• Nenhum resultado encontrado

MULHERES EM AÇÃO: AS RELAÇÕES DE GÊNERO DENTRO DA MILITÂNCIA DE RESISTÊNCIA À DITADURA

No documento IV Jornadas do LEGH: anais eletrônicos (páginas 44-56)

Allana Letticia dos Santos1

Sarah Pinho da Silva2

Resumo: A Ditadura Militar brasileira compreendeu um período de luta e resistências políticas, organizadas, predominantemente, pelas esquerdas. Concomitante a esse processo, ressurgiu, no Brasil, os feminismos de Segunda Onda, os quais colaboraram para aprofundar as discussões sobre gênero. Nesse estudo, buscamos entender as relações de transformação ocorridas nesse período, visto que as mulheres passaram a integrar, com maior atuação, as esquerdas. Assim, apreender sobre a inserção feminina, nesse campo político de disputas, no qual os homens têm historicamente o lugar de fala, é perceber qual foi o espaço dado a essas mulheres militantes. Depreender, portanto, da dicotomia masculino/feminino é necessário, pois, o processo dialético, no qual se inserem essas categorias, nos diz sobre a forma de se estruturar uma oposição ao regime militar, em que, muitas vezes, as mulheres foram preteridas por seus companheiros de militância. Nesta pesquisa, utilizamos as fontes orais, levando-se em consideração que o objetivo do estudo é analisar as relações de poder dentro do movimento de resistência, portanto, as narrativas são os principais instrumentos para a construção desse trabalho. Para compreendermos o desenvolvimento dos discursos narrativos, utilizamos a memória como fonte histórica. Analisaremos os processos da memória, utilizando os conceitos de “memória comunicativa” de Aleida Assmann e de “memória coletiva” de Maurice Halbwachs, pois, entendemos a memória como uma concepção não, apenas, individual, mas também, social. A partir da investigação das fontes e da bibliografia consultada, ponderamos que os elementos que estruturaram o “ser mulher militante” estavam influenciados pelas relações de gênero e valores compartilhados no período vivenciado pelas entrevistadas. Verificou-se que os grupos, dos quais as mulheres fizeram parte, mantinham as relações entre homens e mulheres firmadas na hierarquia de gênero comum à época, que era traduzida na divisão sexual do trabalho, cedendo às mulheres os postos de menor prestígio, visibilidade e importância.

Palavras-chave: Ditadura Militar. Memória. Militância. Mulheres. Introdução

Durante a ditadura militar brasileira (1964-1985), muitos foram os embates travados, tendo em vista o processo de resistência iniciado, ainda, no período do golpe3, em 1964. Várias organizações

de esquerda surgiram, nesse momento, e buscaram combater o regime e o autoritarismo vigente. Nesse processo de mobilização, mas também, organizativo, ressurgem, no Brasil, em meados da

* Essa pesquisa deriva dos trabalhos de conclusão de curso de ambas as autoras, nos quais as experiências e as narrativas femininas, nas organizações de esquerda, durante a ditadura militar brasileira, foram o cerne das monografias apresentadas.

1 Mestranda em História Global, na Universidade Federal de Santa Catarina. Bolsista Capes. E-mail: allanaletticia@hotmail.com.

2 Mestranda em História Social, na Universidade Federal do Ceará. Bolsista Funcap. E-mail: sarah.silva@aluno.uece.br. 3 Não compete a esse artigo, levantar discussões a acerca do golpe ocorrido, em 1964, sobre esse contexto verificar: COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE – Relatório Final, Brasília: [s.n.], 2014. ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil. (1964-1984). Petrópolis, RJ: Vozes, 1989.

década de 1970, os feminismos chamados de Segunda Onda4. Mulheres, que haviam sido exiladas

nos Estados Unidos, Europa e outros países da América Latina, começaram a retornar ao país e trouxeram consigo as ideias que vinham sendo colocadas, por diferentes teóricas/militantes dos movimentos feministas, nas décadas de 1960-1970. A tradução para o português do livro, O Segundo Sexo, de Simone de Beavouir, em 1969, também, foi outro marco na literatura feminista e corroborou para aprofundar as discussões que emergiam nesse contexto.

