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2 POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA: UM FENÔMENO INERENTE À

2.3 A VIOLÊNCIA CONTRA A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA NO BRASIL

Por mais um dia, agonia, pra suportar e assistir Pelo rangido dos dentes, pela cidade a zunir E pelo grito demente que nos ajuda a fugir

Deus lhe pague... (Chico Buarque de Holanda)

Dados de violência contra a população em situação de rua no Brasil são cada vez mais crescentes. Em 2017, foram inúmeros os casos de “pauladas, pedradas, corpos queimados, envenenamentos...”, além daqueles que não aparecem nas estatísticas e/ou notícias. Conforme o Centro Nacional de Defesa dos Direitos Humanos da População de Rua e dos Catadores de Materiais Recicláveis (CNDDH), o Estado é o principal agente violador de direitos dessa população, que a mercê de acesso às políticas transversais, as quais garantiriam responder a complexidade da questão, fica exposta à violência urbana.

Frente à omissão Estatal, que tem suas razões na relação com a propriedade privada, atenua- se a ideia de liberdade dos indivíduos de resolver os conflitos de forma autoritária. Em sua maioria, essas providências também estão entrelaçadas com a defesa do patrimônio privado. As ocorrências de violência contra a população em situação de rua enquanto dormiam em calçadas de estabelecimentos comerciais, além dos casos de vidros ou ferros pontiagudos,

arames75, utilização de grades76 nas calçadas de lojas ou condomínios para que essas pessoas possam descansar ou dormir, são exemplos de “medidas de proteção” do patrimônio privado.

Essas soluções utilizadas pelos cidadãos77 não surgem ocasionalmente ou de forma isolada, embora assim sejam divulgadas ou vistas por representantes de órgãos públicos78. Tais respostas tem seus fundamentos arraigados no autoritarismo fundante na formação social brasileira, caracterizada pela “exploração, discriminação e dominação, e que,

imaginariamente, estruturam a sociedade sob o signo da nação una e indivisa, sobreposta como um manto protetor” (CHAUI, 2013, p. 55). Para a filósofa, não só o Estado brasileiro é autoritário, mas toda a sociedade assim é, pois em todas as suas esferas, ela é estruturada de maneira hierarquizada.

Conservando as marcas da teologia do direito natural objetivo, ou da ordem hierárquica imposta ao mundo por Deus, e da sociedade colonial escravista, ou aquilo que alguns estudiosos, designam como “cultura senhorial”, a sociedade brasileira é marcada pela cultura hierárquica do espaço social que determina a forma de uma sociedade fortemente verticalizada em todos os seus aspectos: nela, as relações sociais e intersubjetivas são sempre realizadas como relação entre um superior, que manda, e um inferior que obedece. As diferenças e assimetrias são sempre transformadas em desigualdades que reforçam a relação mando-obediência. O outro jamais é reconhecido como sujeito de direitos, jamais é reconhecido como subjetividade, nem como alteridade (CHAUI, 2013, pp. 131-132).

Para a autora, a opressão é uma expressão clara das relações sociais desiguais. Nessa perspectiva, o autoritarismo é algo fundante na história do Brasil, constituída por concepções liberais, as quais naturalizam racismo, violência de gênero, violência à população LGBTI+ e demais grupos considerados “inferiores” conforme o padrão estabelecido pela sociedade burguesa. Outra característica que nos é importante refere-se às relações privadas estabelecidas, que escamoteia os direitos civis, pois a lógica de favoritismo e sujeição dificultam ultrapassar os limites da ordem.

75 Disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/para-afastar-morador-de-rua-predios-no-rio-retiram-marquise-usam- ate-arame-farpado-21680773. Acesso em 28 de maio de 2018.

76 Disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/para-afastar-morador-de-rua-predios-no-rio-retiram-marquise-usam- ate-arame-farpado-21680773. Acesso em 28 de maio de 2018.

77Em paralelo à população em situação de rua que é estigmatizada como “marginais”, “vagabundos”, são vistos como

Os fundamentos do direito têm suas matrizes na constituição da propriedade privada, estabelece assim, uma relação com a econômica. Inferimos, portanto, pelo nexo ontológico, a economia e o direito enquanto mediações importantes a sociabilidade capitalista, entretanto, com diferentes funções. “[...] O direito é ainda mais nitidamente um pôr do que a esfera e os atos da economia, já que só surge numa sociedade relativamente evoluída, com o objetivo de consolidar de modo consciente, sistemático, as relações de dominação, de regular as relações econômicas entre os homens etc.” (LUKÁCS, 2012, p. 269).

