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The SuperMãe Temáticas Março de 1970 a Maio de

No documento IV Jornadas do LEGH: anais eletrônicos (páginas 175-183)

(124 colunas)

Maternidade (ideal/clichê/sagrada)

Masculinidade

Relacionamento (Carlinhos com outras mulheres)

Cuidado/Trabalho Doméstico

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ZIRALDO. Revista Claudia. Ano IX. Nº 102. Março, 1970, p. 108.

Enquanto D. Clotildes afirma-se como modelo de mãe ideal, Carlinhos, sempre chamado no diminutivo, afirma-se como exemplar de masculinidade. Em sua estreia, Ziraldo dá o tom. Carlinhos, nos braços da SuperMãe, pede proteção, mas também que a mãe não exagere. Filho de D. Clotildes, Carlinhos é, também, filho da crise de masculinidade que entre os séculos XIX e XX protagonizou altos e baixos (BADINTER, 1985). É importante notar que Carlinhos não reúne em si todas as masculinidades possíveis. A masculinidade do homem nordestino debatida por Durval Muniz de Albuquerque Junior (2003) não é a mesma do homem negro e escravizado no Brasil dos séculos XVI- XIX (FREIRE & AMANTINO, 2013). Carlinhos é a o homem de classe média, carioca, super protegido que goza de todos os privilégios da branquitude, do acesso à instrução e dos cuidados maternos. A coluna de Ziraldo informa-nos sobre a maternidade obcecada, mas também da vida fácil de Carlinhos cujo desafio único é livrar-se do amor da mãe.

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ZIRALDO. Revista Claudia. Ano IX. Nº 112. Janeiro, 1971, p. 154.

Dividido entre o amor pela mãe e seu desejo de proteção, Carlinhos cogita que a morte de uma mãe pode significar, exatamente, a defesa da sua própria existência como indivíduo. Sufocado e desejoso da atenção materna, o filho de D. Clotildes oscila entre a necessidade de libertar-se de sua “algoz”, seja através de sua sonhada morte, da terapia, de um padrasto ou de um casamento para si, e a busca constante pelo seu cuidado e atenção. Não são raras as aparições de Carlinhos regredindo no tempo e tornando-se uma criança ou mesmo um bebê diante dos olhos de SuperMãe.

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Ao mesmo tempo, Ziraldo aciona com frequência os estereótipos de masculinidade que formam o imaginário do que é ser homem. Carlinhos é um “garanhão”, foge do casamento e gosta de aproveitar a vida. O amor pelo futebol e por carros marcam sua existência e são atravessados pelo cuidado da mãe e pelo seu amor por D. Clotildes.

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ZIRALDO. Revista Claudia. Ano XII. Nº 143. Setembro, 1973, p. 202.

Em pleno estádio de futebol, o auto-falante chama o senhor Carlinhos Barreto, pois sua mãe está na entrada. O que pode ser entendido como exemplo de cuidados maternos sem limites tem seu contraponto na cena em que Carlinhos está escolhendo um carro esporte. O vendedor mostra-se animado com o cliente típico, solteiro, homem e jovem e ao final é surpreendido pela preocupação do filho de D. Clotildes. Ele quer um carro com assento atrás e espaçoso, porque “[...] mamãe é um pouco gordinha [...]” (ZIRALDO, 1974, p. 162).

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ZIRALDO. Revista Claudia. Ano XIII. Nº 151. Abril, 1974, p. 162.

O século XX ficou marcado pela confusão das fronteiras de gênero, diante da mudança do papel das mulheres na sociedade brasileira e a horizontalização das relações entre homens e mulheres (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2013). A segunda metade do século XX, com o fortalecimento dos movimentos feministas e o questionamento dos papéis de gênero, inclusive, entre os grupos de esquerda, demonstram a instabilidade das relações de gênero. A urbanização e a modernização trazem desafios às mulheres, mas também permitem o crescimento de oportunidades para elas. Preocupação e insegurança do homem insinuam crises de masculinidade seguidas (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2013). Essa mudança, no entanto, não significa a perda absoluta de privilégios dos homens (MONTEIRO, 2013). Tal contexto fica ainda mais evidente nos esforços de Ziraldo de reforçar a masculinidade de Carlinhos. Masculinidade que se afirma na centralidade do pênis e do desempenho sexual. D. Clotildes, mãe zelosa, não protege apenas o filho, mas também seu papel sexual.

