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"Nos bares na lama, nos lares, na cama?": uma análise ontológica da violência contra a mulher em situação de rua no Brasil contemporâneo

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

“NOS BARES, NA LAMA, NOS LARES, NA CAMA”:

Uma análise ontológica da violência contra a mulher em situação de rua no Brasil contemporâneo.

Floriza Soares Bezerra

NATAL-RN 2018

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“NOS BARES, NA LAMA, NOS LARES, NA CAMA”:

Uma análise ontológica da violência contra a mulher em situação de rua no Brasil contemporâneo.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como

requisito parcial obtenção do grau de mestra em

Serviço Social.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Andréa Lima da Silva. Linha de pesquisa: Ética, Gênero, Cultura e Diversidade.

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA

Elaborado por Shirley de Carvalho Guedes - CRB-15/404 Bezerra, Floriza Soares.

"Nos bares na lama, nos lares, na cama?": uma análise ontológica da violência contra a mulher em situação de rua no Brasil contemporâneo / Floriza Soares Bezerra. - 2018.

138 f.: il.

Orientadora: Profa. Dra. Andrea Lima da Silva.

Dissertação (Mestrado em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Programa de Pós Graduação em Serviço Social. Natal, RN, 2018.

1. Serviço Social - Dissertação. 2. Mulheres - Moradores de rua - Dissertação. 3. Violência contra as mulheres - Dissertação. 4. Desigualdade social - Capitalismo - Dissertação. I. Silva, Andrea Lima da. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

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“NOS BARES, NA LAMA, NOS LARES, NA CAMA”: Uma análise ontológica da violência contra a mulher em situação de rua no Brasil contemporâneo.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Serviço Social do Departamento

de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção de Mestrado Acadêmico.

Aprovado em 28/09/2018

Banca Examinadora

_______________________________________ Profª Drª Andrea Lima da Silva

(Orientadora - UFRN)

_______________________________________ Profª Drª Rita de Lourdes de Lima (Examinadora Interna – UFRN)

________________________________________ Profª Drª Fernanda Marques de Queiroz (Examinadora externa à Instituição – UERN)

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Para Maria Lúcia (in memorian), Cristina, Marcela e a Véa, pela oportunidade de partilha. Às mulheres em situação de rua, por nos ensinar a resistir, persistir e seguir com riso.

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“Agradecer” é verbo de resistência e celebração. Nos situa no tempo presente, para que possamos olhar o que foi feito e o que ainda há de ser. Aqui, revivo e agradeço por cada momento e cada pessoa que pude partilhar saberes, angustias alegrias, cafés, vinhos e poesias. Agradecer por refazer-se a cada dia, esse movimento dialético que há oito anos o Serviço Social me “pôs na mão”. Aqui, deixo meus singelos agradecimentos:

À minha mãe, por ser fortaleza. Pela paciência e persistência no caminhar ao meu lado; À minha família, meu pai e minha irmã, pela oportunidade de ser essa “extensão” de vocês;

Aos amigos/as queridos/as e companheiros/as de profissão Tibério, André, Raquel Cardoso e Micaela, pela atenção, cuidado e escuta, sempre;

Às companheiras de vida e de militância, “unidas pelo mestrado e pelo destino”: Analice, Cristina e Samya, pelas análises críticas da vida, brindes e desabafos.

Às velhas novas amigas irmãs Raquel, Tiquinha, Bianca e Vivi pelo encontro, por mostrarem que sempre é possível ir além;

Aos mestres/as Rômulo e Juliana e os/as irmãos/as da Casa Sol Nascente, pela força; Às professoras Silvana Mara e Rita de Lourdes, pelo acreditar;

A todos/as que compõem o Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UFRN, professores/as, técnicos/as, trabalhadores/as;

Aos colegas da turma de mestrado (2016), por todas as partilhas;

A Vanilson Torres e o Movimento Nacional de População de Rua de Natal/RN, por nos ensinar a ressignificar a palavra “luta”;

À professora e minha querida orientadora Andréa Lima, pelas valorosas contribuições, pelo respeito, pelo perseverar e pelo afeto. Gratidão.

Por fim, à Fundação CAPES pela oportunidade objetiva de desenvolvimento deste estudo.

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“E a história? Ela está na rua. Na multidão. Acredito que em cada um de nós há um pedacinho da história. Um tem meia paginazinha, outro tem duas ou três. Juntos, estamos escrevendo o livro do tempo. Cada um grita sua verdade. O pesadelo das nuances. E é preciso ouvir tudo isso separadamente, dissolver-se em tudo isso e transformar-se em tudo isso. E, ao mesmo tempo, não perder a si mesmo. Unir o discurso da rua e da literatura. Outra complexidade está no fato de que estamos falando do passado com a língua de hoje. Como transmitir por meio dela os sentimentos daqueles dias? ”

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O presente estudo tem por objetivo analisar a violência contra a mulher em situação de rua no atual contexto brasileiro, de modo a considerar as particularidades de gênero no fenômeno população em situação de rua na contemporaneidade. Por essa via, consideramos o movimento histórico da humanidade, a fim de apreender as determinações na vida das mulheres em situação de rua na esfera da reprodução social. Utilizamos o método materialista-histórico, pois tal problemática deve ser observada a partir do processo dialético de construção e desconstrução das variadas expressões da questão social no capitalismo contemporâneo, ao considerar suas reais estruturas. Para compreensão da violência contra a mulher em situação de rua enquanto um dos complexos constituintes da realidade do fenômeno população em situação de rua em sua essência, utilizamos a categoria “relações patriarcais de gênero”, visto que denota a determinação do patriarcado nas complexas expressões, na esfera da divisão sexual do trabalho e suas nuances nas relações sociais. A fim de apreender as configurações da população em situação de rua frente ao avanço das forças produtivas, nos propomos uma abordagem das configurações na “superpopulação relativa” e da violência enquanto categorias basilares e autênticas da dinâmica capitalista. Assim, por não se tratar de um fenômeno isolado, observamos as contradições que perpassam a vida dos sujeitos/as em situação de rua, especialmente das mulheres, a apreender os direitos, as políticas, bem como o movimento de organização dessa população. Todo o estudo será norteado pelas referências bibliográficas a partir do diálogo mútuo dos teóricos clássicos Gyorgy Lukács e Karl Marx com os/as autores/as modernos Heleieth Safiotti, Sérgio Lessa, José Paulo Netto, Mirla Cisne, Marilena Chaui, Márcia Tiburi, Ricardo Antunes, Marilda Iamamoto, Silvia Federici, Angela Davis, Helena Hirata, entre outros/as. Foram utilizados artigos, dissertações, estudos acerca do fenômeno população em situação de rua, em especial àqueles referentes à realidade das mulheres nesta condição, os quais tivemos por base as seguintes categorias “trabalho” e “mulheres em situação de rua” para a investigação. No que diz respeito às políticas e direitos, foram utilizados dados, censos e planos dessa população a considerar o ano da primeira pesquisa de População em Situação de Rua (2008), a qual permeia todo o estudo e tem melhor ênfase no último capítulo, onde fizemos análises de relatos de mulheres em situação de rua das cidades de São Paulo/SP e Natal/RN, por objetivo de uma análise mais aproximada da totalidade de vida das mulheres em situação de rua, a considerar suas objetividades e subjetividades. Por fim, considera-se que a ausência de dados e estudos sobre a temática em tela reflete o lugar onde as mulheres foram historicamente situadas na sociedade capitalista, logo, a violência contra as mulheres em situação de rua, trata-se de um fenômeno inerente a sociedade vigente, agravado pelas particularidades de gênero.

