminino se expressa como reflexo e condição para as necessidades postas pelo modelo organizativo emergente, baseado na propriedade privada da terra e no trabalho excedente (SAFFIOTI, 1976). É fundamental observar esse período de transição, do ponto de vista dos aspectos constituintes da reorganização da sociedade, visto que nesta sociabilidade não há situação que não tenha sido construída, tampouco que não possa ser transformada, conforme os parâmetros por ela estabelecidos.

Devemos considerar que a manifestação de uma nova ordem requer determinados instrumentos a fim de estabelecer novas relações. Essas estruturas são estabelecidas de modo temporal à medida que se desenvolvem as formas de satisfação das necessidades humanas, pois,

[...] para viver, é preciso antes de tudo beber, comer, morar, vestir-se e algumas outras coisas mais [...]. O segundo ponto é examinar que uma vez satisfeita a primeira necessidade, a ação de satisfazê-la e o instrumento já adquirido com essa satisfação levam a novas necessidades – e essa produção de novas necessidades é o ato histórico [...]. A terceira relação que intervém no desenvolvimento histórico, é que os homens, que renovam a cada dia sua própria vida, passam a criar outros homens, a se reproduzir. É a relação entre homem e a mulher, pais e filhos, é a família. Esta família, que é inicialmente a única relação social, torna-se em seguida uma relação subalterna, (exceto na Alemanha), quando as necessidades acrescidas geram novas relações sociais e o aumento da população gera novas necessidades (MARX; ELGELS, 2001, pp. 21-23, grifo do autor).

Marx e Engels (2009) traçaram paradigmas a fim de contestar a organização social Alemã a partir de elementos que se fundamentam nas relações estabelecidas com base nas trocas com a natureza, em uma interlocução com a procriação enquanto uma relação natural e as

necessidades como correlação de vínculo social, de maneira que a relação estabelecida com a natureza é condicionada pelo tipo de sociedade e vice-versa. Logo, dada a necessária condição da procriação, a fim do surgimento de novos/as sujeitos/as, por conseguinte, de novas necessidades, observamos a posição dada a mulher de acordo com as determinações sociais.

O sexo, desta forma, pertenceu, originariamente, apenas à esfera ontológica orgânica. À medida que a vida orgânica ia se tornando mais complexa, ia, simultaneamente, surgindo a cultura. Os hominídeos desceram das árvores, houve mutações e a cultura foi se desenvolvendo. É pertinente supor-se que, desde o início deste processo, foram sendo construídas representações do feminino e do masculino. Constitui-se assim, o gênero: a diferença sexual, antes apenas existente na esfera ontológica orgânica, passa a ganhar um significado, passa a constituir uma importante referência para as relações de poder. A vida da natureza (esfera ontológicas inorgânica e orgânica), que, no máximo, se reproduz, é muito distinta do ser social, que cria sempre fenômenos novos (SAFFIOTI, 2015, p. 142).

Por esse raciocínio, refletimos que as diversas teorizações acerca da existência das mulheres na humanidade, foram construídas e utilizadas conforme o estabelecimento das necessidades dadas a cada período, de modo que esses contextos produziram novos conceitos. O momento de transição de um modelo de organização social para outro confere em termos ontológicos as novas funções, os novos espaços da mulher, imbrincados nas modificações do trabalho, enquanto matriz. É na própria transição que se nota a essência do fenômeno da mulher na humanidade, conforme o desenvolvimento das forças produtivas, pois se por um momento precedente, à mulher, é conferido um salto ontológico, uma vez que sua relação com a natureza, por outro, a mulher vive essencialmente uma mudança contraditória com o desenvolvimento da sociedade capitalista, posto que ela é diminuída frente suas potencialidades e complexidades, enquanto ser genérico (LUKÁCS, 2013).

Nos é cabível observar esses paradigmas, pois ao considerarmos a mulher em situação de rua enquanto ser social, apreendemos como um complexo do “ser mulher” constituída por outros complexos, correlacionados com o trabalho enquanto categoria fundante (LUKÁCS, 2013). Essa premissa não foge à análise acerca dos determinantes na vida dessas mulheres, à exemplo da violência. Assim, analisamos a violência conferida às mulheres em situação de rua no Brasil contemporâneo, ao considerar que as atuais expressões em sua essência, abarcam antigos modelos de subalternização e opressão às mulheres, por conseguinte, às mulheres em

situação de rua, frente às particularidades de gênero95, constituintes no fenômeno população em situação de rua.

Com a mundialização capitalista, essas expressões se aprofundam à medida que a situação das mulheres passa a ser definida pelo valor monetário, que define a valorização dos indivíduos/as. Esse contexto atinge as mulheres em situação de rua, pois o desemprego estrutural define os lugares a elas postos, em um mundo que a financeirização aglutina a natureza das relações de classe.

