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MULHERES LEGISLANDO: AÇÃO POLÍTICA E AÇÃO PARLAMENTAR DAS DEPUTADAS MARANHENSES

3 MULHER E PODER NO MARANHÃO: AÇÃO POLÍTICA E AÇÃO PARLAMENTAR

INSEREM NA P OLÍTICA

3.5 MULHERES LEGISLANDO: AÇÃO POLÍTICA E AÇÃO PARLAMENTAR DAS DEPUTADAS MARANHENSES

Para pensar a ação política das parlamentares maranhenses, é importante delimitar em que campo se estabelece essa ação, a fim de compreender, descrever e definir as singularidades que possam clarear as formas específicas com que se revestem os mecanismos de poder, dominação e exclusão nesse campo.

A noção de campo desenvolvida por Bourdieu (1989, p. 27) “é em certo sentido uma estenografia conceitual de um modo de construção do objeto que vai comandar – ou orientar – todas as opções práticas da pesquisa”. Esse conceito permite compreender como os grupos e indivíduos participantes do mundo social intermediam, em conjunto, relações nas quais o campo se constitui um caminho para perceber as variações, para desvendar o invariável, o particular,o singular.

Dessa forma, é importante delimitar como campos de análise, neste estudo, os campos político e científico, uma vez que ambos funcionam como lugares geradores de concorrência entre os agentes neles envolvidos.

O campo político é o lugar de poder que se constitui por intermédio de disputas pelo monopólio do direito de falar e de agir em nome de uma parte ou da totalidade de um grupo social. O Legislativo, como mencionei anteriormente, se enquadra perfeitamente nessa interpretação de Bourdieu. Porém, em se tratando do Legislativo maranhense, poucos estudos têm analisado a dimensão desse campo na perspectiva das mulheres.

A estratégia aqui é desconstruir idéias impregnadas na sociedade sobre a ação política das mulheres. Se tais idéias, por um lado, reconhecem sua presença e existência, por outro, a desqualificam como participação “menor”. Ressignificar essa presença é romper com “um racionalismo estreito, que considera irracional qualquer ação ou representação que não seja engendrada” (BOURDIEU, 1996, p. 88) através dos modelos que produziram e têm reproduzido essas representações sociais.

Em geral, as mulheres não são representadas pela ciência como sujeitos autônomos, dotadas de poder de decisão e de qualidades e competências capazes de transformar os processos sociais. Nessa perspectiva, a leitura de Bourdieu

reforça os argumentos para romper com a propensão do pensamento “substancialista” e ingenuamente realistas, que impede que se reconheça que a oposição entre dominantes e dominados muda “dependendo do lugar, do espaço social, das práticas e do olhar de quem está analisando tal fenômeno” (BOURDIEU, 1996, p. 29).

Nesse sentido, romper com as armadilhas da invisibilidade das mulheres nesses campos é, ao mesmo tempo, entender como se estabelecem as relações de poder entre as diferentes posições sociais que garantem suficiente força aos sujeitos da ação política. Neste estudo, o sujeito político são as mulheres, cuja ação política no campo do Legislativo está refletida no conjunto de discursos, atos legislativos, participação em comissões e representação no mundo público.

Tais ações são conseqüências de suas vivências e práticas políticas, que não estão dissociadas das estruturas sociais e políticas construídas pelos habitus que, “enquanto estruturas estruturadas e estruturantes, constituem o princípio gerador e unificador do conjunto de práticas e das ideologias características de um grupo de agentes” (BOURDIEU, 1992, p. 191).

Compreender a dimensão do Legislativo enquanto campo de análise é importante para se entender como se dá essa ação. Nessa análise, deve ser considerada a exclusão histórica das mulheres e sua luta cotidiana para se inserir no mundo público, como já evidenciamos nos capítulos anteriores.

O Legislativo como espaço de poder só se tornou acessível às mulheres brasileiras em 1932, após a conquista do voto feminino. Durante séculos interditado às mulheres, o Legislativo pode ser caracterizado como um lugar de ausências no que se refere tanto à presença física das mulheres quanto à proposição de ações políticas que pudessem transformar as relações de gênero.