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The present study aims to analyze violence against homeless woman in the current Brazilian context, in order to consider the particularities of gender in the population phenomenon in street situation in contemporary times. By this way, we consider the historical movement of humanity, in order to apprehend the determinations in the life of homeless woman in the sphere of social reproduction. We use the materialist-historical method, since such a problem must be observed from the dialectical process of construction and deconstruction of the various expressions of the social question in contemporary capitalism, in considering its real structures. In order to understand violence against street women as one of the complex constituents of the reality of the phenomenon of street population in its essence, we use gender discussions from the category of "gender’s patriarcal relationships” category, since it denotes the determination of patriarchy in the complex expressions, in the sphere of the sexual division of labor and its nuances in social relations. In order to apprehend the configuration of the population on the street in the face of the advance of the productive forces, we propose an approach of the configurations in the "relative superpopulation" and of violence as the basic and authentic categories of the capitalist dynamics. Thus, because it is not an isolated phenomenon, we observe the contradictions that permeate the lives of street individuals, especially women, to understand the rights, policies, and movement of organization of this population. The whole study will be guided by the bibliographical references from the mutual dialogue of the classical theorists Gyorgy Lukács and Karl Marx with the modern authors Heleieth Safiotti, Sérgio Lessa, José Paulo Netto, Mirla Cisne, Marilena Chaui, Márcia Tiburi, Ricardo Antunes, Marilda Iamamoto, Silvia Federici, Angela Davis, Helena Hirata, among others. We used articles, dissertations, studies about the phenomena population in street situation, especially those referring to the reality of women in this condition, which were based on the following categories "work" and "women in the street" for research. With regard to policies and rights, data, censuses and plans of this population were used to consider the year of the first survey of Population in Situation of Street (2008), which permeates the whole study and has a better emphasis in the last chapter, where we analyzed the reports of street women from the cities of São Paulo / SP and Natal / RN, aiming at a closer analysis of the total life of women in the street, to consider their objectivities and subjectivities. Finally, it is considered that the lack of data and studies on the subject m/atter reflects the place where women were historically located in capitalist society, thus, violence against women on the street is an inherent phenomenon the current society, aggravated by the particularities of gender.

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Figura 1: I exist (Eu existo) – Harmonia Rosa ... 26

Figura 2: The Virtuos Woman (A mulher virtuosa) – Harmonia Rales ... 58

Figura 3: Retrato Maria Damiana... 82

Figura 4: Retrato Noemy e sua filha ... 88

Figura 5: Retrato Vilma aparecida ... 89

Figura 6: Retrato Maria Barbosa ... 92

Figura 7: Retrato Jéssica Valdenice ... 97

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LISTA DE SIGLAS

BNH Banco Nacional de Habitação

CASS Centro Acadêmico de Serviço Social

CFESS Conselho Federal de Serviço Social

CNDDH Centro Nacional de Direitos Humanos da População em Situação de Rua

CRDH Centro de Referência em Direitos Humanos

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas

IPAS International Pregnancy Advisory Services

IPEA Instituto de Economia Aplicada

LGBTI+ Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersex.

MDS Ministério Desenvolvimento Social e Combate à Fome

MNPR Movimento Nacional de População de Rua

ONU Organização das Nações Unidas

PNPR Política Nacional de População de Rua

PNUS Programa das Nações Unidas

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1 INTRODUÇÃO ... 12

2 POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA: UM FENÔMENO INERENTE À PRODUÇÃO CAPITALISTA ... 33

2.1 CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO E POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA NO BRASIL ... 34

2.2 POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA: UMA DAS FACES DA DESIGUALDADE NAS CIDADES BRASILEIRAS ... 48

2.3 A VIOLÊNCIA CONTRA A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA NO BRASIL COMO EXPRESSÃO DA BARBÁRIE CAPITALISTA... 57

3 PARTICULARIDADES DA MULHER EM SITUAÇÃO DE RUA NO BRASIL .. 67

3.1 A MULHER EM SITUAÇÃO DE RUA NO SISTEMA DE REPRODUÇÃO SOCIAL: TENDÊNCIAS HISTÓRICAS, EXPRESSÕES CONTEMPORÂNEAS ... 68

3.2 A ORGANIZAÇÃO POLÍTICA DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA E A LUTA PELA IMPLEMENTAÇÃO DA PNPR: ONDE ESTARIAM AS MULHERES EM SITUAÇÃO DE RUA NA ASISSTÊNCIA SOCIAL? ... 82

3.3 PARTICULARIDADES DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER EM SITUAÇÃO DE RUA NO BRASIL ... 92

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 117

REFERÊNCIAS... 121

ANEXOS... 129

ANEXO A – Relatório IV Congresso Nacional de Organização e Fortalecimento do Movimento Nacional da População de Rua ... 129

ANEXO B - Crucificação, pintura de Rafael Sanzio (1502-03) ... 136

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1 INTRODUÇÃO

Nossas costas contam histórias que a lombada de nenhum livro pode carregar. (Rupi Kaur).

A aproximação com as questões de gênero a luz da teoria crítica foi proporcionada a partir do ingresso na graduação em Serviço Social (2010.2-2014.2), quando tive a oportunidade de cursar a disciplina optativa “Seminário Temático Sobre Gênero”. A escolha pela matéria foi provocada pelo interesse em aprofundar as questões relacionadas ao “ser mulher” na perspectiva materialista, também incentivada pela participação na pesquisa “O pensamento da esquerda sobre a liberdade de orientação e expressão sexual: Tendências e particularidades” (2012/2013)1. Simultaneamente, no decorrer da formação profissional, a vida fora do espaço acadêmico reacendia também outras problemáticas. Desde estão, o processo de desconstrução e construção da mulher por traz deste estudo obteve maior aceitação para a mesma.

Ao descobrir-me enquanto “mulher na sociedade de classes”2, o diálogo entre a teoria e a prática vivenciada nas diversas esferas do cotidiano foram basilares para essa identidade de gênero e classe. Entretanto, é necessário afirmar que os fatos ocorridos nos espaços da “vida privada”, repercutiu por meio do contato com o livro “A mulher e a nova moral sexual” da Kolontai (2011), quando tive os primeiros contatos com o universo das leituras feministas. De imediato, perguntei-me: o que é ser mulher? “[...] a mulher moderna, a mulher que denominamos celibatária é filha do sistema econômico do grande capitalismo” (KOLONTAI, 2011, p. 15) e “[...] o tipo fundamental da mulher está em relação direta com o grau do desenvolvimento econômico por que atravessa a humanidade” (KOLONTAI, 2011, pp.

15-16). Essas inquietações, me percorriam o imaginário, já quando nos primeiros períodos do curso de Serviço Social (2010.2-2011.1), as disciplinas: Filosofia aplicada ao Serviço Social, Sociologia I e Sociologia, II foram importantes para aprofundar os conhecimentos acerca de concepções e razões acerca da existência humana, da construção das sociedades e especialmente, da construção do ser humano enquanto ser genérico em sociedade. Neste caso, ao partir de minha realidade, da história das mulheres ao longo dos séculos. Assim, pude

1Pesquisa integrante do Grupo de Estudos em Trabalho, Ética e Direitos, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Silvana Mara Morais dos Santos.

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perceber que as questões da vida privada estavam intimamente relacionadas àquelas da esfera pública. Ou melhor, as problemáticas particulares refletiam-se àquelas da vida pública e vice-versa. Visto que todas as questões estavam totalmente entrelaçadas, “[...] trata-se de entender que qualquer fenômeno subjetivo guarda uma relação com uma determinação concreta” (CISNE, 2014, p. 123).

As construções de diversos tabus que permeiam a vida das mulheres, que nos provoca a questionar instituições como a família e a igreja me inquietavam, haja vista a necessidade de debates acerca de temas tão “polêmicos” como aborto, amor livre a até mesmo as violências vividas, seja nas instituições, nas ruas ou no espaço doméstico.

