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“É PRECISO ALGO MAIS” _ ELISA MASSELLI

“Artur estava cada vez mais envolvido. Sem a presença de Iracema ele tinha a tarde toda para fumar no quintal. Já não lutava mais contra. Aos poucos, começou a gostar da sensação que a maconha lhe proporcionava. Tinha momentos de alegria e outros de depressão. Os pais, acreditando que ele estava passando por uma idade difícil ou apaixonado, deixaram de se preocupar com suas mudanças de humor.

Dias depois, ao mexer no bolso do casaco para pegar um cigarro de maconha, Artur notou que só restavam dois. Isso aconteceu depois do almoço. Todos haviam saído, e ele novamente ficou apavorado:

"E agora? O que vou fazer? Não tenho mais dinheiro! Vou ligar para Rodrigo."

Pegou o telefone e ligou. No outro lado da linha, Rodrigo atendeu:

Com voz ofegante, Artur disse:

— Alô, Rodrigo! Preciso falar com você! — O que aconteceu?

— Meus bagulhos terminaram, preciso de mais! — Tem dinheiro?

Artur demorou um pouco para responder. Mentiu: — Tenho!

— Está bem, venha até aqui, iremos juntos. — Já estou indo.

Desligou. Sabia que havia mentido, mas fora necessário: "Se eu dissesse a verdade, ele não iria comigo. Até chegar lá, eu penso em um modo de conseguir bagulho”.

Na rua, Artur saiu correndo em direção à casa de Rodrigo. Precisava ir e voltar o mais rápido possível. Quando seus pais chegassem, ele já deveria estar em casa. Quando chegou, Rodrigo já o estava esperando no portão. Com aquele sorriso irônico de sempre, disse:

— Chegou logo! Está mesmo com pressa! — Claro que sim, preciso voltar logo. Vamos?

Juntos foram para a favela. Jiló estava sentado em um banco em frente ao seu barraco. Ao vê-los, sorriu:

— De novo aqui? Vieram buscar bagulho? Rodrigo respondeu:

— Isso mesmo. Os de Artur terminaram e os meus também, precisamos de mais.

— Trouxeram dinheiro?

— Eu não tenho, mas Artur tem. — Quanto você tem?

Havia chegado à hora. Artur, com a cabeça baixa, disse: — Também não tenho, mas o colar que eu lhe dei valia muito mais dos que a maconha que você me deu.

— Está querendo dizer o quê?

— Que preciso de mais maconha, e que você me deu muito pouco pelo colar. Quero pedir que me dê mais um pouco, depois eu trarei o dinheiro...

Jiló começou a rir. Rodrigo ficou nervoso, pois ele também não tinha mais bagulho nem dinheiro.

— Oh, cara! Você ainda não aprendeu que sem dinheiro não tem bagulho?

— Sei, mas estou precisando!

— Já disse que o bagulho não cai do céu, eu também preciso pagar para poder fornecer.

Artur já estava desesperado. Disse quase chorando: — Mas eu preciso!

— Se não tem dinheiro, traga alguma coisa da sua casa. — Não posso mais fazer isso, não tem mais nada que eu possa trazer sem que a falta seja notada.

— Então não tem jeito. Sem pagamento não tem bagulho. Rodrigo, muito nervoso, disse:

— Artur! Você mentiu?

— Se eu dissesse a verdade você não teria vindo. — Não teria mesmo!

Rodrigo olhou para Jiló, que também olhava ora para um, ora para outro. Rodrigo, em tom de súplica, disse:

— Ele me enganou, mas estou precisando também... — Tem dinheiro?

— Não, mas depois eu trago outro freguês!

— Já faz muito tempo que você não traz ninguém. O último foi esse aí. Já levou toda a sua porcentagem.

Rodrigo, quase chorando, disse:

— Estou tentando, mas não estou conseguindo. Logo mais trarei outro.

— Quando trouxer, lhe darei...

— Estou sem bagulho! Como vou ficar? — Pode sempre voltar a fazer "aquilo"... — Não, não posso! É muito perigoso!

— Perigoso nada! Quantas vezes já fez e não aconteceu nada? Artur se interessou pela conversa:

— Se Rodrigo quiser, ele conta. Talvez seja uma solução para você também.

Rodrigo tentou mais uma vez: — Não tem mesmo outro jeito?

— Não, sem dinheiro não tem bagulho. Se eu fosse vocês, aproveitaria que estamos no começo do mês. Hoje é um bom dia para se fazer o "trabalho".

Artur se entusiasmou:

— Trabalho? Faço qualquer trabalho!

— Rodrigo, está vendo? Ele faz qualquer tipo de trabalho. Está na hora de ensinar.