Os dados apresentados no capítulo três deste estudo evidenciam as dificuldades que as mulheres têm desafiado para romper com aquilo que lhes foi determinado como “destino” pela sociedade patriarcal, ainda presente nas estruturas e no imaginário social, fato que se evidencia na sua inserção nas instâncias do legislativo que tem sido lenta e marcada por entraves.

As funções do Poder Legislativo podem ser consideradas a partir de pontos básicos: representar, legislar e fiscalizar. Para muitos autores, a força ou a fraqueza do Legislativo repousa na sua importância no processo decisório relativo ao Executivo, uma vez que nesse processo ambos competem entre si na luta por uma posição hegemônica. Nesse processo, as ações e o sucesso do Legislativo “dependem de seu relacionamento com o Executivo” (MEZEY, s.d, p. 46).

A disputa entre o Legislativo e o Executivo é posta como um luta para formular a agenda política e definir os objetivos do Estado. Destaca-se a prerrogativa formal de separação dos poderes entre o Executivo e o Legislativo, a qual por sua vez estrutura e legitima o conflito entre os poderes (DINIZ, 2005, p. 334).

A finalidade do Poder Legislativo está além de “Fiscalizar o trabalho do Poder Executivo”. Insere-se na produção de iniciativas regulamentadoras da vida dos cidadãos e nas questões de interesse da sociedade. O bom exercício dessas atribuições depende de variáreis internas e externas ao Parlamento.

As variáveis internas referem-se, principalmente, ao que se prevê no Regimento Interno da Casa como sendo funções exclusivas do Legislativo. As externas, por sua vez, representam um conjunto de fatores que englobam as relações com o Poder Executivo e a capacidade deste em determinar a agenda parlamentar, a influência do Judiciário e dos órgãos de controle, os impactos e ou checks and balances de outros entes... o peso dos grupos de interesse, o grau de participação da sociedade e o

accountability exercido por ela e, por fim, as competências legislativas e

materiais do nível de governo em questão (ABRUCIO; TEIXEIRA E COSTA, 2001, p. 222).

3.5.1 O Legislativo Maranhense: as artimanhas do poder

A Assembléia Legislativa do Maranhão não está isenta dos problemas acima mencionados. Sua história data do período do Império, quando D. Pedro I dissolveu o Congresso Legislativo Constituinte, convocando outro, com a missão de trabalhar um novo projeto para a elaboração da nova Constituição do País. A relação dessa nova Carta com a história do Legislativo maranhense

[…] está cristalizada no seu artigo 72, que cria os Conselhos Gerais das Províncias. Essas estruturas de poder tinham, entre outras funções, a incumbência de discutir e deliberar sobre os negócios mais importantes das províncias (nessa época ainda não havia estados e municípios). Os conselhos podiam elaborar projetos de interesse específico da região, de

acordo com o grau de urgência e necessidade. No Maranhão, ele representa o embrião da futura Assembléia Legislativa, que só ganharia força com a queda do regime imperial e o advento do Brasil República (MARANHÃO, 2005)

Sua instalação se deu somente em 1º de dezembro de 1829, num dos salões superiores da Capela-Mor da Sé, onde hoje está edificado o Palácio Episcopal, na Praça Pedro II. Isto evidencia sua estreita relação com a Igreja Católica, que durante muitos anos interferiu nos negócios do Estado.

As mudanças ocorridas no País, que culminaram com golpes e revisões constitucionais, também se fizeram sentir no Legislativo maranhense, acarretando uma série de fechamentos e reaberturas, frutos das disputas entre as diversas facções políticas.

De 1966 até o presente momento, a presidência da Assembléia Legislativa do Maranhão tem sido representada, na maior parte dos mandatos, por aliados do ex-presidente José Sarney, eleito governador do Maranhão no ano supracitado. Na atual legislatura, vive um momento de grande efervescência, já que os deputados atestam como sendo um momento ímpar, em virtude de o atual presidente não estar alinhado ao grupo Sarney. Para o deputado Mauro Bezerra,

…Isso nunca tinha acontecido… a Assembléia Legislativa do Maranhão estar contra o grupo Sarney que sempre comandou o Legislativo. Hoje enquanto temos cerca de 28 deputados contra o sistema, o Sarney conta com apenas 13. É uma inversão de posição que eu acredito que ela possa se refletir na eleição de 2006.