Outrossim,

As alternativas que nos oferece a vida são todas, também, insatisfatórias. Pessoas que optam por relacionamentos mais superficiais, passageiros, e que preferem não constituir família – ou mesmo aqueles que decidem constituir família sem passar pelo cerimonial do casamento e seus atributos legais – enfrentam problemas muito parecidos. A infelicidade e a insatisfação de carências não atendidas ao longo de toda uma vida vão deixando suas marcas nas personalidades de todos nós. Mesmo nas alternativas, o outro, além de amado(a), também cumpre a função social de limite ao desenvolvimento do(a) companheiro(a) – e há profundas razões históricas para que isso seja assim (LESSA, 2011, p. 8).

A necessidade de discutir essas razões históricas, foi motivadora para organização nos espaços políticos. A organização política no espaço auto organizado de mulheres do Levante Popular da Juventude3 e da Consulta Popular4 foi processo fundamental para o entendimento de que somos mulheres com potencial político ativo e permanente. Este raciocínio deu-se pela relação teoria/prática, necessária para provocar infindáveis análises, particularmente acerca das condições de vidas das mulheres, especialmente, das mulheres em situação de rua.

3 Movimento Social de Juventude, onde as mulheres se auto-organizam. Para mais informações: http://www.levante.org.br/.

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A experiência de estágio curricular obrigatório do curso de Serviço Social (2012-2013) no Centro de Referência em Direitos Humanos (CRDH)5, quando pelo núcleo Gentileza6, foi possibilitada aproximação com a população em situação de rua, localizada nos bairros Ribeira e Cidade Alta 7 . Tais atividades foram pensadas a provocar o surgimento do Movimento Nacional de População de Rua (MNPR) em Natal, o qual me debrucei em estudar 8 e no âmbito acadêmico, resultou no trabalho de conclusão de curso, com ênfase na organização política dessa população9 (2014).

Nesse período (2012/2014), as rodas de conversa e outras atividades formativas em parceria com o MNPR, foram fundamentais para observar o comportamento das mulheres em situação de rua e, sobretudo, escutá-las acerca das diversas expressões constituintes das suas realidades de vida. Em primeiro momento, foi suscitada uma identificação com àquelas mulheres, quando naqueles espaços majoritariamente masculinos, a fala era posta como um desafio, pois quando realizada, era comumente interrompida por algum homem. Essas ocorrências propiciaram análises acerca das dimensões do patriarcado na vida daquelas mulheres, posto que o ato de se calar aparece como uma das formas de opressão sofrida historicamente, já que o patriarcado:

1 – Não se trata de uma relação privada, mas civil;

2 – Dá direito sexuais aos homens sobre as mulheres, praticamente sem restrição [...]; 3 – Configura um tipo hierárquico de relação, que invade todos os espaços da sociedade;

4 – Tem uma base material; 5 – Corporifica-se;

6 – Representa uma estrutura de poder baseada tanto na ideologia quanto na violência (SAFFIOTI, 2015, p. 60, grifo nosso).

5O Centro de Referência em Direitos Humanos é um programa da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, que em Natal, esteve vinculado à Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) (2012-2014), através da Pró-Reitoria de Extensão (PROEX).

6O Núcleo Gentileza foi constituído por uma equipe multiprofissional e estagiários de Serviço Social, Direito e Psicologia da UFRN. Foi nomeado Gentileza pelos profissionais e estagiários em referência ao profeta Gentileza. 7Esses bairros foram escolhidos por constituírem a região comercial do município, logo, onde estavam localizados os serviços de atendimento à população em situação de rua e, por conseguinte, onde visivelmente transitam pessoas em situação de rua.

8O surgimento e a consolidação do Movimento Nacional de População de Rua em Natal, deu-se a partir de denúncias de violações contra a população em situação de rua usuária do Albergue Municipal. Logo, a equipe técnica do núcleo Gentileza em parceria com o MNPR provocou a formação do movimento em Natal, já que havia uma necessidade urgente de denúncia dos casos e de organização dessa população, a partir do reconhecimento desses/as sujeitos/as enquanto sujeitos/as de direitos.

9A monografia teve como título: “Eu quero é botar meu bloco na rua” O Movimento Nacional de População de Rua em Natal: Trajetória, lutas e desafios” (2014.2) e foi realizada sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Silvana Mara Morais.

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O patriarcado se apresenta como uma estrutura complexa que atravessa múltiplas dimensões na vida das mulheres, seja no espaço público, seja no espaço privado. Por essa via, a mulher nas sociedades de classes tem sua vida atravessada por diversas problemáticas que denotam a essência patriarcal do projeto de sociedade vigente.

Sobre a questão, ressalta-se ainda que:

[...] O modo capitalista de produção não faz apenas explicitar a natureza dos fatores que promovem a divisão da sociedade em classes sociais; lança mão da tradição para justificar a marginalização efetiva ou potencial da tradição para justificar a marginalização efetiva ou potencial de certos setores da população do sistema produtivo de bens e serviços. Assim é que o sexo, fator que há muito selecionado como fonte de inferiorização social da mulher, passa a interferir de modo positivo para a atualização da sociedade competitiva na constituição das classes sociais. A elaboração social do fator natural sexo, enquanto determinação comum que é, assume na nova sociedade, uma feição inédita e determinada pelo sistema de produção social (SAFFIOTI, 2013, p. 66).

A condição subalternizada das mulheres nas esferas da vida social reflete a dinâmica violenta do patriarcado. Nesses termos, se a sociedade de classes é essencialmente patriarcal, o patriarcado é em sua natureza, violento. Na sociedade capitalista, a violência é uma condição autêntica na vida das mulheres. Assim, apreendemos as mulheres em situação de rua enquanto manifestação autêntica da violência da sociedade de classes, pois:

De modo geral, a mulher em situação de rua vive mais adversidades e, principalmente, mais formas de violências. Por sua vez, se são as mulheres que mais sofrem preconceitos e discriminações no espaço privado da casa, imaginem-se quando se consideram as relações na rua, construída historicamente como o “espaço masculino” (ALVES, 2017, n.p.)

A rua é historicamente aludida como cenário das relações públicas, as quais são designadas aos homens. Destarte, como pensar este espaço como “lar”10 dessas mulheres? Nesse sentido, reforçamos a necessidade da análise crítica desta realidade, pois notamos que os constituintes do espaço público são definidores dos espaços de poder na sociedade.

Na modernidade, a esfera pública estaria baseada em princípios universais, na razão e na impessoalidade, ao passo que a esfera privada abrigaria as relações de caráter pessoal e íntimo. Se na primeira os indivíduos são definidos como manifestações da

10Neste estudo, utilizaremos o termo “mulheres em situação de rua” em referência as contribuições de Lúcia Lopes em seu livro “Trabalho e População em Situação de rua no Brasil”, por entendermos que não se mora na rua, ou se vive na rua, mas trata-se de uma condição social construída e intrínseca da sociedade de classes.

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humanidade ou da cidadania comuns a todos, na segunda é incontornável que se apresentem em suas individualidades concretas e particulares. Somam-se, a essa percepção, estereótipos de gênero desvantajosos para as mulheres (BIROLI, 2014, p. 32).

As mulheres em situação de rua seriam sob a ótica do capital, verdadeiras transgressoras do espaço público, onde as suas necessidades íntimas e outros determinantes constituintes do gênero, atropelam os limites dos valores burgueses? Nessa perspectiva, refletimos acerca da ausência do reconhecimento social dessas mulheres enquanto cidadãs, como sujeitas de direitos, visto que o cenário urbano se apresenta como espaço do fazer político. “A crítica às desigualdades de gênero está geneticamente ligada à crítica as fronteiras convencionais entre o público e o privado nas abordagens teóricas, na prática política, nas normas e nas instituições” (BIROLI, 2014, p. 34).