Ele olhou para Artur. Disse:

— Não adianta, ele não vai ter coragem, é muito medroso! — Leve-o com você e mostre como se faz. Depois vão para outro lugar e você o deixa fazer. Se conseguirem, podem voltar, terão o bagulho que precisam.

Rodrigo olhou mais uma vez para Artur. Disse: — Vamos, vou mostrar como se faz.

Artur seguiu-o. Rodrigo, calado, caminhava. Tomaram um ônibus. Embora não soubesse o que ia fazer, Artur estava animado, era o que mais queria. Ter seu próprio dinheiro para comprar a sua maconha.

Desceram no centro de um bairro muito movimentado. Na rua principal existia muito comércio. As pessoas caminhavam de um lado para o outro. Rodrigo dirigiu-se até um banco, entrou, notou que havia muitas pessoas na fila do caixa. A fila era enorme. Prestou atenção em tudo. Levou Artur para um canto do banco e disse:

— Está vendo aquela senhora que está na fila? — Qual?

— Aquela de casaco preto.

Artur olhou e logo identificou a senhora. — Estou. Quem é ela?

— Não sei quem é ela. Você vai lá para fora, fica esperando que ela saia do banco. Eu sairei em seguida.

— Não estou entendendo.

— Não precisa entender, precisa só ficar esperto, e quando ela sair, veja para que lado ela vai. Siga-a de perto. Eu vou passar correndo, darei um empurrão para que ela caia. Assim que isso acontecer, você corre para ajudá-la a se levantar.

— Vai roubá-la?

Nervoso, Rodrigo respondeu:

— Não vou roubar! Vou arrumar o dinheiro que a gente precisa! Se quiser o bagulho, tem que fazer o que eu disse. Mas se não quiser, pode ir embora, farei sozinho!

Artur pensou um pouco, sabia que não poderia ficar sem a maconha. Aceitou com a cabeça. Saiu do banco e ficou ali até ver a senhora sair. Rodrigo saiu em seguida:

— Para onde ela foi? — Naquela direção.

— Vamos atrás dela! Já sabe o que fazer. — Estou com medo...

— Não quer o bagulho? — Quero!

— Então faça o que eu disse.

A senhora caminhava devagar olhando as vitrines. Tinha sobre os ombros uma bolsa. Artur ficou mais ou menos a um metro atrás dela. Andava no mesmo passo que ela. Caminharam alguns metros, quando Artur viu Rodrigo passar correndo e

empurrar a senhora, que com um grito, caiu. Ele se aproximou e abaixou-se, dizendo:

— A senhora está bem?

Ela, assustada e surpresa, disse:

— Estou meu filho, mas e minha bolsa? Minha bolsa! Alguém levou!

Artur, tremendo muito, ajudou-a a se levantar. Ela gritava, as pessoas olhavam para os lados. Artur também, mas não viu nem a sombra de Rodrigo. Ele aproveitara enquanto ela estava caída e saíra andando disfarçadamente. Ela, entre surpresa e assustada, chorava:

— Como vou fazer? Vim receber a minha aposentadoria! E agora? È todo o dinheiro que tenho para passar o mês...

As pessoas se aproximaram, tentavam consolá-la. Ela chorava, mas aos poucos as pessoas se afastaram. Artur ficou ali sem saber o que fazer ou dizer. Ela disse, chorando:

— Não tenho dinheiro nem para a condução, não sei como irei para casa. Meu filho, não teria ao menos esse dinheiro para me dar?

Artur não tinha. Mas uma senhora que estava por perto tinha e deu a ela, que chorando, agradeceu muito e foi embora.

Ele voltou a olhar para os lados procurando por Rodrigo. Sem saber o que fazer, ficou andando de um lado para o outro. Após uns dez minutos, Rodrigo se aproximou falando rápido:

— Vamos sair daqui, siga-me.

Artur o seguiu, tremia e não se conformava com o que haviam feito. Chegaram ao ponto de ônibus. Rodrigo estava muito nervoso:

— Tanto trabalho para quase nada! — Onde está a bolsa dela?

— Tirei o dinheiro e joguei fora!

— Não devíamos ter feito isso. Era todo o dinheiro que ela tinha...

— Não se preocupe com isso! Ela deve ter filhos! — E se não tiver?

— Isso não é da nossa conta. Agora precisamos ir para a favela, estou muito mal! Preciso do bagulho.

Artur seguiu-o calado, pois ele também estava precisando, e muito. Na favela, Jiló os recebeu com um sorriso:

— Voltaram logo. Conseguiram? Rodrigo respondeu mostrando o dinheiro:

— Sim, está aqui! — Só isso?

— Era tudo o que tinha na bolsa!

— Isso aqui não vai dar pra comprar muito bagulho, não! — Sei disso. Amanhã iremos para outro bairro, conseguiremos mais e voltaremos.

— Está bem, aqui estão alguns bagulhos.