Na sociedade capitalista, o direito burguês confere as normas que “administram” as relações humanas, ou seja, de modo mais proveniente, as relações de classe. É desse domínio que surgem a moral e a ética como mediação da ideologia dominante, pois também tem suas balizas na propriedade privada via concentração da terra. À exemplo disto, ao pensarmos acerca das sociedades primitivas, as relações eram estabelecidas sem a ideia de servidão, embora estruturas como o patriarcado79 já apresentasse conotações nessas épocas, essa organização veio a tornar-se a pilar para outros sistemas do capitalismo emergente no início do século XIX (MARX, 2012).

Na realidade brasileira, observamos determinadas particularidades essenciais para a apreensão da ética e da moral no contexto contemporâneo, as quais são imprescindíveis nas análises acerca da violência direcionada às mulheres em situação de rua.

Nos interessa identificar as minúcias significativas da formação social do Brasil que potencializa as concepções morais e éticas, as quais sustentam práticas violentas contra a população em situação de rua e grupos subalternizados. Neste sentido, o regime escravocrata tem profunda interposição no que diz respeito as expressões do racismo na realidade atual. Observar esse momento histórico é basilar para a aproximação da realidade de uma população em que é constituída em grande maioria por negros/as. Notamos que muitas das reproduções preconceituosas em sua essência carregam a herança histórica da escravidão, pois:

79Nos termos de Delphy (2009): “‘Patriarcado’ vem da combinação das palavras gregas pater (pai) e arkhe (origem e comando). Essa raiz de duplo sentido se encontra em arcaico e monarquia. Para o grego antigo, a primazia no tempo e a autoridade são uma só e a mesma coisa. Portanto, o patriarcado é literalmente a autoridade do pai. Como o pai é forçosamente o primeiro e a origem em relação às gerações seguintes, a adição de pater com arkhe redobra a autoridade da origem, considerada uma evidência no termo arqui – e evidente na palavra grega archontes (descendentes das primeiras famílias instaladas num lugar e dirigentes da comunidade). Mas a palavra pater em si

– a mesma em sânscrito, grego e latim – não designa o pai no sentido contemporâneo. Esse papel é preenchido pelo genitor – genitor. A palavra pater tinha um outro sentido [...] na língua do Direito [aplicava-se] a todo homem que não dependia de nenhum outro e que tinha autoridade sobre uma família e um domínio (Fustel de Coulanges, 1864). A palavra “patriarcado” comporta, portanto, triplamente a noção de autoridade e nenhuma noção de filiação biológica” (DELPHY, 2009, p. 174).

O quarto aspecto característico é o preconceito como marca do grau de dignidade e valor moral atribuído pela sociedade às pessoas atingidas pelo fenômeno. Em todas as épocas e lugares sempre houve discriminações pejorativamente utilizadas pela sociedade para designá-las são exemplos do preconceito social existente: “mendigos”, “vagabundos”, “maloqueiros”, “desocupados”, “bandidos”, “contra- ventores”, “vadios”, “loucos”, “sujos”, “flagelados”, “náufragos da vida”,

“rejeitados”, “indesejáveis”, “pedintes”, “encortiçados”, “toxicômanos”, “maltrapilhos”, “psicopatas”, “carentes”, “doentes mentais”, entre outros (SILVA, 2009, p. 119, grifo da autora).

Como mencionado por Silva (2009), a população em situação de rua em toda a história

é aludida de forma desdenhosa. É imprescindível não abordar os novos formatos do racismo sob a prisma do racismo velado que carrega muito do velho. “O mito da democracia racial” sob

diversos arranjos enraizava a ideia de “ajustamento social” que hoje é um instrumento predominante para a falsa ideologização de uma sociedade igualitária (FERNANDES, 2008). São nessas adaptações que o imperativo da meritocracia ganha destaque e individualiza as expressões da questão social de maneira dissociada da totalidade que abarca os fenômenos.

Para tanto, Fernandes (2008) aborda elementos que desmistificam a ideia de “somos todos iguais” ao destacar que na sociedade brasileira, o abolicionismo não acabou com o racismo. Porquanto, à medida que se deu o desenvolvimento das forças produtivas, novos valores foram embrincando-se na esfera da vida social, entretanto, ideais arcaicos permaneceram, sobretudo nas inferências das novas formas de trabalho.

