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2 POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA: UM FENÔMENO INERENTE À

2.2 POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA: UMA DAS FACES DA DESIGUALDADE

Vinha caminhando só porque só sou Eu e meu cavalo de ferro, entre prédios Eu e meu corpo embaçado Meu bolso fechado, a minha fala arrastada De quem não sabe dizer direito das coisas do peito Eu e meu corpo entrelaçados Na cidade, não no interior Na cidade não, no interior Mas ainda assim, dentro, muito mais dentro Muito mais atento à mudanças de clima e temperamento Na cidade, não no interior Na cidade não, no interior. (Chico Ribeiro Eller)

Estudos58 da Organização das Nações Unidas (ONU) revelaram que o Brasil é o quinto país mais desigual do mundo. Esta posição destaca a exorbitante desigualdade social no país. Tal informação nos faz refletir acerca da relação entre a concentração de renda e a pobreza no Brasil, onde pessoas em situação de rua não estão inseridas em tais estatísticas, em virtude da coleta destas por meio de pesquisas domiciliares 59.

Nessa perspectiva, refletimos o lugar onde se encontra a população em situação de rua no pauperismo brasileiro, ao considerar que as cidades historicamente refletem as contradições do capitalismo, pois é o lugar de maior circulação e acumulação de capital. Deste modo, a população em situação de rua, caracteriza-se, conforme Silva (2009), um fenômeno essencialmente urbano, dos quais, a autora considerou como um de seus aspectos.

O terceiro aspecto característico do fenômeno é sua localização nos grandes centros urbanos [...] em primeiro lugar, é preciso lembrar que a circulação do capital ocorre 58 Notícia em: https://nacoesunidas.org/brasil-esta-entre-os-cinco-paises-mais-desiguais-diz-estudo-de-centro-da- onu/. Acesso em 20 de maio de 2018.

59A pesquisa foi realizada através do Instituto de Pesquisa Econômica (IPEA) para o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (IPC-IG/PNUD). Documento completo (inglês) disponível em:

com maior intensidade nos grandes centros urbanos. Com isso, as alternativas de trabalho para garantir a subsistência diária são favorecidas, ainda que sejam precárias, como as acessíveis às pessoas que fazem da rua espaço de moradia e sustento. Além disso, nos grandes centros urbanos, as possibilidades de geração do trabalho e renda por iniciativa própria ou por meio de grupos organizados, cooperativas, associações ou outras organizações sociais não governamentais, são mais diversificadas (SILVA, 2009, pp. 116-117, grifo da autora).

A maior circulação de capital nas cidades aponta esse cenário como “palco da luta de classes”, ou seja, de disputas protagonizadas pelos “donos das cidades” na cena contemporânea: o mercado imobiliário, o qual faz da cidade uma espécie de “grande negócio” 60. Por outro lado, a classe trabalhadora, especialmente àqueles inseridos no contexto de miséria e pobreza, resistem às diversas formas de carência, seja no âmbito dos direitos, seja das necessidades básicas de vida. A violência aparece como expressão latente das contradições no cenário urbano, onde a pobreza configura-se de modo a responsabilizar os indivíduos pelas condições as quais se encontram. Esta é uma das nuances ideológicas também imbrincadas nas configurações das políticas públicas neoliberais. Assim, a pobreza:

Foi e é enfrentada com o incentivo ao “empreendedorismo” (um “novo consenso”), estimulando trabalhadores a investirem em seus próprios negócios, tendo como incentivo a concessão de créditos para o financiamento e o outro estímulo foram os programas de geração de renda, que pouco tiveram incidência na situação de pobreza dos trabalhadores desempregados. A precariedade, a flexibilização das relações trabalhistas, reforçam a vulnerabilidade da classe trabalhadora. Muitos trabalhadores viraram “donos dos seus próprios negócios” ou trabalhadores autônomos – e isso significa inserção informal no mercado de trabalho, ou seja, sem os direitos trabalhistas assegurados (SIQUEIRA, 2011, p. 75).