A propriedade privada sustenta as relações econômicas, sociais e políticas. Esta última, como expressões do desdobramento do Estado e da organização das mulheres. O movimento feminista11, especialmente a partir do século XX, tem contribuído para o entendimento da necessidade de organização e luta das mulheres por direitos e entre outras críticas, tem fornecido importantes reflexões acerca da desconstrução da visão dissociada da relação público/privado: “uma separação que tem como funções essenciais interditar o acesso das mulheres ao universo político e introduzir um “duplo padrão” sexuado no outro domínio público, o do mercado de trabalho” (LAMOUREUX, 2009, p. 210).

Assim, notamos que a violação de direitos é uma consoante no tocante à realidade das mulheres na sociedade. Ao imbricar com a vida das mulheres em situação de rua, aludimos a política de trabalho enquanto primeira manifestação de violência na vida dessas mulheres, posto sua condicionada situação fora do sistema de produção. Por essa via, pensamos acerca das dimensões da vida das mulheres em situação de rua de forma conexa com o trabalho, pois é nesta esfera que são reproduzidas as relações sociais, de modo que o exército industrial de reserva é fator imperativo para essa realidade. Por este ângulo, o trabalho está atrelado ao “domínio público”. Em diálogo a isto, SILVA (2009), afirma:

11 Na perspectiva desse estudo, ressaltamos as contribuições do feminismo em sua concepção marxista, pois: A defesa do feminismo marxista é premente num momento em que as transformações contemporâneas exigem organização política diante da barbárie capitalista, e tem, infelizmente, crescido o chamado “feminismo culturalista”, que ressignifica o materialismo no chamado “materialismo culturalista”, rejeitando-se “uma análise sistêmica, anticapitalista e a relação entre a história da cultura e a construção de significados em um sistema social de classes”. Disponível em:

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Desde o final do século passado, o trabalho está no centro das profundas transformações provocadas pelo capitalismo. Os trabalhadores tiveram sua resistência política fragilizada e têm sido afligidos por inseguranças diante do aprofundamento do desemprego, da precarização do trabalho e da onda regressiva referente aos direitos derivados e dependentes do trabalho. Essa insegurança generalizada parece tomada pelo capitalismo como um princípio de organização do trabalho na contemporaneidade (SILVA, 2009, p. 37).

A insegurança no trabalho aparece como uma das principais características das transformações nesta esfera perante mundialização do capital, que surge como uma atual forma de organização. Destarte, problematizemos acerca das determinações da mundialização na divisão internacional do trabalho e, por conseguinte, sua relação com a divisão sexual do trabalho, visto que,

A mundialização que é também um processo de unificação monetária em torno de duas ou três grandes moedas, caminha para a uniformização dos mundos, sua convergência “num só mundo”, no qual tudo é alinhado sob um mesmo padrão de valor: a moeda. Homens e mulheres são colocados em competição e a igualdade formal dos direitos cria as condições dessa competição. A avaliação em moeda do desempenho dos indivíduos faz que toda expressão da diferença entre os sexos que não possa se exprimir assim tenda a desaparecer ou perder a sua significação, enquanto as diferenças monetarizadas se acentuam (TALAHITE, 2009, p. 157). Nesses termos, a faceta feminina da mundialização está imbricada com o desenvolvimento capitalista e com as mudanças no sistema de produção, por conseguinte, no mundo do trabalho, sobretudo, pós-década de 1990, quando a política liberal de mercado12 definirá novas configurações na esfera da produção mundial 13 a qual, diante da financeirização14, se apresenta de forma camuflada, tendo em vista a necessidade de acúmulo do capital. As práticas expansionistas refletem o caráter explorador e dependente deste fenômeno, que “[...] liberou, ao contrário, todas as tendências à polarização e à desigualdade” (CHESNAIS, 2001, p. 12).

12Conforme Chesnais: “ O termo mercado é a palavra que serve hoje para designar pudicamente a propriedade privada dos meios de produção, a posse de ativos patrimoniais que comandam a apropriação sobre uma grande escala de riquezas criadas por outrem; uma economia explicitamente orientada para os objetivos únicos de rentabilidade e de competitividade e nas quais somente as demandas monetárias solventes são reconhecidas (CHESNAIS, 2000, p. 7).

14Iamamoto (2010), conceitua o capital financeiro como àquele que “[...] envolve a fusão do capital bancário e industrial em condições de monopólio capitalista, redundando na concentração da produção e na fusão de bancos com a indústria” (IAMAMOTO, 2010, p. 101).

14Iamamoto (2010), conceitua o capital financeiro como àquele que “[...] envolve a fusão do capital bancário e industrial em condições de monopólio capitalista, redundando na concentração da produção e na fusão de bancos com a indústria” (IAMAMOTO, 2010, p. 101).

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As grandes instituições financeiras de mercado, à exemplo dos bancos e das companhias de seguro interferem diretamente nas formas de trabalho, essencialmente, do trabalho assalariado, pois ao gerar lucros para algumas nações as custas da marginalização de outras, determina o caráter político da mundialização, de acordo com o autor:

Os fundamentos da mundialização atual são tanto políticos como econômicos. É apenas na vulgata neoliberal que o Estado é exterior ao mercado. É preciso recusar as representações que gostariam que a mundialização fosse um fenômeno natural. O triunfo atual do “mercado” não poderia ser feito sem intervenções políticas dos Estados capitalistas mais poderosos (CHESNAIS, 2001, p. 10).

As críticas acerca do Estado são fundamentais a fim de observarmos como a mundialização e a financeirização interferem na vida social, já que as relações sociais se constituem das contradições imbricadas nesta dinâmica. O fetichismo 15 constituinte deste conjunto perpetua as relações de mercado a partir da universalização dos produtos, quando o lucro, determinado pelas taxas de juros, produz as relações capitalistas de troca. Para tanto, uma série de acordos16 foram essenciais para legitimar essas práticas, as quais minimizaram o Estado perante a “superioridade do mercado” em todo o globo (CHESNAIS, 2001). “O capital financeiro assume o comando do processo de acumulação e, mediante inéditos processos sociais, envolve a economia e a sociedade, a política e a cultura, vincando profundamente as formas de sociabilidade e as forças sociais” (IAMAMOTO, 2010, p. 107).

Nessa dinâmica, a divisão internacional do trabalho apresenta novos aspectos que se alinham ao desenvolvimento do capital e às particularidades das construções históricas dos países, e de modo consequente, novas conformações na questão social, a qual é peculiar das contradições do sistema capitalista e dos formatos atuais da relação Estado e sociedade, que delineiam a constituição de determinados fenômenos, no caso desta pesquisa, da violência contra as mulheres em situação de rua.

Nesta acepção, corroboramos com Marx:

Mas, se uma população trabalhadora excedente é produto necessário da acumulação ou do desenvolvimento da riqueza no sistema capitalista, ela se torna por sua vez a alavanca da acumulação capitalista, e, ao mesmo tempo, condição de existência do modo de produção capitalista. Ela constitui um exército industrial de reserva

15Em Marx, fetichismo refere-se ao significado dado a mercadoria nas relações de troca no processo de circulação e acumulação. Porquanto, Chesnais (2000) aponta o caráter fetichista do dinheiro frente a mundialização, quando o excedente reifica as relações mercantis.

16Chesnais (2000) destaca o tratado de Maastritch, o “consenso de Washington” e o Acordo do Livre Comércio Norte-Americano, como dos mais importantes acordos na liberalização, influenciando diretamente na política econômica mundial.

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disponível, que pertence ao capital de maneira tão absoluta como se fosse criado e mantido por ele. Ela proporciona o material humano a serviço das necessidades variáveis de expansão do capital e, sempre pronto para ser explorado, independentemente dos limites dos verdadeiros incremento da população (MARX, 1996, pp. 733-734).