Deu alguns cigarros para Rodrigo que, ofegante, acendeu e deu um para Artur.

Após terminarem, Rodrigo contou como havia sido. — Está bem, mas sabem que precisarão de muito mais. Artur não ouvia, via a imagem da mulher chorando. Ele também começou a chorar:

— Coitada da mulher... Só tinha aquele dinheiro para passar o mês...

Rodrigo disse raivoso:

— Pare de chorar! Parece uma menina! Chora à toa! Já disse que isso não é problema nosso!

— Sabe muito bem que não havia outra solução. Hoje você fez a parte mais fácil. Amanhã terá que dar o empurrão.

— Eu? Não conseguirei!

— Se não conseguir, não vou mais dividir!

Artur sabia que estava totalmente dominado pela maconha. Sabia também que teria que fazer aquilo. Rodrigo continuou:

— Já devia ter aprendido que é difícil só na primeira vez. Depois fica fácil.

— Está bem... Não tem outro jeito mesmo. Agora preciso ir para casa...

No dia seguinte, logo depois do almoço, Artur foi se encontrar com Rodrigo e, juntos, foram para outro bairro. Entraram no banco, escolheram a pessoa que seria assaltada. Artur deu o empurrão, Rodrigo a socorreu. Nesse dia tiveram mais sorte. A quantia era bem maior.

Artur percebeu que realmente era muito fácil. Como Rodrigo dissera: só foi difícil a primeira vez.

Daquele dia em diante, eles começaram a assaltar. Faziam isso no começo do mês, tinham assim quase toda a maconha de que precisavam.

O tempo foi passando. Artur estava tranqüilo em relação ao modo como conseguiria pagar a maconha. Em casa tudo caminhava. Odete não quis mais uma empregada. Com a ajuda deles, conseguia manter a casa. Aos sábados, a mãe de um de seus alunos ia e fazia uma faxina. Odete pedira que fosse aos sábados, pois estaria em casa e poderia vigiá-la. Mesmo assim, as jóias, o dinheiro e os objetos de valor foram colocados em um cofre.

Artur continuava saindo à noite para fumar no quintal. A presença de Leandro dormindo ao seu lado o incomodava. Um dia, pela manhã, quando sua mãe foi acordá-lo, ele pediu:

— Mamãe, já não está na hora de Leandro ir dormir no quarto dele?

Odete admirou-se:

— Por que está dizendo isso? Nunca reclamou.

— Sei, mas ele já está grande, às vezes eu quero levantar à noite e mexer no computador. Não faço porque tenho medo de acordá-lo.

— Você acorda durante a noite?

— Nem sempre, mas de vez em quando acordo.

— Vou falar com ele. Sei que vai ficar triste, está acostumado.

— Já está bem grandinho.

— Está bem, vou falar com ele, mas agora se levante.

Ela saiu do quarto. Não entendia o porquê daquilo, mas estava muito atarefada, precisava deixar a casa em ordem antes do almoço. Embora Álvaro lhe houvesse dito para deixar a escola, não quisera fazer isso.

Naquela mesma noite, sob protesto, Leandro foi dormir em seu quarto.

O dinheiro começava a chegar fácil. Rapidamente Artur se acostumou. As pessoas atacadas eram frágeis, não tinham como reagir, e eles assaltavam em um tempo cada vez mais curto. Fazia dois meses que estavam assaltando e dividindo toda a maconha que conseguiam.

Em uma tarde, como fazia todos os dias, assim que todos saíram Artur foi para a casa de Rodrigo. Tocou a campainha e Rodrigo abriu a porta. Estranhou, ele estava diferente. Seu rosto

estava vermelho, ele ria muito e dizia que via coisas e ouvia vozes. Falava com alguém que só ele via. Artur, assustado, perguntou:

— O que você tem?

— Cara! Você nem imagina o que tô sentindo! É uma maravilha!

— O que é? O que está sentindo?

— Venha aqui, vou lhe mostrar! Artur o acompanhou até a sala.

Sobre a mesa, e espalhado, havia um corredor feito com um pó branco que Artur não conhecia. Rodrigo disse:

— Tape o nariz e inspire este pó, assim, deste jeito. Vai sentir algo que nunca sentiu antes.

— O que é isso?

— Não importa, faça do jeito que falei! Garanto que não vai se arrepender!

Entusiasmado com a atitude de Rodrigo, Artur obedeceu. Fez exatamente o que Rodrigo ensinara. Aproximou-se, debruçou- se sobre a mesa e inspirou. Após alguns minutos, começou a rir. Não conseguia descrever a sensação que sentia. O cigarro de maconha lhe dava prazer, mas aquilo era muito superior.

Não sentia aquela vontade de sair correndo, queria ficar ali parado, ou melhor, sentado. As imagens que vinham a sua mente eram incríveis. Daquele dia em diante, deixou de usar maconha. Só queria o pó.

