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57Santos & Soares defendem que parece verosímil, embora careça de

documentação comprovativa, que a sociedade local muito tenha felicitado a criação da nova diocese acrescentando que “a sociedade cabo-verdiana

vê agora ganhar peso, no conjunto das relações sociais, o corpo dos clérigos e dignidades, cuja criação era inerente à diocese. O clero, mais coeso e diferen- ciado, surge como corpo social dotado de amplas prerrogativas e privilégios, que vai construir no meio autóctone um novo interlocutor, ora amistoso, ora conflitual, mas sempre uma presença bem marcada. Finalmente, o próprio grupo do oficialato régio (civil, judicial, financeiro e fiscal) ganha um novo e apreciável parceiro, que vem dotado, não só do seu ministério espiritual específico, mas também com jurisdição e foro próprios, que lhe garantem uma abrangência social e uma cobertura do espaço insular que, provavelmente irá cavar mais fundo que as próprias estruturas civis” (2001, 374).

António Brásio, por sua vez, defende que à medida que as ilhas iam sendo povoadas, a assistência religiosa, embora quase sempre precária, não deixou de acompanhar o povoamento e que as Igrejas se iam levan- tando lenta, custosa e pobremente. De uma forma geral, este historiador mostra que a evangelização não foi fácil no arquipélago de Cabo Verde e o próprio funcionamento da diocese sempre encontrou várias dificuldades pela frente:

“(…) a sua evangelização sofreu inevitavelmente as consequências insu-

peráveis da precariedade do elemento étnico, dificuldades estas acrescidas ainda de outras de primordial e específica importância: a dispersão das ilhas, privadas de meios normais e regulares de comunicação mútua e a carência crónica de missionários em número e qualidade, quer filhos de terra, quer vindos da metrópole” (1973, 157).

Brásio (1973) também chama a atenção para a carência de missioná- rios, problema que, no entender de Charles Boxer (1989), foi agravado pela postura dos próprios missionários brancos, dado que, em muitos locais e durante longos períodos, os próprios missionários combateram a criação de um clero nativo responsável, situação que deveriam desejar.

Boxer afirma ainda que “(…) fosse qual fosse a teoria, na prática o

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em relação aos sacerdotes brancos europeus, principalmente quando estes eram membros de ordens religiosas – clero secular contra o clero regular”

(1989, 14).

O conflito entre o clero secular e o clero regular esteve sempre presente em todo o processo de evangelização ultramarina. Boxer defende que o conflito subsequente entre os extensos privilégios das ordens religiosas e as pretensões de jurisdição dos bispos nunca foi resolvido durante o período colonial (1989, 86).

Nuno da Silva Gonçalves também aborda as questões da oposição entre as ordens religiosas e da evangelização ultramarina e mostra que, se na troca de correspondência entre Roma e os seus representantes em Lisboa, nas primeiras décadas do século XVII, as referências ao problema da evangelização não são muito frequentes, a partir de 1623 e por acção da Propaganda Fide, criada em 1622 por Gregório XV, o problema da missionação passa a merecer uma maior atenção assim como a questão da nacionalidade dos missionários:

“Depois de referir a necessidade de combater o judaísmo presente nos ter-

ritórios de missão, a Instrução aborda com particular cuidado o envio e a nacionalidade dos missionários. Na óptica dos autores do documento, Portugal tinha então em vista os interesses materiais e as razões de Estado do que a conservação e aumento da fé que Cristo espalhara pelo mundo. Por isso, restringira o acesso às missões apenas a jesuítas portugueses e italianos” (1996, 60).

O choque entre a Propaganda Fide e o Padroado Português torna-se inevitável e, inclusive, a notícia de uma expedição missionária de jesuítas que partira da Itália directamente para a Etiópia não agradara à coroa Portuguesa. A diocese de Santiago vem à luz das discussões e sendo ter- ritório Português, a congregação romana restringe a sua acção de forma a não agravar uma situação já não muito agradável:

“Em relação à diocese de Cabo Verde, há testemunhos do cuidado inicial da

congregação romana para não interferir no território missionário atribu- ído a Portugal. Neste sentido, percebe-se a precaução diante da missão dos

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capuchinhos franceses que se ofereciam para a Guiné e Cabo Verde” (Silva

Gonçalves;1996, 62).

