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eficaz de acção pastoral. Um outro modo de actuar sob a população foi a Inquisição, instituição que regulamentava e controlava a vida reli- giosa, mas que não se estabeleceu de forma directa e permanente no arquipélago.

Todavia, Santos & Soares afirmam que existia uma correspondência directa entre o clero local, as autoridades civis e Inquisição sedeada no Reino, mas a presença institucional do Santo Ofício acentuar-se-ia em meados do século XVII, não tanto em relação às ilhas, mas em relação à costa da Guiné:

“Efectivamente, era na Costa da Guiné que a presença de judeus e cristãos-

novos, bem como a prática do judaísmo se afiguravam como um problema religioso relevante para os poderes civil e eclesiástico estabelecidos em Cabo Verde, que denunciam repetidamente esta questão. Recebiam, como res- posta régia, ordens para perseguir e prender esses indivíduos, remetendo-os para Lisboa, no que as autoridades locais se mostravam completamente inoperantes” (2001, 486).

Entre as doutrinas religiosas e as práticas estava o homem. O quo- tidiano do morador das ilhas foi marcado pela presença da Igreja e tra- duzia-se em certos comportamentos como a prática da confissão, ou da caridade. Enquanto a primeira seria uma prática individual e privada, a outra revestia-se de um carácter marcadamente público. Os comporta- mentos que escandalizavam a Igreja eram vigiados e condenados.

A preparação da morte era um momento em que a determinação das atitudes comportamentais dos fiéis era mais acentuado. Era o momento da chamada a Deus e assim a exortação, a preparação para a hora da morte era frequente. Aqui entra a questão das indulgências, o que segundo Santos e Soares é compreensível porque:

“(…) a Igreja tem o poder para intervir a favor do cristão no sentido de

obter a misericórdia de Deus para as penas temporais dos pecados, também pode obter indulgências para os fieis defuntos em vias de purificação, de modo a que sejam libertos do Purgatório. Os sufrágios oferecidos em favor

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do fiel defunto podem ser esmolas e acções piedosas, mas acima de tudo valoriza-se o sacrifício eucarístico, isto é, a Missa” (2001, 498).

Vários testamentos viriam a comprovar que os fiéis legavam quantias de acordo com a sua condição económica e a intensidade da sua contrição e arrependimento. Igrejas, capelas, mosteiros e casas de misericórdias receberam importantes doações que se destinavam à celebração de missas sufragâneas e outros ofícios divinos para a salvação da alma do doador.

2.3. a aCção da igReja em PeRíodos de mudanças PolítiCa, soCial e CultuRal

De acordo com Maria João Soares (2002), a partir da segunda metade do século XVII, as ilhas de Cabo Verde viveram uma situação bastante paradoxal, quiçá a maior da sua história. No arquipélago escalavam navios de várias nacionalidades e com destinos diversificados. No entanto, as ilhas estavam mais isoladas do que nunca, uma vez que, pouco tinham a oferecer.

A sociedade urbana/mercantil de Quinhentos, aos poucos, foi vendo a sua economia tornar-se agrária. O empobrecimento dos terratenentes e de alguns abastados que armavam para a costa da Guiné conduziu à fracturação da rígida ordem e hierarquia social. Os senhores de escravos vêem-se obrigados a vender ou a alforriar, em troca de dinheiro, os gran- des contingentes de escravos que possuíam. Isso aumentou o número de forros que não tinham capacidade para suportar uma actividade agrária autónoma, agravada pelas condicionantes naturais, com as crises de seca. Constituíam uma classe marginalizada sob todos os aspectos e foco de conflito sociais:

“São os foros os grandes agentes do conflito social em Santiago e Fogo e, o

poder central, dado que não conseguia pôr no terreno mecanismos eficazes de controlo (administrativos, judiciais ou militares), abandona esta função essencial à elite local, pelo que acaba por ser forçado a ceder-lhe grande parte do poder político e, com isso, condescender com os seus desmandos,

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arbitrariedades, exercício fraudulento dos ofícios, monopólio do comércio local, prática generalizada do contrabando, política especulativa dos pre- ços, etc.” (Soares; 2002, 329).

A Igreja, como não podia deixar de ser, também viveu estes períodos tomando parte, através dos seus membros, nos conflitos políticos institu- cionais e a nova conjuntura viria a reflectir-se na sua estrutura, composição e formas de actuação.

