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155mulher e se existe alguma relação entre este sistema de interacção e as

directrizes da religião professada.

O quadro seguinte (n.º 4) ilustra a relação entre a variável sexo com as representações relativas ao grau de machismo existente na sociedade Cabo-Verdiana:

quadro n.º 4: Representações sobre a existência de machismo na sociedade cabo-verdiana em função do sexo dos inquiridos/as

a sociedade cabo-verdiana é machista? total sim não não sabe nR

sexo dos/as inquiridos/as masculino n 257 71 98 4 430 % 28,6% 7,9% 10,9% 0,4% 47,8% feminino n 339 48 83 470 % 37,7% 5,3% 9,2% 52,2% total n 596 119 181 4 900 % 66,2% 13,2% 20,1% 0,4% 100,0%

Constatamos que 20,1% não sabe posicionar-se face à questão levan- tada, enquanto que 66,2% responderam afirmativamente e 13,2% não consideram que a sociedade cabo-verdiana seja machista.

A percentagem dos que não souberam responder não passa desper- cebida, uma vez que significa que aproximadamente 1/5 da amostra não sabe dizer se a sociedade cabo-verdiana dá prioridade ao homem em detrimento da mulher, e a percentagem apresentada apresenta um certo equilíbrio entre ambos os sexos, 10,9% do lado masculino e 9,2% do lado feminino.

Entretanto para 66,2% dos inquiridos a sociedade cabo-verdiana é machista e o machismo está ligado ao que João de Pina Cabral (2003) denominou de «ordem fálica», onde a fundamentação da identidade masculina e da paternidade se baseia fundamentalmente na diminuição e dominação das mulheres. Traduz um sistema de interacção, no dizer de Bourdieu (2005), que valoriza o masculino em detrimento do feminino.

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Estabelecendo uma comparação entre o quadro n.º 4 e o quadro n.º 5, notamos que mesmo tendo mais de metade da amostra classificado a sociedade cabo-verdiana como machista, 81,6% dos inquiridos considera que o homem e a mulher, na mesma medida, devem ser os chefes da famí- lia, enquanto que apenas 16,8% pensam que a chefia devia ser delegada ao homem e apenas 1,7% à mulher.

Os dados poderão indicar-nos que a redefinição dos papéis sociais acaba não contrariando a ordem prevalecente. Constatamos que prati- camente não se admite que a mulher deve liderar a família sozinha, mas contudo pode ter o poder de liderar em parceria com o homem:

quadro n.º 5: Representações sobre os papéis sociais na família em função do sexo dos inquiridos/as

quem deve ser o chefe de família? total

A mulher o homem os dois

sexo dos/as inquiridos/as Masculino n 5 97 328 430 % 0,6% 10,8% 36,4% 47,8% feminino n 10 54 406 470 % 1,1% 6,0% 45,1% 52,2% total n 15 151 734 900 % 1,7% 16,8% 81,6% 100,0%

Se o quadro n.º 5 nos mostra que a chefia da família deve ser par- tilhada, conduzindo assim a um equilíbrio de forças entre o homem e mulher na família, o quadro n.º 6, contudo, mostra-nos que a infidelidade feminina e masculina não são encaradas pela mesma óptica, pois, 51,7% dos inquiridos pensam que a infidelidade feminina é mais condenada pela sociedade e 39,0% dos inquiridos consideram que ambas são condenadas pela sociedade:

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quadro n.º 6: Representações sobre a infidelidade em função do sexo dos inquiridos/as

o que é mais condenado pela sociedade? total

Infidelidade masculina Infidelidade feminina Ambas nR sexo dos/as inquiridos/as Masculino n 48 179 201 2 430 % 5,3% 19,9% 22,3% 0,2% 47,8% feminino n 33 286 150 1 470 % 3,7% 31,8% 16,7% 0,1% 52,2% total n 81 465 351 3 900 % 9,0% 51,7% 39,0% 0,3% 100,0%

A revisão bibliográfica mostrou-nos que em Cabo Verde a infidelidade masculina e feminina não eram julgadas com o mesmo peso e medida. Enquanto a falha do homem era encarada como um erro, mas perdoável uma vez que a sua natureza a isso o conduz, a falha feminina implica uma mácula na honra do homem traído, uma mácula que devia ser reparada. Morin (2000) mostrou-nos que na sociedade que se constituiu antes do sapiens, a paleossociedade, o desenvolvimento do erotismo e do orgasmo feminino possibilitou a mulher escolher o seu parceiro sexual. Como isso punha em risco a supremacia do homem, estes conduziram a uma reorga- nização social, marcadamente masculina em que o pai passa a reclamar a si a legitimidade de encarnar a autoridade natural.

Esta reorganização, inscrita nas sociedades humanas e reproduzidas ao longo da História, veio determinar as regras de repartição das mulheres, do casamento e do controlo da sexualidade.

A escola materialista lembra-nos, entretanto, que com o surgimento da propriedade privada, a questão da transmissão da herança tornou-se fulcral para o homem que necessariamente teria que garantir a legitimi- dade da sua descendência, portanto, a fidelidade da esposa.

No contexto das ilhas de Cabo Verde, Lopes Filho (1996) propôs que a infidelidade feminina era uma mancha à honra do homem, enquanto a infidelidade masculina, apesar de contestada, não feria a honra da mulher, uma vez que a honra da mulher derivava da sua pureza ou da forma como ela comportava-se em relação ao homem e não o contrário.

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No quadro nº 7, quando questionados acerca do que pessoalmente consideram condenável, 53,4% condenam tanto a infidelidade feminina como a masculina, 19,3% reprovam a infidelidade feminina, 8,2% con- denam a masculina e 18,7% dos inquiridos não reprovam qualquer das condutas:

quadro n.º 7: Representações sobre a posição face à infidelidade em função do sexo dos inquiridos/as

o que você condena mais? total

Infidelidade masculina Infidelidade feminina Ambas Não condeno 6 nR sexo dos/as inquiridos/as Masc. n 34 123 199 73 1 430 % 3,8% 13,7% 22,1% 8,1% 0,1% 47,8% fem. n 40 51 282 95 1 1 470 % 4,4% 5,7% 31,3% 10,6% 0,1% 0,1% 52,2% total n 74 174 481 168 1 2 900 % 8,2% 19,3% 53,4% 18,7% 0,1% 0,2% 100,0%

O regime democrático introduzido em Cabo Verde no ano de 1991 pode ser considerado um indicativo para compreendermos porque, exprimindo um parecer pessoal, mais de metade da amostra considera condenável a infidelidade sem fazer a distinção entre os géneros.

No entender de Badinter (s/d), o regime democrático trouxe consigo o modelo de semelhança entre os sexos. Foi imposta uma semelhança de pa- péis, ou seja, as expectativas em relação ao seu comportamento deixaram de comportar a linha separadora. O advento do indivíduo, um indivíduo pleno de direitos, lembrou-nos Badinter, veio preceder o casal:

“O eu tornou-se o nosso bem mais precioso, uma vez que tem, ao mesmo

tempo, um valor estético, económico e moral. Outrora, era «inconveniente» falar dele e condenável torná-lo o fundamento da existência. Era necessário a todo custo dar a sensação de que o Outro era mais importante que o Eu. As novas gerações não querem nada com esta moral, (…)” (s/d, 310).

Analisando o quadro n.º 8, notamos que 13,2% dos inquiridos con- firmam essa tradição do pai como o senhor da casa, e 17,9% vêem o pai

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