A formação de uma superpopulação relativa ou exército industrial de reserva, assim como o patriarcado, estruturam o processo de acumulação capitalista no âmbito da mundialização. O trabalho aparece como eixo estruturante dessas expressões, onde a divisão sexual repercute seu traço excludente, no tocante ao acesso e à situação das mulheres. Refletir acerca da violência dirigida às mulheres em situação de rua, ou seja, àquelas que se encontram fora do mercado de trabalho, implica considerar a influência da divisão sexual do trabalho, a fim de compreender como este fenômeno aparece nas particularidades do cenário brasileiro.

Assim, podemos apresentar as seguintes proposições: as relações sociais de sexo e a divisão sexual do trabalho são expressões indissociáveis que, epistemologicamente, formam um sistema; a divisão sexual do trabalho tem o status de enjeu17 das relações sociais de sexo. Estas últimas são caracterizadas pelas seguintes dimensões:

- a relação entre os grupos assim definidos é antagônica;

- as diferenças constatadas entre as atividades dos homens e das mulheres são construções sociais, e não provenientes de uma causalidade biológica;

- essa construção social tem uma base material e não é unicamente ideológica; em outros termos, a “mudança de mentalidades” jamais acontecerá de forma espontânea, se estiver desconectada da divisão de trabalho concreta; podemos fazer uma abordagem histórica e periodizá-la;

- essas relações sociais se baseiam antes de tudo numa relação hierárquica entre os sexos; trata-se de uma relação de poder, de dominação (KERGOAT, 2009, p. 71).

Observamos as relações sociais de sexo como arcabouço das variadas facetas das mulheres nas sociedades de classes18 . Na realidade brasileira, Saffioti (2013), inicia essas reflexões, trazendo contribuições de extrema relevância referente às afinidades do patriarcado19 com outros pilares fundamentais à ordem capitalista em uma país periférico, a exemplo do

17“O que está em jogo, em disputa, o desafio”, conforme tradução de Kergoat (2009). 18

Destacamos as relações simbióticas entre relações sociais de sexo e a divisão sexual do trabalho, pois mesmo nas sociedades pré-capitalista, já existia modelos de organização hierárquicos, produtos das determinações do patriarcado na esfera da vida social (ENGELS, 2012).

19A autora utiliza a categoria “relações patriarcais de gênero” para elucidar as relações de poder estruturadas pelo patriarcado.

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regime escravocrata (SAFFIOTI, 2013). Nos questionamos acerca das particularidades do fenômeno população em situação de rua no Brasil contemporâneo, em especial, à violência dirigida às mulheres em situação de rua como uma expressão da barbárie do capital em um país perifericamente situado, constituído por uma população negra20 majoritária.

Nos termos de Saffioti (2015), o fator sexo opera em consonância à determinação da raça a fim de garantir a manutenção da ordem estabelecida. A objetificação da mulher está entrelaçada ao patriarcado, o qual ampara este sistema e legitima a funcional relação sexo/raça/classe mesmo em períodos pré-capitalistas. Na sociedade do capital, essa afinidade se aprofunda e reflete as relações de poderes. A autora evidência tais relações, quando situa que “[...] o poder é macho, branco e, de preferência, heterossexual” (SAFFIOTI, 2015, p. 33). As mulheres são o gênero situado nos setores mais precarizados, marginalizados da estrutura social, à exemplo das atividades informais, do desemprego e da barbarização da vida humana, condições autênticas do fenômeno mulheres em situação de rua.

Essa população é também alvo das variadas formas de violência, especialmente àquelas que acontecem no espaço púbico, à exemplo dos extermínios. No cenário urbano contemporâneo, o homicídio de mulheres negras é fato posto à vida desse segmento social. Conforme dados do Mapa da Violência de 201521, o homicídio de mulheres negras teve um aumento de 54% em dez anos (2003-2013), era de 2.875 em todo país. Assim, nos questionamos quanto às informações das práticas de violência direcionadas às mulheres em situação de rua, posto que essas mulheres não são englobadas pelos censos e estatísticas22.

No Brasil, ainda não constamos censos suficientes acerca da vida das mulheres em situação de rua. Todavia, nos resultados das pesquisas realizadas pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), o perfil dessa população é predominantemente masculina (82%), sendo 18% referente às mulheres (BRASIL, 2008). Entretanto, tais dados não apresentam a essência das contradições e dos diversos determinantes

20Em 2009, um quarto da população brasileira era constituída por mulheres negras, segundo estudo20 realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2013). Contudo, é cabível enfatizar que esses dados se limitam à população por domicílios, ou seja, não abrange as mulheres em situação de rua. Porém, revelam a forte expressão étnico-racial no país.

21 Disponível em http://blogueirasnegras.org/2018/01/10/cor-da-violencia-feminicidio-de-mulheres-negras-no-brasil/. Acesso em 16 de julho de 2018.

22

Nos referimos à pesquisa oficial do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) (2008). Entretanto, consideramos a própria ausência de dados como exemplo da discriminação dessa problemática aos órgãos públicos.

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sociais que atinge essas mulheres, tendo em vista que apresentam insuficiências, as quais necessitam de maiores aprofundamentos e mediações para apreensão dessa realidade.

Ademais, no que remete ao campo ideológico e sua interface com a complexidade da população em situação de rua, percebemos o aprofundamento das nuances do conservadorismo a fim de mascarar as reais bases deste fenômeno, que refletem também as configurações das políticas direcionadas as pessoas em situação de rua e das violações dirigidas à essa população. Exemplo disto, é o desmonte das políticas públicas, da precarização dos serviços socioassistenciais e da luta incessante do Movimento Nacional de População de Rua pela implementação da política para população em situação de rua em todo o país23. Desse modo, podemos afirmar que é no contexto de crise capitalista, que se destacam as premissas da violência de gênero e do racismo que se expressam com mais visibilidades entre a população em situação de rua.

Em São Paulo, a ex-modelo Loemy Marques24 encontrada na cracolândia, em situação de rua, foi alvo de uma matéria com abordagem preconceituosa pois segundo a reportagem mostrava como “absurda”, uma mulher branca, de olhos claros, na condição de população de rua e de dependência química. De mesmo modo, Rafael Nunes25, conhecido como “mendigo gato”, foi destaque nos noticiários após ser encontrado nas ruas de Curitiba. Tais exemplos nos provocam a pensar sobre a discriminação da população em situação de rua e/ou dependentes químicos26, e que reflete o racismo como valor intrínseco da sociabilidade atual, já que é de negros/as, o maior percentual da população em situação de rua, conforme mencionamos acima. Por essa perspectiva, se denota que homens e mulheres negros/as em situação de rua é algo comum à sociedade, visto que o/a negro/a é considerado fora dos padrões de beleza.

Esses fatos em sua essência, abarcam as variadas conotações do racismo velado e dos múltiplos estigmas sob as pessoas em situação de rua, ambos partem das premissas que sustentam os movimentos de crises e reorganização do capital e expressam as contradições da

23

Não foram encontradas informações concisas sobre estados, os quais a Política Nacional para População de Rua está implementada.

24 Informações atualizadas em: http://economia.estadao.com.br/noticias/releases-ae,ex-modelo-loemy-marques-deixa-a-cracolndia-e-reaparece-com-novo-visual-graas-ao-visagismo,70001631958.

25 Informações atualizadas em: https://g1.globo.com/pr/parana/noticia/das-ruas-a-recuperacao-mendigo-gato-relembra-a-luta-para-deixar-o-crack.ghtml.

26É importante ressaltar que dados da pesquisa do MDS (2008), já desmistificou o estigma de que toda pessoa que se encontra na rua é usuário de drogas e vice-versa.

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sociedade, portanto, da questão social. Assim, entender a população em situação de rua como expressão da questão social é determinante para nossos estudos, a fim de compreender a violência na vida das mulheres nesta condição, a partir de uma análise crítica, ontológica, entrelaçada com elementos estruturantes, entendendo-os como fundamentais no processo de construção das subjetividades dessas sujeitas.