Com essa intensa mobilização que se iniciou, na década de 1970, os feminismos brasileiros, bem como os do Cone Sul, tiveram suas especificidades, porque a conjuntura era marcada por processos ditatoriais, tendo o autoritarismo como símbolo do Estado, que perseguia, prendia, torturava e assassinava opositores, assim, os feminismos de Segunda Onda experienciados, no Brasil, foram atravessados por essa dinâmica arbitrária. Mas, houve, também, mudanças na forma de se estruturar as relações sociais, nesse período, porque a maneira de organização e ingresso na militância havia mudado. As décadas de 1960-1970 foram circunscritas por agitações no campo político, cultural e comportamental, no qual valores e normas vigentes passaram a ser questionadas, criticadas e repensadas. Todo um modelo estrutural, tanto de sistema econômico (capitalista), quanto de costumes e padrões passou por tensões.

Nesse cenário, muitas mulheres começaram a questionar a premissa: mulher-espaço privado/ homem-espaço público e começaram a surgir demandas/manifestações em torno dessa dialética, que permeava as relações de gênero, tendo por base uma segmentação que colocava as mulheres em um espaço-tempo, no qual as experiências findavam em si, sem que houvesse a compreensão espacial e/ou a visibilidade desse ato de experienciar, seja ele opressor ou não. Nesse sentido, fala-nos Scott (1998, p. 313): “esse é um dos significados do slogan ‘o pessoal é político’. O conhecimento pessoal, ou seja, a experiência da opressão é a frente da resistência a ela”. Assim, dialogando com Scott, podemos perceber que havia/há a emergência de se compreender as múltiplas experiências e evidenciá-las, no campo público, visto que essas mulheres, que militaram nas organizações de esquerda, mas também, nos grupos feministas, que surgiram durante a ditadura militar brasileira, tinham vivências singulares.

O ressurgimento dos feminismos, no Brasil, em meados de 1970, mais especificamente, considerado o marco fundador, em 19755, coloca-nos à prova de que as discussões, sobre modelos

binários: homem/mulher; privado/público, ganhavam novas dimensões e eram inseridas em um campo de disputa, o qual foi veementemente debatido entre as feministas, que, dentre muitas questões, tencionaram sobre o patriarcado, o sistema capitalista, o trabalho não remunerado ou mal remunerado das mulheres e como essa divisão social do trabalho corroborou para confinar as mulheres ao trabalho reprodutivo (FEDERICI, 2017). Com o advento da pílula anticoncepcional, o controle reprodutivo na mão das mulheres, a entrada nas Universidades, o processo de urbanização, todas essas mudanças, nas décadas de 1960 e 1970, colaboraram para novas perspectivas, mas também, novas maneiras de tecer as relações de gênero.

4 Consultar: PINSKY, C. B; PEDRO, J. M. (Org). Nova História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2013. PEDRO, J. M. Narrativas fundadoras do feminismo: poderes e conflitos (1970-1978). Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 26, n. 52, dez. 2006, p. 249-272.

No tocante as reflexões acerca do movimento feminista desse período em estudo, a autora Sônia Alvarez (2014) concentra seus argumentos sobre a pretensa ou como a mesma enfatiza “o quase mito de origem” que designa o movimento feminista das décadas de 1960/1970.

O mito de origem também sustenta que as feministas daquele período, todas, se organizavam em coletivos autônomos, autossustentados em base de trabalho voluntário, e se manifestavam regularmente nas ruas pelo fim da subordinação da mulher, pelo fim da ditadura militar, pela anistia e os diretos humanos, pelo direito ao aborto, etc (ALVAREZ, 2014, p. 21).

A autora sustenta seu argumento, afirmando que “o mito de origem”, a respeito do movimento, está centrado na história oficial da dita autonomia em relação às organizações revolucionárias e partidos de esquerda. Para a construção desse pressuposto, a autora cita as autoras Maria Aparecida Shumaher e Elisa Vargas (1993) e destaca que a autonomia “virou uma espécie de palavra mágica” lançada discursivamente para distinção entre feministas e “outras mulheres ativistas”. (SCHUMAHER; VARGAS, 1993, p. 450 apud ALVAREZ, 2014, p. 21). A autora sustenta o argumento de que:

[...] a representação “autonomista” do feminismo tende a apagar o fato de que, desde os seus primórdios nos anos 70, ele constitui um campo discursivo de ação heterogêneo, mesmo que relativamente reduzido em sua extensão horizontal e com uma articulação vertical – em direção ao Estado – nula evidentemente, dado o contexto ditatorial. (ALVAREZ, 2014, p. 20).