“[...] sob a aparência da liberdade, herdaram a pior servidão, que é a do homem que se considera livre, entregue de mãos atadas a ignorância, à miséria, à degradação social, [...] perdidos uns para os outros, no estreito e sombrio mundo social, que puderam recriar para si sob a escravidão, não compartilhavam dos laços de interdependência, de responsabilidade e de solidariedade que integram fortemente os homens, nos pequenos ou nos grandes agrupamentos sociais. Como se nascessem naquele momento para a vida, teriam de gravitar no lodo, e nele construir o ponto de partida de sua penosa ascensão ao trabalho livre. A sociedade de classes se torna uma miragem que não lhes abre de pronto nenhuma via de redenção coletiva. Não lhes facilita sequer, a subsistência, o esquecimento das supremas humilhações sofridas no passado remoto ou recente, dignidade da pessoa humana” (FERNANDES, 2008, pp. 76-77).

Nessa perspectiva as expressões atuais do racismo no Brasil, por exemplo, revelam as contradições de uma sociedade que progrediu economicamente, entretanto não rompeu com determinados princípios. Desde então, percebe-se que é falacioso o discurso de “direitos iguais” (como previsto na constituição), na sociedade democrática. Esta sociabilidade é movida por variados dispositivos que perpetuam valores, os quais foram construídos sobretudo, a partir das relações de produção de cada época.

Sobre a condição da mulher em situação de rua, apreende-se que esses estigmas são aprofundados por fundamentações moralizantes que refletem um Estado, o qual deixa a desejar quanto à sua laicidade. Essa problemática é expressa nos estigmas materializados na reprodução preconceitos como “loucas”, “vadias”, vagabundas.

[...]percebiam que eram vistas com preconceito e estigma e que a comunidade as considerava como pessoas de pouco valor social, que escolheram morar na rua, a despeito de terem um lar. Que não valorizavam a vida em família, que eram pessoas desonestas, com índole má e que eram desocupadas (VILLA et al., 2017, p. 2.126). Esses estigmas atravessam as políticas públicas para população em situação de rua, de modo que ainda não há políticas específicas para mulheres nesta condição. Ademais, as políticas existentes reforçam o caráter seletivo e excludente do Estado no que concerne a população inserida no cerne da pobreza.

As políticas higienistas conferidas à população em situação de rua nos dias atuais, reproduzem os processos históricos em que a limpeza urbana era direcionada também aos indivíduos que não se encaixavam no padrão estabelecido, ou que foram até considerados como responsáveis por disseminar pragas, à exemplo do período que antecede a reforma sanitarista, quando o modelo higienista se apresentou com uma alternativa de limpeza urbana/social. Essa prática, situava pessoas em situação de rua no mesmo ramo que pessoas com problemas de saúde mental, catadores de materiais recicláveis e usuários de álcool e outras drogas, de forma que a política higienista se apresentou/apresenta como uma resposta às “patologias” da pobreza.

A ‘Cracolândia’ na cidade de São Paulo é um cenário que representa essa dimensão ainda presente. Conforme Robson, representante do Movimento Nacional de População de Rua de São Paulo, em entrevista80, afirmou que “a atual gestão está preocupada em fazer centro de formação de vagabundo”, e acrescenta que como alternativa, o município deveria oferecer políticas públicas de trabalho e moradia. Há uma grave inversão do viés política pública, quando questões de saúde, trabalho, moradia são tratadas apenas como “caso de polícia”.

Ademais, a ‘cracolândia’ simboliza substancialmente, os movimentos de afastamento e “exclusão” da política urbana, conforme a lógica burguesa da cidade que age de forma sempre conivente com os interesses de classe.

É bom lembrar que, embora ali já existisse um foco de tráfico de drogas e a presença de população de rua, o que foi fundamental para que o bairro se deteriorasse foi a ação

80 Disponível em https://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,os-moradores-de-rua-imp-,882415. Acesso em 29 de maio de 2018.

da própria Prefeitura, que em 2007 fechou o Shopping Luz e, em 2010, demoliu esse prédio e outros imóveis, deixando a região em ruínas. Além disso, a manutenção do bairro, como a coleta do lixo e a reforma permanente de espaços públicos, necessárias para manter a qualidade de qualquer lugar, foi sendo negligenciada. Foi justamente nesse processo que o bairro virou a “cracolândia”, atraindo para lá também pessoas negligenciadas, abandonadas, envolvidas pela drogadição do álcool e do crack (ROLNIK, 2017, [n.p.]).