Nota-se como o capital reveste a centralidade das problemáticas próprias da sua dinâmica. Destarte, a pobreza é dissociada das matrizes da acumulação capitalista e passa a ser considerada como um “desajuste” ou uma “disfunção social” e como tal, deve ser resolvida de forma paliativa (SIQUEIRA, 2011). Neste contexto, os sujeitos são culpabililizados e criminalizados e o âmbito privado via terceiro setor se destaca na cena urbana como “redentores” desses indivíduos, que tem seus direitos sociais cada vez mais distantes da sua realidade, visto que o Estado se ausenta e responde a “nova ordem”. Esta conjuntura, coloca a população em situação de rua como o grupo que “habita o inferno” do pauperismo. Marx

60Termo utilizado por Ermínia Maricato, ao afirmar que: “Mas a cidade também não é apenas reprodução da força de trabalho. Ela é um produto ou, em outras palavras, também um grande negócio, especialmente para os capitais que embolsam, com sua produção e exploração, lucros, juros e rendas. Há uma disputa básica, como pano de fundo, entre aqueles que querem melhores condições de vida e aqueles que visam apenas extrair ganhos”

(2008), considerou-o como àquele segmento que corresponde à terceira categoria, os mais miseráveis, os “desvalidos”:

[...] os operários e operárias a quem o desenvolvimento social, por assim, dizer, desvalorizou, suprimindo a obra por miúdo, fracionada que, pela visão do trabalho, era o seu único recurso; depois os que por desgraça, ultrapassam a idade produtiva do assalariado, e por último as vítimas diretas da indústria, enfermos, mutilados, viúvas, etc., cujo número se eleva com os das máquinas perigosas, as minas, as manufaturas químicas, etc. (MARX, 2008, p. 207).

Percebemos então, as múltiplas determinações que constituem o exército industrial de reserva, as quais se apresentam de modo a refletir as causas estruturais da problemática em relação aos novos formatos postos sobretudo, pela acumulação primitiva nas cidades, caracterizada pela flexibilização das forças produtivas inserida no conjunto de mudanças no “mundo do trabalho”. Na realidade brasileira, a complexidade deste fenômeno engloba um conjunto de fatores condizentes a:

Fatores estruturais (ausência de moradia, inexistência de trabalho e renda, mudanças econômicas e institucionais de forte impacto social etc.);

Fatores biográficos, ligados à história de vida de cada indivíduo (ruptura dos vínculos familiares, doenças mentais, consumo frequente de álcool e outras drogas, infortúnios pessoais – mortes de todos os componentes da família, roubos de todos os bens, fuga do país de origem etc.);

E, ainda, em fatos da natureza ou desastres de massas – terremotos, inundações etc. (SILVA, 2009, p. 105, grifo nosso).

Esses determinantes transparecem as nuances da população em situação de rua, que se revela como um grupo heterogêneo. Haja vista sua concentração nos centros urbanos, essa população abarca aspectos estruturantes que apontam a pobreza extrema, o rompimento ou fragilização de vínculos familiares e a inexistência de moradia convencional regular como condições da classe trabalhadora (SILVA, 2009). Essas circunstâncias condizem a cruel realidade da pobreza nas cidades brasileiras, onde cresce substancialmente o número de pessoas em situação de rua.

Estimativas 61 do Instituto Brasileiro de Pesquisas e Estatísticas (IPEA) apontou aproximadamente 101 mil pessoas em situação de rua no Brasil em 2015. Paralelamente, dados

61

Os dados são de 2015, e demonstra a desatualização das informações com relação a população em situação de rua no Brasil.

do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), apresentou 13,5 milhões de brasileiros desempregados no país no segundo semestre de 2017. A notícia62 referente a estes dados faz uma relação entre o número de desempregados e o aumento de pessoas em situação de rua, pois a ausência de trabalho impede o pagamento de alugueis, realidade de grande parte da classe trabalhadora no tocante ao acesso à moradia.