[...] Para Marx, este princípio é a práxis, a “atividade humana sensível”, “a atividade real, sensível”. Espírito e matéria, consciência e realidade objetiva, subjetividade e objetividade são dois momentos que constituem uma unidade indissolúvel. E a práxis

é esta atividade mediadora que faz com que da conjunção desses dois momentos se origine toda a realidade social (TONET, 2013, p. 78).

Em acordo com o método marxista, ao partir de uma análise ontológica, com ênfase nas obras de György Lukács nos desafia apreender a complexidade da vida das mulheres em situação de rua e de modo específico, a violência contra essas mulheres enquanto uma expressão radical da questão social, portanto, essas mulheres, enquanto ser social, constituído de objetividades e subjetividades, resultantes das contradições de classe do sistema vigente. Nessa direção, a mulher em situação de rua, enquanto um complexo de complexos, posto a centralidade do trabalho no âmbito da reprodução social (LUKÁCS, 2013). Inseridas no exército industrial de reserva, a essência da mulher em situação de rua abarca a historicidade do gênero humano.

Por isso ratificamos que:

Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos (MARX, 1978, p. 17).

A história da humanidade é a história dos homens/mulheres em sua relação com a natureza. Por essa via, o gênero humano apresenta um salto ontológico, ao passar de ser orgânico para ser social. A ontologia se expressa enquanto uma transição qualitativa que se dá a partir de uma necessidade engendrada. Ao nos permitir refletir acerca da natureza humana, Lukács (2013) em sua obra “para uma ontologia do ser social II” nos provoca questionar o desenvolvimento humano, pois na sociabilidade capitalista, tal desenvolvimento está entrelaçado com o avanço das forças produtivas. “Ao conceber a essência como horizonte histórico de possibilidades para o agir humano, é evidente a ruptura de Lukács com as ontologias tradicionais - e não é necessário insistir sobre esse ponto” (LESSA, 1996, p. 97).

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Para apreensão da essencialidade da violência contra as mulheres em situação de rua, buscamos analisar a gênese da sociedade capitalista enquanto processo que ao transformar de maneira qualitativa o gênero humano, faz uma série de rearranjos os quais se encontram correlacionados com o novo indivíduo a partir do nexo do trabalho na sociedade vigente. Se, sob a ótica filosófica o grande questionamento do indivíduo seria o real sentido da existência (LUKÁCS, 2013), nos parece que na sociedade do capital, a essência de sua natureza é o acúmulo de riquezas (MARX, 2012).

Por essas prerrogativas, nos desafiamos a uma discussão atualizada acerca da violência contra as mulheres no Brasil, com ênfase nas mulheres em situação de rua, pois a violência contra a mulher já é uma expressão agravada com a construção da sociedade vigente, a qual necessariamente precisa de uma superpopulação relativa. Nesses termos, situamos o lugar da mulher na esfera do exército industrial de reserva, posto que a história das mulheres enquanto seres sociais, é a história da exploração e da expropriação do corpo pelo sistema capitalista.

Desse modo, nos colocamos a apreender a violência contra a mulher em situação de rua no atual contexto brasileiro em correspondência ao movimento histórico de resistência das mulheres às ofensivas do capital, no que concerne a instrumentalização do corpo e em análise contemporânea, à degradação da vida humana diante da barbárie do capital.

Ao conceber a superpopulação relativa como inerente à reprodução de capital, localizamos a mulher em situação de rua, tão necessária quanto àquela inserida no sistema de produção. A lógica da divisão sexual do trabalho engloba todas as mulheres ao longo da história. Faz-se necessário compreender a inserção da mulher na sociedade de classes sob a ótica do trabalho, para apreender as conotações de gênero no contexto de vida das mulheres em situação de rua.

Ademais, é necessário compreender a relevância da temática em tela em sua relação com o Serviço Social, ao conceber as atuais atribuições desta profissão, como resultado dos acontecimentos históricos da sociedade, onde situa-se em defesa dos direitos da classe trabalhadora. Lembremos que tal posição não foi sempre definitiva, mas aproximadamente a partir de 197227 iniciou os debates críticos da realidade social, os quais indicavam a “intenção de ruptura, que demarcou o rompimento com um projeto burguês de sociedade (NETTO, 2010).

27

Conforme SOUZA (2016), os anos 1972-1975 foram marcos nos debates da direção teórica, metodológica e ideológica da profissão, quando o “ Método BH” se constituiu como primeira formulação da intenção de ruptura com o tradicionalismo, o conservadorismo que gerara a profissão.

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Tais desdobramentos nos fazem refletir acerca dos debates, das decisões e por fim, das transformações que o Serviço Social tem realizado, a fim de responder as contradições da sociedade de classes, visto que essas discriminações foram provocadoras de documentos determinantes para a profissão, a exemplo da lei 8.66228, que a regulamenta. Ao entender o movimento histórico de forma não linear, apreende-se que os efeitos das transformações sociais que ancoram o Serviço Social na contemporaneidade, são os mesmos que perpassam as determinações, à exemplo da violência, na vida das mulheres em situação de rua, posto que este fenômeno, embora seja ainda carente de análise, não deve ser visto de forma isolada.

Em São Paulo, a campanha “Nós”, da Associação de Resgate à Cidadania por Amor e Humanidade (ARCAH)29, expressa os arranjos do capital com relação as políticas voltadas para população em situação de rua. Tal organização funciona em parceria com a Prefeitura Municipal de São Paulo e através da campanha “Nós” faz alusão às formas e acolhimento à essa população. A transferência da responsabilidade social para as iniciativas privadas é uma das configurações nas políticas sociais, as quais representam o avanço do conservadorismo e suas expressões nos serviços de atendimento à população em situação de rua, que se moldam conforme as determinações da nova ordem burguesa e reflete o Estado neoliberal.

A transferência da responsabilidade social para o terceiro setor é uma dessas características, quando o voluntariado, a caridade e em geral, a perspectiva individualista de resolução para os conflitos sociais aparecem como única alternativa.

Assim, a tendência geral tem sido a de restrição de direitos, sob o argumento da crise fiscal do Estado, transformando as políticas sociais – [...] as possibilidades preventivas e até atualmente redistributivas tornam-se mais limitadas, prevalecendo o já referido trinômio articulado do ideário neoliberal para as políticas sociais, qual seja: a privatização, a focalização e a descentralização (BEHRING, 2011, p. 156, grifo da autora).

Behring (2011), refere-se as consequências da contrarreforma do Estado brasileiro a partir da década de 1970, aprofundadas na década de 1990, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003). Não por coincidência, o período atual retoma as nuances daquela época, especialmente no que diz respeito às ideias individualistas de resolução dos conflitos sociais, e da perspectiva seletiva das políticas públicas, em última análise, atenta os

28 A lei 8.662 regulamenta o Serviço Social enquanto profissão. Maiores disposições, disponível em:

http://www.cfess.org.br/arquivos/legislacao_lei_8662.pdf. Acesso em 15 jun. 2018. 29 Disponível em: https://www.arcah.org/. Acesso em 20 de abril de 2018.

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“golpes pelo alto” na história do Brasil, da qual o Serviço Social em sua totalidade é retrato e assim sendo, também se modifica (FLORESTAN, 1976).

No nosso entendimento, nessa conjuntura de final dos anos de 1980 e início dos anos 1990, está colocada para a profissão a necessidade de construir articulações e consensos que serão fundamentais para a construção do projeto profissional. Entendemos que, neste período, já estão dados socialmente os grandes eixos que serão decodificados teórico-praticamente na profissão e que foram palco do situar-se politicamente da profissão: a “questão social”, a política social como defesa de direitos e do trabalho (SOUSA, p. 204, grifo do autor).