E conclui suas ideias a respeito do “mito de origem” do movimento feminista e do que foi chamado pela mesma de “discurso de ação heterógeno” afirmando que:

[...] apesar de essa hegemonia discursiva ter delimitado estreitamente o que e quem compunha “o” movimento feminista, o campo feminista contemporâneo no Brasil e em muito da América Latina de fato já nasceu plural e heterogêneo. (ALVAREZ, 2014, p. 23).

No que tange a esse argumento, ressaltamos que as mulheres negras indagaram esse dito “discurso e origem heterogênea” e foram em busca de novas pautas dentro do movimento feminista, que contemplassem as necessidades de agendas específicas para as mulheres negras6. Além dessas,

outras situações divergentes levaram a essas e outras mulheres negras estabelecerem suas próprias organizações, no final da década de 1970 e início de 1980, autoidentificando-se como autônomas do movimento feminista “branco”. Vale ressaltar que coincidimos nossos argumentos com a narrativa da militante Jurema Werneck7, realizada pela autora Rosalia Lemos, na qual a entrevistada afirma

6 Sobre o feminismo negro ver: GONZALEZ, Lélia. Mulher negra. Comunicação em The Black Woman’s Place in the Brazilian Society. 1985 and Beyond: A National Conference. African-American Political Caucus e Morgan State University. Baltimore, 1984. Disponível em http://www.leliagonzalez.org.br Acesso em: 17 mar. 2009. BARONI, Vera. BENEDITO, Deise. In: Mulher Negra = a sujeito de direitos e as Convenções para a Eliminação da Discriminação. Rita Laura Segato – Brasília: AGENDE, 2006. CARNEIRO, Sueli. Prefácio In: Raça e Gênero nos sistemas de ensino – Os limites das políticas universalistas na educação – Ricardo Henriques. Brasília: UNESCO, 2002.

7 Jurema Pinto Werneck é uma feminista negra, médica, nascida no morro e lésbica. Sua militância a levou a assumir, no ano de 2017, o cargo mais importante da Anistia Internacional no Brasil. Agora, é uma das principais vozes a cobrar

que “a organização das mulheres negras não foi um racha em relação ao movimento negro, foi sim um salto de qualidade, por conta das necessidades sobre as reflexões sobre a própria diversidade”. (LEMOS, 1997, p. 50).

Com todas essas modificações, advindas de diferentes camadas, tanto no campo social, político, econômico ou cultural, a forma de engajamento e militância feminina também se alterou da virada das décadas de 1950 para 1960, conforme Bastos (2007, p. 44):

Grande parte das mulheres desta geração que participaram do PCB, estavam ali pela militância do marido ou do pai. O engajamento era quase uma extensão das relações familiares. Já as mulheres da geração de 1968, iniciaram a militância política por opção, seja na universidade ou na igreja.

A militância, portanto, que antes se iniciava por influência de alguma figura masculina (pai, marido, irmão), a partir dos anos 1960, acontecia por iniciativa própria das mulheres que, muitas vezes, já integravam o movimento estudantil, nas Universidades, pertenciam a algum grupo vinculado à Igreja Católica8 e/ou decidiram integrar alguma organização, após o golpe militar em 1964.

Observamos, dessa forma, que os feminismos de Segunda Onda, no Brasil, estiveram relacionados diretamente a toda uma mudança de ordem social e política, mas também, associadas a outras maneiras de se pensar modos de ação e comportamento das mulheres. Assim, buscamos analisar a perspectiva feminina, nas organizações de esquerda, a partir de suas memórias e de suas narrativas, com o intuito de acessar variadas expectativas que colaboraram para a compreensão das relações de gênero nesse período. Para tanto, iremos abordar, nas próximas seções do artigo, sobre o desenvolvimento dos processos narrativos, utilizando a memória como fonte histórica. Em seguida, discutiremos a produção das falas, mas também, dos embates travados, em torno da militância feminina, e o que isso acarretou nas esquerdas, durante o período estudado. Por fim, comentaremos a respeito das hierarquias de gênero firmadas no movimento de resistência em que as mulheres militaram.

A utilização da memória como fonte histórica

Tendo em vista os diferentes métodos de utilização da memória, pretende-se, nesta seção, explorar as narrativas9 das militantes como fonte histórica. Para tanto, não é nosso objetivo determinar

uma metodologia sui generis para o uso das narrativas (levando-se em consideração que não compreendemos ser viável traçar um procedimento fechado e universal para a construção das

respostas sobre o atentado que matou a vereadora Marielle Franco, sua parceira de luta. Informações coletadas e acessadas no site https://www.geledes.org.br/jurema-werneck-voz-da-resistencia/.