Quando sentia que estava em depressão, saía em busca do pó.

O tempo foi passando, Artur ficava sozinho em casa. Continuou fazendo os assaltos, tendo assim dinheiro para comprar o pó branco. Seu humor mudava de uma alegria imensa até uma depressão profunda, mas seus pais não notaram. Além

de estarem preocupados com seus afazeres, achavam que era tudo questão da idade. Artur, sem a presença de Leandro em seu quarto e de Iracema em casa, não teve mais preocupação em esconder o pó no casaco. Deixava os pacotinhos do pó dentro de uma gaveta na mesa do computador. Sabia que ninguém entrava em seu quarto ou mexia nas suas coisas. Nunca mais foi para a aula de natação ou de computação. Passava toda a tarde andando com Rodrigo ou na favela junto com Jiló, planejando o próximo assalto.

Na escola, procurou acompanhar as aulas, sem a pressão da falta do pó. Até que conseguiu, mas suas notas baixaram. Novamente seus pais não perceberam, porque não estavam acostumados a verificar isso. Além do mais, sabiam que ele sempre tirava notas altas nas provas. Naquele final de ano, Artur não foi muito bem, ficou de segunda época em quatro matérias: Português, Ciências, Matemática e História. Ficou preocupado:

"Como vou dizer para meus pais? Eles vão desconfiar. O que vou fazer? Tenho ainda uns quinze dias para dizer. Até lá, encontrarei uma maneira."

Desde que começara a usar aquele pó, ele não se preocupava com mais nada. Achava que sempre encontraria uma solução fácil para seus problemas. Por estar preocupado com as notas, a única solução que encontrou naquele momento foi esparramar o pó sobre a mesa e aspirá-lo.

Em uma das tardes em que conversava com Rodrigo e Jiló, este disse:

— Vocês agora estão usando o pó, e sabem que ele é bem mais caro. Têm que assaltar várias vezes para conseguir o dinheiro que precisam para o mês todo. Tenho um assunto pra tratar com vocês.

Se aceitarem, poderão trabalhar só uma vez por mês.

Os dois se interessaram por aquela conversa. Rodrigo, curioso, perguntou:

— Que assunto?

— Tem um cara aí que precisa de um carro. Ele paga muito bem...

Artur se assustou:

— Não! Isso é muito perigoso! Não vou fazer! Rodrigo continuou:

— Jiló, não sei se ele está preparado pra isso. Ainda é muito cedo.

— Não vou insistir, quando estiverem prontos é só falar. Se eu fosse vocês, pensaria bem no assunto. Acho que vale a pena. E uma boa...

Artur concordou com a cabeça. Ele e Rodrigo saíram dali. Artur seguia ao lado de Rodrigo. Aquela conversa com Jiló realmente o assustara. Disse:

— Rodrigo, o que você acha daquilo que Jiló disse?

— Que cara é essa, Artur? Já sabe que roubar não é tão difícil. Carro é ainda mais fácil. A gente só precisa esperar o dono estacionar e se afastar.

— Se ele ou alguém nos vir?

— Ninguém vai ver, e se acontecer, a gente corre. — Não sei não...

— É muito mais perigoso a gente continuar assaltando velhinho, tem sempre muita gente por perto. Além disso, precisamos nos arriscar muitas vezes. Nem sempre a gente consegue um bom dinheiro que dê para o mês todo.

— Nisso você tem razão...

— Infelizmente, é verdade.

— Infelizmente coisa nenhuma! Bem que você gosta do pó! Quer saber de uma coisa? Eu vou até o barraco pra continuar o assunto com Jiló! Se você não quiser, não precisa ir, mas já sabe, não vou dividir mais! Vai ter que se virar!

Artur foi obrigado a concordar. No íntimo ele gostava de usar a droga. Ela lhe dava um prazer indescritível.

Sem dizer mais nada, Rodrigo se voltou e começou a caminhar novamente em direção à favela. Artur ficou vendo-o se afastar. Em seguida, correu atrás dele.

— Está bem, vou com você. Vai dar tudo certo.

Rodrigo sorriu, e juntos chegaram ao barraco de Jiló, que ao vê-los, disse:

— Decidiram bem depressa! Toparam fazer o serviço? Rodrigo foi quem respondeu:

— Estivemos conversando e decidimos fazer o trabalho. — Assim é que se fala...

— Vamos ao que interessa. Quantos carros a gente vai precisar roubar pra ter pó por um mês?

Jiló pensou um pouco antes de responder. Levava os dedos aos lábios, como se estivesse fazendo uma conta. Disse:

— Um ou no máximo dois.

No documento É Preciso Algo Mais (Elisa Masselli) - PDF (páginas 131-144)