Isso não significa dizer que mudaram as relações de poder na estrutura política do Legislativo, uma vez que o presidente foi, até bem recentemente, um aliado do grupo Sarney. Porém, ficam evidentes as mudanças na estrutura funcional do Legislativo. Parte dessas mudanças teve início na gestão da mesa diretora que antecedeu a atual, que foi adequando as ações da Casa a um modelo mais funcional e mais articulado com os outros Legislativos do País. Na atual gestão, destaca-se a organização de um sistema de informação eficiente, que permite acompanhar as ações do Legislativo através dos Diários da Assembléia, um programa de rádio, e tomadas diárias nas emissoras de televisão, aproximando, assim, as ações do Legislativo da sociedade e permitindo uma maior transparência nos seus atos.

É importante enfatizar que as iniciativas de veiculação midiática das ações legislativas, embora importantes para coletivizá-las junto à sociedade, têm uma perspectiva bastante “eleitoreira”. Isso se torna evidente diante da exposição freqüente do atual presidente da Casa, que se projeta como um dos prováveis candidatos ao governo do Estado nas próximas eleições.

Ao analisar o Legislativo maranhense na atual conjuntura, tem que se considerar, portanto, sua história e as articulações atuais, as quais reforçaram as rupturas que tornam esse poder dividido em muitas frentes ou muitos lados: os apoiadores do governo de José Reinaldo Tavares e adversários da oligarquia Sarney; os adversários do governo de José Reinaldo e aliados da oligarquia; os apoiadores de José Reinaldo, mas não necessariamente adversários da oligarquia; os aliados da oligarquia, mas não necessariamente adversários de José Reinaldo; e os adversários da oligarquia e do governo de José Reinaldo. É como enfatiza a deputada Helena Heluy:

Aqui no Maranhão, estamos vivendo um momento privilegiado para uma pesquisa bem aprofundada, uma disputa de poder no mesmo grupo, com as mesmas práticas. E é disputa! Chega-se ao ponto de se um lado se encaminhar tal projeto, já é visto pelo outro como algo que é para ser destruído mesmo! E todos têm a mesma visão de mundo, de sociedade e de exercício de poder.

Percebe-se, então, que é um poder marcado pelo conflito, pela disputa, num quadro de divergências políticas em que está em jogo o quadro sucessório e uma luta por espaços, por base eleitoral, por recursos, por cargos. No debate, estão presentes interesses contrariados e favorecidos, de modo que nesse jogo é que se dá a ação política das mulheres e dos homens que constituem o objeto de minhas próximas análises.

Entende-se por ação política todo o processo de convergência de interesses de grupos mediante uma correlação de forças cujas estratégias visam assegurar a integridade e o atendimento desses interesses, sem perder de vista a coletividade.

Nas análises da ação política desenvolvida pelas/os parlamentares, são evidentes as estratégias que ligam seus mandatos a suas trajetórias partidárias, na relação direta com seus espaços sociais ou “redutos políticos”. Nessa ação, estão

presentes formas mais conciliadoras, buscando interlocução em espaços dentro e fora do poder, costurando alianças nas estruturas hierárquicas partidárias e do Estado, a fim de garantir a implementação de suas propostas nos centros de decisão política.

As dificuldades para romper a invisibilidade são quebradas por articulações, negociações e pressões, mas também, muitas vezes, por trocas, barganhas, apoios e diferentes interesses, nem sempre explícitos55 e quase sempre não reconhecidos pelas/os parlamentares.

Mesmo considerando interesses diversos, o Legislativo se tornou, em muitas situações, um sujeito político importante nas negociações do Estado com os movimentos sociais. Com o movimento feminista, por exemplo, a ação política das mulheres no Congresso Nacional possibilitou a implementação de políticas públicas e programas governamentais que ampliam a cidadania feminina e a conversão de parte das desigualdades de gênero no País.

A ação parlamentar das deputadas maranhenses é analisada neste estudo através das articulações que elas estabelecem no trabalho contínuo nas Comissões Permanentes, nos atos legislativos geradores de projetos de lei – os quais subtendem mudanças ou manutenção de processos –, nos discursos políticos e na atuação no plenário do Legislativo.