8 Consultar: GAVIÃO, Fábio Pires. A esquerda católica e a Ação Popular (AP) na luta pelas reformas sociais (1960- 1965). 2007. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade de Campinas, Campinas-SP, 2007.

9 O conceito que utilizamos, está ancorado nos argumentos propostos por Alberti (2004) no qual, apreende-se que a narrativa é a passagem da experiência em linguagem. “Ao contar suas experiências, o entrevistado transforma aquilo que foi vivenciado em linguagem, selecionando e organizando os acontecimentos de acordo com determinado sentido”. (p.

historiografias) ou discorrer a respeito do complexo cognitivo das emoções10, que estão

intrinsicamente relacionadas com as entrevistas. Objetiva-se discutir e empregar os conceitos de memória, frisando as premissas dos autores escolhidos, Halbawachs (2006) e Assman (2001), e, a partir disso, ponderar as possibilidades de interpretação do desenvolvimento das narrativas das mulheres militantes, através da memória que cerca a reflexão central desse artigo. Ressaltamos que não nos interessa investigar a peculiaridade psíquica da memória, visto que, para as ciências humanas, exploramos a memória como um instrumento em âmbito social e sua capacidade de interferir na coletividade.

A respeito do elo entre a memória e o meio social, Maurice Halbawachs (2006) apresenta o conceito de “memória coletiva” como resultado da conexão entre esses aspectos citados, no qual, para o autor, é impossível lembrar individualmente, pois uma coletividade ou várias coletividades interferem no processo da memória. Assim, também, Halbwachs, longe de ver, nessa memória coletiva, uma imposição, uma forma específica de dominação ou violência simbólica, acentua as funções positivas desempenhadas pela memória comum, a saber: reforçar a coesão social, não pela coerção, mas pela adesão afetiva ao grupo, no qual o termo usado é “comunidade afetiva”.

Em referência aos sistemas coletivos da memória e a necessidade de uma comunidade afetiva, característico de relações em grupos de referência, os autores Maria Schimdt e Miguel Mahfoud (1993) enfatizam que: “Esta comunidade afetiva é o que permite atualizar uma identificação com a mentalidade do grupo no passado e retomar o hábito e o poder de pensar e lembrar como membro do grupo”. (SCHIMDT; MAHFOUD, 1993, p. 289).

No tocante a recognição com as memórias, as entrevistadas, ao longo de suas narrativas, rememoravam suas ações individuais dentro do contexto coletivo. Essa característica fica patente na fala de Susana11 que participou do diretório acadêmico do curso de Psicologia, durante os anos de

1971-1976:

[...] quando a gente teve esse racha o grupo ficou com pouquíssimas mulheres, talvez, dizer que eu fui a única pode parecer um pouco pretencioso da minha parte, mas, nesse grupo, a liderança mais expressiva era eu, sem querer me enaltecer em relação a nada, mas porque era o meu compromisso, era a expressão do meu compromisso, da minha dedicação, da minha disciplina.12

10 A respeito das discussões sobre História e Emoções ver: FREVERT, Ute. Gendering Emotions. In: Emotions in History – Lost and Found. Nouvelle édition [en ligne]. Budapest : Central European University Press, 2011 (généré le 12 juin 2018). p. 87-147 Disponible sur Internet : <http://books.openedition.org/ceup/1496>. WOLFF, Cristina Scheibe. Pedaços de alma: emoções e gênero nos discursos da resistência. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 23, n. 3, p. 975-989, nov. 2015.. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/41944>. Acesso em: 19 mar. 2016. AHMED, Sara. Introduction: Feel your way. In: The cultural politics of emotions. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2004. Pp. 1-19. CLOUGH, Patrícia Ticineto. The affective Turn: Political Economy, Biomedia and Bodies. In. GREGG, Melissa and SEIGWORTH, Gregory J. (eds.) The affective theory reader. Durham &London: Duke University Press, 2010. p. 206-225.

11 A fim de considerar, as especificidades e características de cada militante e visando garantir o anonimato, optamos pela utilização de nomes fictícios. Com tal metodologia, pretendemos tornar as narrativas mais naturais possíveis, evitando identificar as mulheres com números ou apenas letras. Vale ressaltar que os nomes utilizados não fazem alusão, em hipótese alguma, ao nome verdadeiro das entrevistadas.