O assalariamento aparece na vida das mulheres como mais um instrumento do capital para acirrar as diferenças entre homens e mulheres. Os efeitos da mundialização na vida das mulheres dos países centrais não podem ser colocados em patamar de igualdade com o resultado na vida das mulheres localizadas na periferia do mundo. Em melhor análise,

A difusão de um modelo de transformação do estatuto das mulheres baseado no trabalho assalariado se generalizou pelos países socialistas e, em menor medida, no Terceiro Mundo, sob diversas formas segundo os períodos e os tipos de economia. Se pôde favorecer a promoção de um assalariamento estável e qualificado, hoje tende a tomar o aspecto de uma proletarização brutal (precarização do emprego, desemprego, trabalho informal, migrações clandestinas e múltiplas formas de prostituição), precipitando as mulheres numa competição em que seu desempenho é avaliado em termos monetários (Talahite, 1998). Passando para o mercado, essa avaliação se faz também segundo normas. A competição ocorre num espaço e com regras de jogo cujas definição e configuração são hoje um desafio da mundialização. O resultado é paradoxal: enquanto convenções internacionais visam proteger as mulheres da discriminação e da violência, o recurso a uma norma mundializada deixa “sem voz” as mulheres das culturas dominadas (Spivak, 1988), e os modos de expressão da diferença dos sexos, próprios de cada cultura, se degradam e se depreciam. Ora, esta

é ambivalente: fonte de desigualdades, também estrutura as sociedades humanas e dá sentido à existência e à ação. Nesse contexto de perda de sentido, o domínio de competição entre homens e mulheres se restringe, o que o torna mais brutal e discriminatório, enquanto, para uma grande parte, existência e ação se desenrolam fora do campo do valor mundializado. A outra vertente da mundialização é esse processo de exclusão que faz que a atividade de populações inteiras sujeitas ao “informal” e ao “não direito” não seja reconhecida; sua existência, medida pelo critério do valor mundializado, finalmente “não possui valor” (TALAHITE, 2009, pp. 157-158).

Por esse ângulo, as mulheres em situação de rua se encontram no cerne da desvalorização do mercado e evidentemente, da desvalorização social. Deste modo, pensar a violência contra as mulheres em situação de rua é refletir acerca da condição de vida das

95Utilizado a terminologia “gênero”, como utilizado por Saffioti (2015): “[...] 2. o uso simultâneo dos conceitos de gênero e

de patriarcado, já que um é genérico e o outro específico dos últimos seis ou sete milênios, o primeiro cobrindo toda a história e o segundo qualificando o primeiro ou, por economia, simplesmente a expressão patriarcado mitigado, ou, ainda, meramente, patriarcado; 3. a impossibilidade de aceitar, mantendo-se a coerência teórica, a redutora substituição de um conceito por outro, o que tem ocorrido nessa torrente bastante ideológica dos últimos dois decênios, quase três (SAFFIOTI, 2015, pp. 141-142).

mulheres que por diversas determinações, estão fora dos espaços formais de trabalho, logo não se encontram ativas no sistema de produção96. As expressões do desemprego estrutural na vida dessas mulheres, carrega em si a herança do movimento histórico de expropriação das ferramentas de trabalho e da apropriação do corpo, de maneira que o capital constrói e descontrói, em movimento contínuo, as possibilidades, as capacidades e as individualidades dessas sujeitas.

A insegurança no mercado de trabalho, intensificada com as crises, corrobora com o percentual de mulheres expulsas da esfera do trabalho.

No caso do Brasil, as mulheres brancas e negras, têm trajetórias duradouras nas ocupações de menor prestígio e de más condições de trabalho, como o emprego doméstico, atividade em que as mulheres negras são mais numerosas. Ambas estão também sobrerrepresentadas no item do desemprego (HIRATA, 2014, p. 64). Conforme Federici (2017), a ciência do trabalho é a ciência mecanicista do corpo. Por essa via, a força de trabalho feminina, em termos de valores, é inferior a masculina, devido suas capacidades e assim se explica a “diferença dos sexos”, conforme a divisão sexual do trabalho. Na realidade brasileira, esses fundamentos foram motivados pela semântica relação patriarcado- escravismo, perante as decorrências da escravidão. Há que se destacar que essa relação, em termos quantitativos, não infere no contexto de vida das mulheres brasileiras, entretanto, em termos qualitativos, atribui as particularidades que circundam a realidade de vida dessas mulheres.

Mesmo neste caso, as classes sociais têm uma história muito mais curta que o gênero. Desta forma, as classes sociais são, desde sua gênese, um fenômeno gendrado. Por