Interessante observarmos os “depósitos de gente” construídos a partir da territorialização segregacionista do espaço urbano que oculta a pobreza e propõe a milícia como alternativa. As corriqueiras abordagens violentas designam os preconceitos historicamente construídos, direcionados à população em situação de rua. As mulheres inseridas nesse contexto, vivenciam de forma latente, a lógica de exclusão constituinte da estrutura machista das cidades.

No poema “Não Somos Lixo”81, Carlos Eduardo Ramos (Cadu) descreve o tratamento desumano direcionado às pessoas em situação de rua. Ao afirmar “Não somos lixo, não somos lixo nem bicho, somos humanos”, entendemos que esse preconceito abarca uma natureza animalesca e de descartabilidade. Retoma o período escravocrata, quando foi introduzida uma ideia de “selvageria82” ou “primitivo” ao povo negro (DAVIS, 2016). Por esta ótica, nos faz pensar acerca de outras expressões como “feitos burros de carga”, quando nos referimos ao “trabalho escravo” que sob outras nuances ainda é uma realidade.

É sob esses pilares que a cidade reproduz cotidianamente sua “face” autoritária, quando a práticas de “fazer justiça com as próprias mãos” tem seus fundamentos no desenvolvimento das forças produtivas, pois mudam-se as configurações do trabalho, que estabelece a reprodução da vida social, visto que o indivíduo e a sociedade estabelecem uma relação de dependência que se opera nos termos ontológicos, no momento da prévia ideação e da objetivação, de modo que genericamente essa mediação se estabelece através da consciência83.

81 Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/documentos/Lucia_Poema.pdf. Acesso em: 29 de maio de 2018.

82

Davis (2016), usa o termo “selvagens” com relação ao modo como eram tratadas as mulheres negras, de modo que a “selvageria” estava relacionada a sexualização da mulher negra na escravidão. Por conseguinte, essa terminologia também repercutiu na vida do homem negro. Essa expressão remetia à “não evolução” do povo negro, de modo que não eram considerados humanos. Essas expressões serão aprofundadas mais à frente, no item “A mulher em situação de rua no sistema de (re)produção.

83

Mais à frente nos propomos a aprofundar esta categoria, haja vista a necessidade de entender a construção das subjetividades das mulheres em situação de rua na realidade brasileira.

Falamos hoje de uma realidade brasileira em que a flexibilização do trabalho na era da mundialização do capital, também flexibiliza as relações sociais e a fetichização da mercadoria fetichiza as relações sociais, pois,

Na sociedade burguesa, quanto mais se desenvolve a produção capitalista, mais as relações de produção se alienam dos próprios homens, confrontando-os como potências externas que os dominam. Essa inversão de sujeito e objeto inerente ao capital como relação social, é expressão de uma história da auto-alienação humana. Resulta na progressiva reificação das categorias econômicas, cujas origens se encontram na produção mercantil. O pensamento fetichista transforma as relações sociais, baseadas nos elementos materiais da riqueza, em atributos de coisas sociais (mercadorias) e converte a própria relação de produção em uma coisa (dinheiro) (IAMAMOTO, 2010, p. 48).

É da natureza do capitalismo a coisificação da vida. Assim, o trabalho se apresenta cada vez mais desumano à medida que a partir da exploração e da precarização, as relações irão se apresentar cada vez mais distorcidas e fragilizadas. Na era da informação, acentuam-se os princípios individualistas e disputas postas pela ideia de “quem tem mais é melhor”, provocada pela cultura do capitalista do consumo.

Mas é insuficiente determo-nos apenas nesse tipo de reflexão. Ao lado daquele dado originário, vigora outra força que garante a perpetuação da cultura capitalista. É o fato de nós, a maioria da sociedade, internalizarmos os “valores” e o propósito básico do capitalismo que é a expansão constante da lucratividade que permite um consumo ilimitado de bens materiais. Quem não tem, quer ter, quem tem, quer ter mais e quem tem mais diz: nunca é suficiente. E para a grande maioria, a competição e não a solidariedade e a supremacia do mais forte prevalecem sobre qualquer outro valor, nas relações sociais, especialmente, nos negócios (BOFF, 2015, [n.p.]).