O movimento histórico do Serviço Social situa a profissão em defesa dos direitos da classe trabalhadora, de modo que o projeto profissional é de caráter ético e político por compreender que atua nas contradições construídas a partir do trabalho, na dinâmica da sociedade de classes. Deste modo, as balizas para o debate acerca das expressões objetivas e subjetivas da vida das mulheres em situação de rua, retoma os limites e as estratégias do Serviço Social frente a conjuntura vigente, de extrema retirada dos direitos sociais. Em melhores definições, percebe-se que não há coincidências quanto a relação da precarização do trabalho, das metamorfoses no exército industrial de reserva e da regressão de direitos, e por fim, das condições de vida das mulheres em situação de rua.

O contexto da crise estrutural do capital vivida nos anos de 1970, dada a queda da demanda global e a erosão visível da taxa média de lucros, revela o caráter estruturante assumido pelo neoliberalismo, qual seja: a busca da recuperação da rentabilidade do capital realiza-se necessariamente com a acentuação da exploração do trabalho. Daqui decorre tanto uma recomposição do exército industrial de reserva como um brutal ataque aos direitos sociais, agora mistificados sob o discurso de que são “custos sociais” (IDEM, p. 204).

Sousa (2016) se refere brevemente, aos desmontes das políticas sociais, realizados em sua maioria sob o argumento de “crise econômica” e complementa ao apontar o trabalho (inclusive o próprio Serviço Social) enquanto “atividade humana fundamental” (IDEM, p. 205), logo, defendê-lo é também uma estratégia de enfrentamento as armadilhas do neoliberalismo e das nuances da crise capitalista.

O movimento histórico da realidade nos mostra que nos períodos de crises do capital, as mulheres são o primeiro grupo a sofrer com a perda de direitos, pois conferem uma mão-de-obra barata, a qual conforme as necessidades capitalistas, são expulsas ou atraídas pelo sistema de produção. Ademais, as mulheres são as sujeitas fundamentais para a reprodução da força de trabalho. Segundo Federici (2017), a “caça às bruxas” na Europa Medieval significou a princípio, o controle da ordem reprodutiva, visto que os movimentos hereges, construídos em sua maioria por mulheres das classes mais pauperizadas, tiveram forte influência na crise do

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processo de constituição da sociedade capitalista, quando “a bruxa não era só a parteira, a mulher que evitava a maternidade ou a mendiga que, a duras penas, ganhava a vida roubando um pouco de lenha ou manteiga de seus vizinhos (IDEM, 2017, p. 331, grifo nosso).

Nesses termos, a violência contra as mulheres em situação de rua trata-se de uma herança histórica, vinculada a natureza da acumulação primitiva, onde a produção e a reprodução das relações sociais perpassam a força de trabalho feminina inserida ou não nas esferas do trabalho assalariado.

Ao considerarmos o avanço das forças produtivas, o estudo proposto torna-se relevante e atual, à medida que a mundialização do capital engloba diversas conformidades, que mascaram a real natureza dos fenômenos. No Brasil, diversas questões evidenciam a necessidade de organização dos movimentos feministas, especialmente, no período pós golpe político30, quando se aprofundaram as investidas capitalistas no desmonte aos direitos sociais, sobretudo, àqueles referentes ao trabalho e nas disposições desta pesquisa, o aprofundamento da violência contra as mulheres em situação de rua, devido ao avanço do conservadorismo na sociedade.

Assim, pensamos as atuais nuances que perpassam a violência contra as mulheres em situação de rua no contexto brasileiro de modo a enfatizar a necessidade de organização e luta por outro projeto societário enquanto finalidade. Entretanto, o processo revolucionário, ou seja, o movimento de mudanças ocorre nas mais diversas frentes, onde a academia historicamente cumpre função social fundamental, seja na disputa ideológica, seja na formação de novos quadros políticos.

Problematizar a violência contra as mulheres em situação de rua no Brasil a partir da ontologia requer, de antemão, enfatizar a requerida condição da mulher na sociedade de classes, enquanto fenômeno historicamente construído, por assim ser, requer disposição aos movimentos permanentes de construção e desconstrução do fenômeno em questão, autêntico da acumulação primitiva e agravado nos contextos de crises capitalistas.

Destarte, o estudo em tela, é também situado historicamente, pois é construído em um período de avanço do conservadorismo, haja vista o golpe político (de caráter machista),

30 Este estudo foi desenvolvido após o Golpe Institucional no Brasil (2016), quando o atual presidente ilegítimo assumiu a presidência. Concordamos com a análise do caráter machista e racista do golpe, que acarreta diversas consequências em termos políticos, econômicos e sociais na vida das mulheres negras. Mais informações, disponível em:

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instaurado no Brasil (2016)31, que destituiu a Presidenta Dilma Roussef de seu mantado (2011-2016). Nesse contexto, o retrocesso dos direitos trabalhistas, aparecem materializados na proposta burguesa de reforma da previdência32, quando se acirra as expressões da questão social como a pobreza, a desigualdade e a violência. Sendo estas manifestações, instrumentos do trabalho profissional do Serviço Social, a categoria se posiciona em parceria com os movimentos sociais e sindicatos, posto a ofensiva ao Sistema Único de Assistência Social (SUAS), ferramenta fundamental para implementação da Política de Assistência Social, que garante um sistema de serviços necessários para o acesso à direitos sociais básicos, como: trabalho, saúde, habitação, entre outros.

Diante da barbarização generalizada da vida, seja pelo aumento do desemprego, pela precarização e ausência de políticas e serviços púbicos, especialmente, pelo aumento da violência contra as mulheres, nos questionamos: Como se expressa a violência na vida da população em situação de rua, sobretudo às mulheres nesta condição no Brasil? Quais as determinações de gênero na vida dessas mulheres, que se aprofundam no contexto de rua? Qual a garantia de amparo às mulheres em situação de rua? Deste modo, esta pesquisa tem por objetivo geral, analisar a violência contra as mulheres em situação de rua no Brasil contemporâneo.

Assim, na estruturação deste objetivo de estudo, definimos como objetivos específicos: Apreender o fenômeno da população em situação de rua, no âmbito da produção e reprodução capitalista na contemporaneidade; analisar a violência contra a mulher em situação de rua a partir da reprodução na sociedade de classes.

Investigar a violência contra as mulheres em situação de rua no atual contexto brasileiro,

à luz da ontologia, provoca buscar os reais nexos que sustentam essa realidade de forma intensiva na contemporaneidade. Por esses caminhos, reconhecemos a necessidade de

31 Em 31 de agosto de 2016, Dilma Vana Rousseff, a primeira presidenta (reeleita em 2014), sofreu processo de impeachment após aprovação no Senado brasileiro, sob acusação de “pedaladas fiscais”. Tal fato político configurou-se, à vista dos movimentos sociais, como um golpe político institucional, que se iniciou com a abertura do processo na Câmara dos Deputados, presidida por Eduardo Cunha, o qual já estava sendo cassado pelo Conselho de Ética, posto abertura do processo pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Mais informações em: https://www.cartacapital.com.br/politica/senado-aprova-impeachment-e-afasta-dilma-definitivamente. Acesso em

19 set. 2018.

32 Mais informações disponíveis em: https://www.brasildefato.com.br/especiais/tudo-que-voce-precisa-saber-sobre-a-reforma-da-previdencia-de-temer/. Acesso em 22 de agosto de 2018.

(29)

apreender as manifestações de construção das objetividades e subjetividades da mulher fora da esfera formal de trabalho, inserida no cerne da pobreza.