Externamente, a Restauração teve como consequência a ruptura das relações entre Portugal e a Santa Sé, o que viria a deixar em suspenso as estruturas eclesiásticas no Reino e nas colónias, situação que perduraria até 1668 aquando do tratado de paz entre as duas coroas ibéricas.

Durante este período, os bispados da metrópole e do padroado por- tuguês deixaram de ser providos por Roma. D. Frei Lourenço Garro era o bispo de Cabo Verde à data da Restauração e viria a acumular o cargo de Governador em 1645. Após a morte deste bispo, abria-se uma vacatura de mais de 25 anos que só terminaria em 16 de Maio de 1672, com a confirmação de D. Frei Fabião dos Reis. Entre 1646 e 1672, a diocese, pelas palavras de Soares, permaneceria entregue a mais um atribulado governo do cabido:

“O governo do cabido cedo se consumiu nas habituais querelas internas

entre facções afectas aos diferentes grupos, em que se encontrava dividida a oligarquia de Santiago, e nas constantes rivalidades com governadores e ouvidores” (2002, 329).

Estes conflitos atingiriam o ápice em 1668, quando Dr. Manuel Dinis Ribeiro, que cobria os cargos provisor e vigário-geral do bispado, portanto dirigente máximo do cabido, aparece assassinado. Segundo Soares (2002), os principais suspeitos apontados foram alguns dos seus pares do cabido. A situação da Igreja, nas vésperas da nomeação do novo bispo, era marcada pela falta de curas e a gestão da diocese estava comprometida.

O bispado de D. Frei Fabião dos Reis foi curto mas relevante para a diocese cabo-verdiana. Este bispo foi nomeado em Janeiro de 1672, chegou a Santiago em Maio 1673 e faleceria a 8 de Fevereiro de 1674. Entretanto,

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“apesar de curto, este bispado, por ter sido o que sucedeu imediatamente ao

longo período de sede vacante no pós-Restauração, irá condicionar o quadro de funcionamento pelo qual a acção da Igreja se pautou durante o século XVIII, uma vez que proporcionou novas condições de acesso aos cargo eclesiásticos e ganhos no que aos poderes e privilégios episcopais diz respeito” (Soares;

2002, 329).

Nas últimas três décadas do século XVII foram reactivadas as políticas do reino em relação a Cabo Verde e a nível da Igreja. A Coroa procurou escolher eclesiásticos reconhecidos por serem enérgicos, decididos e rigorosos. Assim, surgem bispos que vão tentar contrariar o estado das coisas e tomar a seu encargo a gestão da diocese. D. Frei António de S. Dionísio governaria a diocese entre os anos 1675 e 1684, e D. Frei Vito- riano Portuense estaria à frente da diocese durante os vinte anos que se seguiram, de 1685 à 1705. Este último é tratado por Soares, como o «bispo absoluto»:

“Além da investida contra os excessos da elite nos governos interinos, na

Misericórdia e costumes morais, também os governadores e ouvidores se- riam alvo do vigoroso governo de D. Fr. Vitoriano, que mostra querer man- ter o seu poder pessoal e jurisdição eclesiástica a par (ou mesmo acima) das daqueles. Durante o seu episcopado sucederam-se 5 governadores e com todos eles o bispo manteve acesas polémicas, conflitos de jurisdição ou contendas pessoais” (2002, 358).

Novos rumos viriam a desvanecer, perturbar e bloquear a acção da Igreja sobre a sociedade insular e assim a dinâmica episcopal de D. Frei Vitoriano não teria continuidade nos tempos seguintes.

Entre os anos 1706 e 1736, Frei Francisco de Santo Agostinho e D. Frei José de Santa Maria de Jesus vão tentar proteger a Igreja contra a anarquia social e a política que se generaliza, pois “Santiago é, nas duas primeiras

décadas do século XVIII, uma ilha levantada (…), assistindo a convulsões e lutas intestinais que arrastam todos os grupos sociais e, com estes, as auto- ridades político-administrativas das ilhas” (Soares; 2002, 364).

Foram dois episcopados muito conturbados, em que os bispos em ques- tão tentaram erigir a Igreja como mediadora entre as forças conflituantes.

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