Essa realidade em sua essência, revela os desdobramentos da crise de superacumulação capitalista no cenário urbano, a qual coloca a população em situação de rua a margem das variadas expressões da pobreza, resultante das contradições do trabalho em um país perifericamente situado na geografia global que atenua a separação entre viver e trabalhar, a qual David Harvey (1982) 63 problematiza. Tal dicotomia expressa os conflitos que a acumulação capitalista constrói no espaço geográfico e coloca o trabalhador a mercê de uma série de dilemas entre a vida e o trabalho, em razão da acumulação privada abranger a concentração da renda que resulta em um “monopólio natural” do espaço urbano (IDEM, 1982). Fundamentando-se nestas reflexões, observa-se a situação da superpopulação relativa frente a monopolização do espaço urbano no cenário brasileiro, que se estende no cerceamento

das cidades, onde a violência é o principal instrumento de controle do Estado. A ineficiência das políticas públicas no que concerne à complexidade da vida das pessoas em situações de rua exprimem as lacunas da construção do espaço urbano, especialmente os hiatos entre as políticas de trabalho e moradia. São nesses vazios que o projeto burguês de cidade exclui, segrega e extermina àqueles considerados não merecedores para tal concepção de cidade. Inclui-se nesse contexto todos àqueles grupos chamados de “minorias 64 ”: população em situação de rua, população negra, lésbicas, gays, travestis, mulheres.

62

A informação traz dados referentes a população em situação de rua na cidade de São Paulo, conforme o censo realizado pela Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social- SMADS que estima que 15,905 pessoas

estejam em situação de rua na cidade. Disponível em:

http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/assistencia_social/observatorio_social/2015/censo/FIP. pdf.Acesso em 21 de maio de 2018. Na cidade do Rio de Janeiro, dados de 2017 da Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos (SMASDH), calculam que 15 mil pessoas se encontrem em situação de rua. Disponível em: http://observatorio3setor.org.br/carrossel/desemprego-impulsiona-aumento-da-populacao- em-situacao-de-rua/. Acesso em 21 de maio de 2018.

63 Disponível em: https://www.passeidireto.com/arquivo/10807419/trabalho-capital-e-conflito-de-classes--- david-harvey. Acesso em 23 de maio de 2018.

64Neste estudo, utilizamos o termo “minorias” pejorativamente, pois abordamos que essas “minorias” constituem parte

majoritária da população brasileira, ou seja, da classe trabalhadora. Esta terminologia reafirma as interfaces da ideologização burguesa a fim de camuflar a realidade.

São diversas as maneiras utilizadas para conter as expressões oponentes ao projeto burguês de cidade. As políticas segregacionistas, dividem o espaço urbano de modo a construir a falsa ideia de duas cidades em um mesmo território. Geograficamente, os sujeitos são separados conforme sobretudo, sua condição de classe, já que a questão urbana é essencialmente a questão da luta de classes. A lógica classista é projetada em cada parte do tecido urbano:

O núcleo urbano torna-se, assim, produto de consumo de uma alta qualidade para estrangeiros, turistas, pessoas oriundas da periferia, suburbanos. Sobrevive graças a este duplo papel: lugar de consumo e consumo de lugar. Assim, os antigos centros entram de modo mais completo na troca e no valor de troca, não sem continuar a ser valor de uso em razão dos espaços oferecidos para atividades específicas. Tornam-se centros de consumo. O ressurgimento arquitetônico e urbanístico do centro comercial dá apenas uma versão apagada e mutilada daquilo que foi o núcleo da antiga cidade, ao mesmo tempo comercial, religioso, intelectual, político, econômico (produtivo) (LEFEBVRE, 2001, p. 20).

A partir desta estruturação das cidades, onde os centros urbanos representam o lugar de produção e consumo, a classe trabalhadora vive cotidianamente a dicotomia entre o trabalho e a moradia, pois a maioria dos sujeitos/as que vendem sua força de trabalho nos centros urbanos, residem, vivem nas regiões mais afastadas das cidades, os chamados subúrbios65. Por essa ótica, os equipamentos urbanos, os serviços públicos atendem as demandas dos centros e das áreas privilegiadas, de modo que ideologicamente essas incoerências refletem os conflitos da cidade, que “[...] é a forma reificada dessas relações, mas também do amadurecimento das contradições que lhes são próprias. É a unidade dos contrários, não apenas pelas profundas desigualdades, mas pela dinâmica da ordem e da explosão” (IASI, 2013, p. 41). Nesta realidade, a questão da moradia é central pois irá perpassar sua relação intrínseca e contraditória com o trabalho na lógica constituinte do cenário urbano.