Buscamos analisar a partir da temporalidade histórica as implicações da formação da sociedade capitalista na vida das mulheres em situação de rua, pois ao entender que a existência do “ser mulher” precede a constituição da ordem social vigente, apreende-se as mutações na vida das mulheres a cada contexto histórico e nos desígnios desta pesquisa, da sociedade capitalista contemporânea. Para tanto, nos propomos observar estes contextos sob a ótica da ontologia do ser social, por compreender que esta vertente filosófica é constituída de criticidade, de modo que a historicidade é elemento construtor na formação do ser humano e neste sentido põe em adversidade a tese da possibilidade de emancipação humana dentro da ordem presente.

Há que se demonstrar que não há nada semelhante a uma natureza humana dada de uma vez para sempre, a-histórica; é imprescindível argumentar como o horizonte histórico de possibilidade é limitado única e exclusivamente pela reprodução social, isto é, pela síntese dos atos humanos singulares em formações sociais. Para se contrapor à concepção conservadora segundo a qual aos homens corresponde uma essência a-histórica de proprietários, e que, por isso, não há como ser superada a sociedade capitalista, deve-se comprovar que não há limites ao desenvolvimento humano, a não ser aqueles construídos pelos próprios homens. E esta demonstração apenas pode se dar de forma cabal no terreno da ontologia (LESSA, 2016, p. 11, grifo do autor.).

Destarte, nos propomos ao diálogo com Lukács (1979), pois a análise de determinados processos sociais, ou seja, determinados contextos põe a história como um processo irreversível, pois esta irreversibilidade do tempo trata-se de uma conexão ontológica autêntica de todo ser. Assim, ao optar pelo domínio da ontologia a fim de investigar a questão em tela, nos desafiamos a questionar os limites de humanidade enquanto princípio na ordem social do capital. Isto posto, evidenciamos a barbárie generalizada enquanto intempérie do avanço das forças produtivas e nesta conjuntura, à violência acometida as mulheres e especialmente, às mulheres em situação de rua no contexto brasileiro como produto histórico-social. Por essa via, a partir das contribuições de Karl Marx, a ontologia desvela a construção do ser social a partir do trabalho enquanto categoria fundante.

Por esses fundamentos, apreendemos os subsídios da teoria crítica marxista sob a ótica ontológica, a fim de nos colocarmos a observar o movimento dialético que constrói o objeto proposto, de modo que este raciocínio faz com que o objeto não se esgote em si mesmo. Ademais, é de nossa atenção a aproximação com a esfera cotidiana das mulheres em situação de rua, entendendo-o não de forma isolada, mas como aspecto associado as demais áreas que constituem a gênese da sociabilidade capitalista.

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O método crítico-dialético conforme as concepções ontológicas, nos permite aprofundar a essência dos fenômenos de modo articulado com a esfera econômica. Sob esse prisma, experimentamos investigar a essência da totalidade da vida das mulheres que constituem o fenômeno população em situação de rua.

Ao compreendermos a população em situação de rua como próprio da sociedade capitalista, nos colocamos a observar as condições de vida das mulheres na sociedade de classes, por compreender que a história das mulheres em situação de rua trata-se da história das mulheres ao longo da humanidade, agravada com o surgimento do capitalismo. Por essa via, enfatizamos a centralidade do trabalho, pois o desenvolvimento das forças produtivas irá distinguir as formas e condições das mulheres historicamente.

Assim, visamos aprofundar o conceito de exército industrial de reserva para compreensão do fenômeno população em situação de rua, com ênfase na questão de gênero, visto a funcionalização do corpo enquanto força de trabalho e sua sexualização. Logo, a

violência e as relações patriarcais de gênero são categorias essenciais para a apreensão da

problemática da violência contra as mulheres em situação de rua no Brasil.

A medida que se aprofunda a superpopulação relativa e portanto, a violência enquanto ferramenta intrínseca ao processo de produção e acumulação desse sistema, visamos analisar a exploração do corpo feminino frente a insurgência da sociedade capitalista. Nessa direção, esta pesquisa visa aprofundar a categoria “exército industrial de reserva”, ao correlacionar o trabalho na perspectiva Lukácsiana e, portanto, sua relação com a reprodução, a fim de compreender a complexidade constituinte da violência dirigida às mulheres em situação de rua enquanto resultado do desenvolvimento das forças produtivas, como expressão da exploração do capitalismo.

Assim, a pesquisa em tela é do tipo qualitativa e nos utilizaremos da revisão de literatura e levantamento documental como metodologia de pesquisa. O percurso teórico foi elaborado de maneira que respeitasse o movimento proposto pelo objeto. Por essa lógica, abordamos os teóricos clássicos Karl Marx e György Lukács a fim de respaldar e dialogar com escritores marxistas modernos: Heleieth Saffioti, Angela Davis, Silvia Federici, Marilda Iamamoto, Sergio Lessa, Florestan Fernandes, David Harvey, Raquel Rolnik, José Paulo Netto, Mirla Cisne, Helena Hirata, Danièle Kergoat, Marcia Tiburi, Marilena Chaui, Ricardo Antunes, entre outros/as.

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Para mínima aproximação com a dinâmica da realidade da mulher em situação de rua no cenário brasileiro, a fim de compreender o fenômeno da violência, o percurso metodológico foi elaborado a partir de um levantamento de estudos, em primeiro momento de estudos teóricos: artigos, monografias, dissertações, teses, os quais foram pesquisados por meio das categorias mulheres em situação de rua, violência e trabalho, com ênfase nos estudos produzidos após a Pesquisa Nacional de População de Rua (BRASIL, 2008).

Por conseguinte, foi realizada uma investigação de censos, portarias, políticas, projetos de órgãos públicos (Ministérios, Secretarias, Serviços) em âmbito municipal, estadual e federal, relativos às questões das mulheres e especialmente às mulheres em situação de rua no país, a considerar o período após instituição da Política Nacional de Inclusão à População de Rua (2009), e nas particularidades do Serviço Social, nos foi imprescindível a busca por documentos da profissão, relacionados ao tema de pesquisa proposto.

Ao destacarmos que este estudo tem por finalidade aprofundar o fenômeno em questão, considerando os fatos, particularidades e processos que o compõem (MINAYO, 1999, p. 247), foi utilizado, também, relatos de mulheres em situação de rua, publicados na rede social Facebook, por meio das páginas33 on-line SP INVISÍVEL e RN INVISÍVEL a fim de apreender nas falas algumas

manifestações objetivas e subjetivas da violência contra as mulheres em situação de rua. A escolha das páginas do Facebook citadas, partiu da possibilidade de analisar a violência conferida as mulheres em situação de rua em duas cidades distintas (São Paulo/SP e Natal/RN) e também pela carência de dados atualizados34acerca das mulheres em situação de rua, especialmente, na particularidade de Natal/RN. Para tanto, foram escolhidos seis relatos como amostras, três declarações de mulheres em situação de rua, da página SP Invisível e três declarações de mulheres em situação de rua, da página RN Invisível.

A partir desta introdução, a pesquisa em tela está estruturada em dois capítulos, ambos são inicialmente apresentados, onde escolhemos imagens da artista Harmonia Rosales35, pois

33 As páginas “SP INVISÍVEL” E “RN INVISÍVEL” são um meio de divulgação de histórias de pessoas em

situação de rua nos estados de São Paulo e Rio Grande do Norte, respectivamente. Quanto à administração das páginas, não há vínculo. Ambas funcionam de maneira independente, entretanto têm como objetivos aproximar da sociedade, a realidade de vida da população em situação de rua. Mais informações, disponível em:

https://www.facebook.com/spinvisivel/; https://www.facebook.com/rninvisivel/. Acesso em 29 de julho de 2018; 34

Conforme informações das páginas, os relatos foram publicados em 2017.

35

A artista Harmonia Rosales, de descendência latina e africana, recria pinturas de grandes artistas como Leonardo da Vinci e Michelangelo, com propósito de repensar o olhar acerca da realidade. As imagens aqui escolhidas, são

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