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ZIRALDO. Revista Claudia. Ano XV. Nº 172. Janeiro, 1976, p. 122.

Como guardiã da masculinidade em crise dos anos 1970, SuperMãe leva gemada ao filho cansado de tantos encontros amorosos com mulheres variadas. D. Clotildes é, concomitantemente, a ameaça e a forma de conservação dos modelos de masculinidade colocados em risco pelas mudanças em curso no século XX. Carlinhos, o personagem homem de The SuperMãe, oscila e informa-nos sobre a instabilidade da masculinidade, sempre ameaçada e sempre cultivada.

Considerações finais

A história do humor gráfico no Brasil é marcada pelo protagonismo de homens e mesmo diante de um olhar de gênero, as pesquisas recaem sobre as representações sobre as mulheres. Feias, autoritárias, objetos sexuais, histéricas, as mulheres estereotipadas ocupam vasto campo de pesquisa. Essas construções não são, porém, solitárias, e costumam estar acompanhadas da construção de modelos de masculinidade.

A coluna The SuperMãe, de autoria de Ziraldo, publicada entre 1970 e 1985 na revista Claudia, é exemplo perfeito da importância de se pensar gênero como categoria de análise relacional. Se D. Clotildes encarna o ideal da mãe coruja, Carlinhos, seu filho, assume o papel do homem que lida não apenas com a maternidade sufocante, mas também com os desafios da masculinidade da segunda metade do século XX. Entre o desejo de independência e a vontade de ser uma eterna criança, Carlinhos fala-nos das masculinidades (im)possíveis no traço humorado de Ziraldo.

A coluna The SuperMãe demonstra, tanto em termos de número quanto em termos de temáticas, como a representação da maternidade está intrinsecamente associada à construção de modelos de masculinidade protagonizados por um filho dividido e fraturado pela instabilidade da masculinidade. Este texto, como primeira aproximação com as fontes citadas, sugere a importância de debates que levem em consideração as categorias de humor e relações de gênero, tanto no que se refere a estudos que centrem sua atenção no humor feminista e de mulheres, como na construção das

masculinidades, uma vez que o humor brasileiro, cuja historiografia não nega, foi construído no masculino.

Fontes

Revista Claudia. Ano IX, Nº 102. Março, 1970. Revista Claudia. Ano IX, Nº 112. Janeiro, 1971. Revista Claudia. Ano XI, Nº128. Maio, 1972. Revista Claudia. Ano XII, Nº 143. Setembro, 1973. Revista Claudia. Ano XIII, Nº 151. Abril, 1974. Revista Claudia. Ano XV, Nº 172. Janeiro, 1976. Referências

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“Mommy, protect me but doesn’t overdo it”: humor, gender relations and masculinity in Claudia Magazines column The SuperMother (1970-1985)

Abstract: Ziraldo is one of the most important cartoonists in Brazil. His carrer gets mixed up with the history of Brazilian graphic humor.With passages in the underground press, the mainstream press and extensive experience in book publishing, Ziraldo is remembered as a brave genius of our humor. Appointed as one of the pursuers of the feminism in the 1970s, through his work at O Pasquim, Ziraldo contributed for over a decade to Claudia magazine, a landmark in the national publishing market dedicated to middle-class housewives. In his column The SuperMother,which premiered in march 1970 in the magazine, were presented the characters who would inhabit Claudia’s pages for 15 years. D. Clotildes and Carlinhos, her son, star in stories where affection, zeal and protection are the super powers of the “super mother”. Exploring categories such as humor and gender relations, the objetive of this paper is to reflect about the models of masculinity triggered by Ziraldo in his column The SuperMother, by Claudia magazine.

“O LAR IDEAL”: AMBIGUIDADES DE UMA MULHER ADVENTISTA NA

No documento IV Jornadas do LEGH: anais eletrônicos (páginas 175-183)