Além da criminalização dos sujeitos mais subalternizados e da reprodução de valores que acirram as contradições de classe, há a formação de uma consciência que faz com que a classe trabalhadora não se reconheça enquanto tal. É dessa “nova classe trabalhadora”, mais complexa, há o aparecimento de uma classe média que é uma “[...] abominação política porquê ela é fascista, é uma abominação ética porquê ela é violenta e é uma abominação cognitiva porquê ela é ignorante” (CHAUI, 2013, [n.p.]).

No bairro Casnavieiras, em Florianópolis, comerciantes e moradores do bairro se mobilizaram pela retirada de pessoas em situação de rua em 201384. Em maio do ano corrente, foi realizado outro protesto, desta vez, pela retirada dos ambulantes85. Esses fatos evidenciam

84 Disponível em: http://dc.clicrbs.com.br/sc/noticia/2013/12/protesto-contra-moradores-de-rua-em-

canasvieiras.html. Acesso em 29 de maio de 2018.

85 Disponível em: http://dc.clicrbs.com.br/sc/noticia/2013/12/protesto-contra-moradores-de-rua-em-canasvieiras- provoca-polemica-4361752.html. Aceso em 29 de maio de 2018.

os interesses da classe média brasileira, que ideologicamente, reproduz os interesses da classe dominante.

No Brasil, esse novo segmento da classe trabalhadora surge nos últimos treze anos como reflexo das mudanças na esfera do trabalho frente à política de governo do Partido dos Trabalhadores (PT), que teve suas bases no “neodesenvolvimentismo”86 e surge pós a ascensão da política neoliberal no Brasil por meio do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2003). É sob as nuances do trabalho frente o “novo” projeto desenvolvimentista, que as transformações na consciência de classe irão confundir-se a partir do maior acesso aos bens de consumo. Assim, a classe média ao reproduzir os interesses burgueses, se utilizam de normas e valores ancorados em fundamentos conservadores. A defesa do patrimônio privado como citado nos exemplos anteriormente citados desvelam de antemão, a face autoritária da sociedade. A militarização aparece como justificativa superior a toda e qualquer alternativa de política de segurança público/privada. De certo, o novo projeto desenvolvimentista apresenta muito de

“neoliberalismo à brasileira87”.

Para Chaui (2013), o autoritarismo no Brasil, parte sobretudo, de uma cultura baseada nas relações entre “servos” e “senhores”, ou seja, de “mando e obediência”. Assim, a autora destaca a hierarquização como faculdade que permeia toda a temporalidade da sociedade brasileira, que,

[...] conheceu a cidadania através de uma figura inédita: o senhor-cidadão, e que conserva a cidadania, como privilégio de classe, fazendo-a ser uma concessão regulada e periódica da classe dominante às demais classes sociais, podendo ser-lhes retirada quando os dominantes assim o decidem (como durante as ditaduras), [...] é

86 Conforme Maranhão (2014): “A ideologia neodesenvolvimentista responde a necessidades concretas, ela nasce na conjunção de dois movimentos simultâneos: por um lado, enquanto uma expressão ideológica ancorada nas condições reais de países periféricos desgastados pela crise do capital e pelos ajustes neoliberais das últimas décadas e de, outra, enquanto estratégia do atual bloco de poder dominante para transformá-la em uma ideologia que ao distorcer a real origem dos problemas que enfrentamos direcionará as escolhas políticas pelo estreito caminho do projeto econômico capitalista. Enquanto ideologia, a reatualização das promessas desenvolvimentistas, se transformam em uma força material no sentido de ofuscar os demais projetos societários e direcionar as escolhas dos diversos indivíduos, grupos e classes sociais preocupados em superar a atual crise política, social e econômica gerada pela crise estrutural do capital, fazendo com que tais escolhas permaneçam dentro do escopo de interesses do grande capital. Torna-se claro que a ideologia do neodesenvolvimentismo no Brasil tenta recuperar, sob novas bases, o velho ideário desenvolvimentista dos primórdios da industrialização tardia.”. Disponível em: http://cress- mg.org.br/publicacoes/Home/PDF/19. Acesso em 01 jun. 2018.

87Utilizamos o termo de Paula (2016), que situa o Estado neodesenvolvimentista, a considerar seus avanços e rupturas, é enfático ao destacar: “[...] a política social do neoliberalismo à brasileira é globalizada, e como tal, necessita ser analisada a partir de seus determinantes universais, particulares e singulares. Por isso mesmo, do ponto de vista local,