Isso mostra que Portugal conseguiu colocar restrições a evangelizadores de outras nacionalidades, mas esta postura variava consoante a situação política da época e consoante as alianças daí advindas. Assim, “da parte de

Portugal há, pois, nesta problemática, duas motivações a considerar. A primeira é a exigência de que os legítimos direitos do Padroado e do Bispo de Cabo Verde fossem devidamente respeitados: os missionários deviam ser enviados pela coroa e receber a jurisdição da autoridade eclesiástica do lugar. A segunda motivação era a preocupação política de impedir a acção de nacionais de países inimigos numa zona de influência a preservar” (Silva Gonçalves;1996, 88).

Apesar desses percalços que afligiam os órgãos decisores, em 1582 existiam na ilha de Santiago para além das freguesias da capital e da vila da Praia, outras oito espalhadas pelo interior e várias eremitas onde se celebrava a eucaristia com regularidade.

Na ilha do Fogo existiam duas freguesias, cada uma com o seu vigário, um beneficiado, um tesoureiro e quatro eremitas. Nas restantes ilhas apenas se regista a existência de igrejas em São Nicolau, Boavista e Maio, lugares aonde o bispo enviava anualmente um sacerdote para administrar sacramentos e atender os moradores (Silva Gonçalves; 1996, 63).

Passados cerca de 37 anos, a situação não apresentou avanços signifi- cativos, havendo inclusive diminuído a presença de clérigos nas ilhas:

“Uma relação de 1621 revela-nos a presença de muitos clérigos na Ribeira

Grande, mas faz-nos adivinhar uma diminuição no resto da ilha. Em San- tiago, refere-se agora, a existência de apenas duas freguesias, no interior, com as respectivas igrejas: São Domingos e Santa Catarina. No Fogo, passara-se apenas a uma freguesia com um clérigo e os moradores das restantes ilhas nomeadas, Santo Antão, Santa Luzia e Sal, tinham que se contentar com visitas ocasionais dos sacerdotes enviados da capital” (Silva

Gonçalves; 1996, 63).

Ribeira Grande desponta assim como o centro eclesiástico mais or- ganizado e estável, uma vez que comportava vários locais de culto e con-

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frarias, além de estar em construção uma catedral, que todavia avançava lentamente, e possuía uma casa de misericórdia.

A situação na Costa da Guiné era mais precária, de quase abandono e durante os séculos XV e XVI, padres franciscanos e carmelitas estiveram presentes no litoral e efectuaram algumas visitas apostólicas, contudo, de curta duração e sem grandes frutos. Consta que as autoridades diocesanas não tinham grande interesse pela região da Guiné. O bispo ou o cabido limitavam-se a mandar anualmente, durante a Quaresma, um visitador às povoações onde viviam europeus, interessando-se minimamente pela evangelização dos africanos que vivessem longe das feitorias (Silva Gon- çalves; 1996, 63).

2.1.3. o funcionamento da diocese do arquipélago de Cabo Verde De acordo com Santos & Soares (2001), com cerca de 50 anos decorridos desde a primeira ocupação humana do território constata-se que a estru- tura eclesiástica, ainda que carente de um quadro institucional específico, está plenamente implantada no território, assegurando assim a cobertura espiritual a uma população reinol.

A segunda década do século XVI surge como mais propícia ao avanço da estrutura eclesial do arquipélago. Assim, em 1526, o Rei ordena ao almoxarife da capitania da Vila da Praia que desse início à construção da capela da Igreja de nossa Senhora da Graça e em 1527 o Rei intervém de novo na estrutura eclesiástica, ao mandar para Cabo Verde o vigário Lopo Dias a fim de fiscalizar o cumprimento das obrigações do corpo eclesiástico presente no arquipélago. Assim, segundo as autoras acima citadas, aquando da criação da diocese já se havia fixado e estabelecido nas ilhas um conjunto incerto de clérigos regulares e seculares que asse- guravam os serviços espirituais. Era uma Igreja em formação que com a criação do bispado viria a adquirir uma organização institucional de que tanto carecia.

Santos & Soares (2001) defendem que o ofício central da diocese de Cabo Verde era o do bispo. As competências dos bispos ultramarinos, como já referimos anteriormente, eram as mesmas que as dos bispos que

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