Na era da financeirização, o aumento do desemprego também eleva o número de famílias que ficam sem acesso à moradia66 frente à vasta especulação imobiliária. Nota-se uma

65Lefebvre (2001), caracteriza os subúrbios como “[...] foram criados sob a pressão das circunstâncias a fim de responder ao

impulso cego (ainda que motivado e orientado) da industrialização, responder à chegada maciça dos camponeses levados para os centros urbanos pelo “êxodo rural [...] Os subúrbios são urbanos numa morfologia dissociada, império da separação e da cisão entre os elementos daquilo que foi criado como unidade e simultaneidade.” (LEFEBVRE, 2001, pp. 24-28).

66 Dados da Fundação João Pinheiro mostra o aumento do déficit habitacional nas cidades brasileiras. Principal motivo seria o aumento do aluguel devido à especulação imobiliária. Mais informações disponíveis em:

mudança no perfil da população de rua conforme o agravamento da crise capitalista, quando famílias67 passam a constituir a superpopulação relativa e fica à mercê do Estado, que aparece sob um conjunto de arranjos, os quais aprofundam o nexo excludente da cidade, e infere no cotidiano da vida urbana, de forma que a consciência burguesa da cidade aparece no cotidiano através da violência. Nestes termos, Siqueira (2011) destaca o território ou a territorialidade como fundamental para compreensão das expressões da pobreza em determinadas localidades, porém de modo que a questão social apresenta antemão uma questão de classe, pois conforme a autora “ [...] Uma coisa é incluir a noção de território para dotar de mais e mais ricas determinações a questão da pobreza, outra coisa é imaginar que sua gênese possa ser explicada a partir das dimensões territoriais” (SIQUEIRA, 2011, p. 251).

É sob essa ótica que observamos a população em situação de rua como fenômeno próprio da sociedade capitalista, portanto, expressão radical da questão social que se apresenta especialmente nos centros urbanos, dada a maior circulação de capital, logo de organização política. É nesse espaço de disputa, que o fazer política surge precisamente devido às nuances da condição de pobreza extrema, a violência cotidiana põe esses indivíduos entre as alternativas apresentadas pela consciência da cidade68: a passividade ou a luta, pois:

Na unidade de contrários que é a cidade, a ordem e a inquietação estão unidas por mediações que ligam os dois polos da contradição, operando tanto no sentido de controlar, reprimir ou neutralizar as contradições nos limites da ordem estabelecida como real. Essas mediações agem por meio de diferentes mecanismos de defesa do 67 "Hoje você vê muitas famílias que vão com a barraquinha para o meio da rua. Você percebe que são pessoas que teriam condições de trabalhar, mas perderam o emprego e entregaram a casa", afirma Kaká Ferreira, 63 anos, fundador do Núcleo Assistencial Anjos da Noite, que há 27 anos distribui comida, roupas e ações de resgate de autoestima as pessoas em situação de rua de São Paulo, além de ser o idealizador da já tradicional ceia de Natal que é realizada para os moradores há anos no Pateo do Collegio, no centro da cidade. ” As informações encontradas surgem de diálogos expressos em notícias. É importante observar que a maioria das falas pertencem a pessoas que trabalham com pessoas em situação de rua através de trabalho voluntário ou profissionais de organizações não-governamentais. Disponível em: http://www.esquerdadiario.com.br/Cresce-o- numero-de-familias-em-situacao-de-rua. Acesso em 22 de maio de 2018;

Disponível em: http://www.valor.com.br/brasil/4831060/crise-leva-mais-familias-morar-na-rua. Acesso em 22 de maio de 2018.

68

Neste estudo, utilizamos a expressão “consciência da cidade” com base nas contribuições de IASI (2013), pois afirma que a consciência da classe trabalhadora, assume a consciência imediata da realidade. Deste modo, acrescenta que a “[...] A forma histórica da sociabilidade burguesa se apresenta como realidade à qual temos de nos submeter, reprimindo nossos impulsos. Submetidos à serialidade e à consciência reificada, acordamos de manhã, tomamos o ônibus e pagamos pelos bens e serviços utilizando o equivalente geral na forma monetária, do mesmo modo que o adquirimos vendendo nossa força de trabalho. O imediato não se apresenta à consciência como uma forma particular – a forma capitalista de produção e reprodução da vida-, mas como “a vida” em si (IASI, 2013, p. 42).

ego que atua nos indivíduos e que se manifesta na fuga, na racionalização, na repressão do desejo, no deslocamento, na sublimação, na luta. O cotidiano é o campo dos mecanismos de adaptação e a luta não é a regra (IASI, 2013, p. 43).