Susana, durante a entrevista, explicou que o primeiro grupo que participou do diretório acadêmico de Psicologia tinha uma média de 100 estudantes de todos os semestres do curso e uma quantidade significativa de mulheres, mas, por conta de desacordos políticos e ideológicos, esse grupo sofreu um racha, ou seja, foi dividido. Podemos perceber, nesse trecho, de acordo com Halbwachs (2006), como os sentimentos e pensamentos individuais, possuem origem nos meios e circunstâncias sociais acentuados, visto que a cisão no grupo, a partir das experiências compartilhadas por seus membros, criou/moldou uma maneira de lembrar, na qual as reminiscências foram/são atreladas ao processo “comunitário”, em que, mesmo tratando-se de uma fala/discurso individual, esse mecanismo de recordar e narrar é atravessado pelas vivências experimentadas em coletividade/grupo. De acordo com os autores Maria Schimdt e Miguel Mahfoud, “A permanência de um apego afetivo a uma comunidade dá consistência as lembranças” (SCHIMDT; MAHFOUD, 1993, p. 289).

Contudo, o conceito de “memória coletiva”, proposto por Halbawachs, foi alvo de críticas conferidas pelo autor Michael Pollack em 1989. Para esse autor, a memória coletiva possui um caráter potencialmente problemático, no qual, foi sugerido uma abordagem construtivista: “não se trata mais de lidar com os fatos sociais como coisas, mas de analisar como os fatos sociais se tornam coisas. Como e por quem eles são solidificados e dotados de duração e estabilidade” (POLLACK, 1989, p. 4). De acordo com Pollack, quando a proposta construtivista é aplicada à “memória coletiva”, a mesma tem a possibilidade de abranger os processos e sujeitos que atuam no trabalho de constituição e formalização da memória. Dado a abordagem, dessa forma, a qual propõe o autor, os excluídos, marginalizados e as minorias, que, por sua vez, estão inseridos em grupos minoritários e reprimidos da sociedade, opõe-se a dita “memória oficial”, também, conhecida como “memória nacional”, alicerçando suas narrativas pela história oral. (POLLACK, 1989). Ainda, para esse mesmo autor, a partir desse debate, será presumível, diferente do argumento proposto por Maurice Halbwachs, “acentuar o caráter destruidor, uniformizador e opressor da memória coletiva nacional” (POLLACK, 1989, p. 4).

Embora as críticas referidas, o conceito de “memória coletiva”, proposto por Halbwachs, abriu novas perspectivas de análise histórica, ou seja, a memória não é só um fenômeno de interiorização individual, é, também, sobretudo, uma construção social e um fenômeno coletivo. Que, por sua vez, é modelada pela família e pelos grupos sociais (influência de Durkheim). Todavia, isso não significa negar o caráter de individuação e subjetivação que a “memória individual” carrega, levando-se em consideração que é o que permite pensar a memória enquanto processo. Mais ainda, é dialogar com a perspectiva do indivíduo e da sociedade, do contexto/local, o qual provoca o ato de recordar, mas também, a relação entre passado e o presente e o localizar do tempo e espaço na ocasião do lembrar. O autor, também, destaca ser necessário um processo de negociação para agregar as memórias individuas e coletivas. A respeito disso, enfatiza que:

Para que a nossa memória se aproveite da memória dos outros, não basta apenas que estes nos apresentem em seus testemunhos: também é preciso que ele não tenha deixado de concordar com as memórias deles e que existam muitos pontos de contato entre uma e outras para que a lembrança que nos fazem recordar venha a ser reconstruída sobre uma base em comum. (HALBAWACHS, 2006, p. 39).

Isto é, não basta, apenas, reconstituir as partes do acontecimento do passado – nesse caso, tratando, mais especificamente, da narrativa da entrevistada acerca da sua participação no grupo – para obter a lembrança. É necessário, de acordo com o autor supracitado, que essa reorganização da memória esteja vinculada a dados ou noções comuns, também, a outros indivíduos, porque essas memorações estão sempre perpassando por todos os envolvidos daquele grupo, e, somente assim, é possível presumir que uma lembrança seja reconstruída13. (HALBAWACHS, 2006).

Além disso, no que tange o desenvolvimento dos processos narrativos, também, consideramos a memória a partir da abordagem comunicativa proposta por Aleida Assmann (2016). A autora

No documento IV Jornadas do LEGH: anais eletrônicos (páginas 44-56)