Desse modo, o surgimento do Movimento Nacional de População de Rua (MNPR), representou o “fugir à regra” das determinações postas pela sociabilidade no espaço urbano, e essencialmente, das contradições que permeiam a vida das pessoas em situação de rua. Nos cabe ressaltar o fato político gerado a partir da iniciativa de organização dessa população, que ganha voz ao questionar a ausência de direitos básicos e denunciar a violência cometida à população em situação de rua diariamente, sendo estas as principais pautas do movimento.

Notamos que a violência a que é cometida à população em situação de rua, aparece sob diversos aspectos a partir de duas vias, ambas imbrincadas no projeto burguês de cidade: a violência perpetuada pelo Estado através da violação de direitos e a violência urbana, propagada pela própria ideologia burguesa da cidade69 . Neste contexto, condizem os casos70 em que pessoas em situação de rua são incendiadas enquanto dormem nas calçadas de lojas comerciais, a retirada de cobertores, a serem acordados/as com jatos de água durante o inverno, a proibição de acesso à órgãos públicos devido sua aparência, além da ausência de direitos sociais básicos.

69Nesta pesquisa, utilizaremos o termo “ideologia burguesa da cidade” para nos referir a ideologia dominante, que orienta os processos de construção das cidades, hoje, permeada pela influência do capital imobiliário. Nesses aspectos, consideramos Chaui (2013), ao afirmar que: A ideologia é um conjunto lógico, sistemático e coerente, de representações (ideias e valores), e de normas ou regras de conduta que indicam e prescrevem aos membros de uma sociedade o que devem pensar, o que devem valorizar e como devem valorizar, o que devem sentir e como devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer. Ela é, portanto, um conjunto de ideias ou representações com teor explicativo (ela pretende dizer o que é a realidade) e prático ou de caráter prescritivo, normativo, regulador, cuja função é dar aos membros de uma sociedade dividida em classes uma explicação racional para as diferenças sociais, políticas e culturais, sem jamais atribuí-las à divisão da sociedade em classes, determinada pelas divisões na esfera da produção econômica. Pelo contrário, a função da ideologia é ocultar a divisão social das classes, a exploração econômica, a dominação política e a exclusão cultural, oferecendo aos membros da sociedade, o sentimento de uma mesma identidade social, fundada em referências unificadores, como por exemplo, a Humanidade, a Liberdade, a Justiça, a Igualdade, a Nação (CHAUI, 2013, p. 72).

70À exemplo dos casos em Brasília (DF), onde “atear fogo em morador de rua” é aula de “como cometer um

crime”. Disponível em:

https://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2013/08/01/interna_nacional,430162/homens-ateiam-fogo-em- morador-de-rua-em-brasilia.shtml. Acesso em 16 de julho de 2018.

No centro de São Paulo, “homem ateia fogo em morador de rua”. Disponível em

http://videos.band.uol.com.br/14223949/homem-ateia-fogo-em-morador-de-rua-no-centro-de-sao-paulo.html. Acesso em 16 de julho de 2018.

Em Belo Horizonte, “Jovens ateiam fogo em morador de rua em Belo Horizonte”. Disponível em:

http://videos.band.uol.com.br/14223949/homem-ateia-fogo-em-morador-de-rua-no-centro-de-sao-paulo.html. Acesso em 16 de julho de 2018.

Tais circunstâncias desvelam importantes concepções que sustentam a criminalização da pobreza como norma para o apaziguamento das contradições de classe da ordem capitalista. A prática de linchamentos, que ganha cada vez mais notoriedade na sociedade intenta o ditado “fazer justiça com as próprias mãos”, como resposta à “desordem social” causada pelos grupos subalternizados.

Siqueira (2011), destaca que uma das nuances da criminalização da pobreza na sociabilidade capitalista é tratar a população pobre como “marginal”, sendo este um termo de influência da lógica positivista/pós-moderna que parte de uma análise dissociada da complexidade que envolve os