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SENTIMENTO DE CULPA

No documento É Preciso Algo Mais (Elisa Masselli) - PDF (páginas 166-174)

“É PRECISO ALGO MAIS” _ ELISA MASSELLI

“Odete também estava nervosa e muito assustada, por isso, ao ouvir o barulho do carro entrando na garagem, foi correndo para lá. Ao vê-los, disse, ansiosa:

— Ainda bem que chegaram! Não agüentava mais de tanta preocupação!

Entraram calados, ela os seguiu. Já lá dentro, na sala, perguntou:

— Artur! O que aconteceu? Por que estava na delegacia? Por que demoraram tanto?

Leandro acordou com o barulho do carro. Olhou para o relógio, estranhou que seu pai estivesse chegando àquela hora. Saiu do seu quarto, seguiu pelo corredor e parou no alto da escada exatamente no momento em que eles entraram. Ao ouvir a palavra delegacia, parou. Sentou-se no primeiro degrau da escada. Embora não fosse visto, podia com tranqüilidade ouvir o que diziam.

Ao ver o rosto de desespero de sua mulher, Álvaro disse: — Odete, sente-se, teremos uma longa conversa.

Ela estranhou ao ouvi-lo chamá-la pelo primeiro nome. Ele nunca fazia isso, a não ser quando estava nervoso ou tinha um assunto muito grave. Muito nervosa, sentou-se. Ele sentou-se ao seu lado. Olhou para Artur, dizendo:

— Você quer que eu conte ou prefere contar?

Artur tremia muito, e continuou de cabeça baixa. Não conseguia olhar para a mãe.

Álvaro, percebendo que ele não queria falar, seguiu:

— Nunca mais esquecerei a cena que vi ao chegar à delegacia.

— Que cena?

— Seu filho encostado no canto de uma sala e algemado. — Algemado!?! Como!?! Por que!?!

— Por ter tentado furtar um carro. — Furtar um carro!?!

— Isso mesmo.

— Você deve estar delirando! Por que ele faria isso? — Para poder comprar droga.

Ela se levantou, não queria acreditar no que estava ouvindo, mas sabia que seu marido jamais inventaria ou brincaria com um assunto como aquele. Gritou:

— Droga? Não! Não pode ser!

Começou a chorar. Álvaro levantou-se e a abraçou:

— Sinto muito, mas é verdade, seu filho está usando drogas!

— Que tipo de drogas?

— Não sei! Pergunte a ele! Ela, desesperada, perguntou: — Artur, que tipo de droga?

Ele, sem levantar a cabeça, disse: — Cocaína.

— Meu Deus! Por que, Artur? Por quê? Ele não respondeu, apenas chorava.

Leandro continuava no alto da escada. Ao ouvir aquilo e ver o desespero dos pais, começou a chorar, mas não teve coragem para descer a escada. Continuou ali quieto e parado.

Odete livrou-se dos braços de Álvaro e foi para junto de Artur. Com as mãos, levantou sua cabeça, fez com que ele ficasse com os olhos diante dos dela:

— Meu filho, por quê? Por quê? O que estava lhe faltando? Porque não nos pediu ajuda? Sei que o erro foi meu, deixei escapar alguma coisa, só não consigo imaginar o que seja. Que foi meu filho? O que deixei de fazer?

Artur só chorava, não conseguia dizer nada. Permaneceu calado. Ela continuou:

— Sempre me julguei uma boa mãe... Sempre achei que estava agindo certo... Meu Deus! E agora? Como vai ser?

Abraçou Artur bem forte junto ao seu coração. Ficou assim por um longo tempo, sem dizer nada, apenas abraçando-o e chorando. Ele também, por sua vez, fazia o mesmo. Por detrás dos ombros de Artur, olhou para o marido:

— O que faremos? — Volte a se sentar. Ela se sentou. Ele disse:

— O delegado é um homem com muita experiência nesses casos. Disse que a melhor solução será o internarmos em uma clínica de desintoxicação.

— Acredita mesmo que seja o melhor?

— Não sei! Nunca imaginei que um dia isso acontecesse! Também não sei o que é melhor!

Depois de muito tempo calado, Artur olhou para mãe e disse, chorando em tom de súplica:

— Não, mamãe... Por favor, não! Não quero ir para clínica alguma! Prometo que nunca mais vou usar cocaína ou outra droga qualquer. Voltarei a estudar, a nadar e a mexer no meu computador.

Antes que Odete dissesse qualquer coisa, Álvaro o interrompeu:

— O delegado disse para não confiarmos em nada do que ele dissesse, pois para conseguir a droga eles choram, mentem, enganam e até roubam.

Assim que terminou de dizer essa última palavra, olhou em direção à cozinha. A imagem de Iracema surgiu em sua frente. Lembrou-se com exatidão de tudo o que havia sucedido ali, naquela mesma sala. Levou como uma flechada no peito. Voltou- se para Artur:

— Artur, roubaram mesmo seu tênis? Foi Iracema quem tirou o colar de casa?

Ele sabia que já não precisava esconder mais nada, o que temia acontecera. Seus pais já sabiam de tudo. Com a cabeça baixa, respondeu:

— Não foi Iracema quem tirou o colar, e ninguém roubou meus tênis. Eu os troquei por maconha...

Odete soltou uma exclamação:

— Meu Deus! Como pôde Artur? Você não sentiu pena dela?

— Desculpe mamãe... Sinto muito...

Leandro não resistiu mais, desceu a escada correndo e gritando:

— Não disse que não tinha sido ela? Não disse? Como teve coragem de deixar que todos pensassem que tinha sido ela? Como teve coragem de deixar que o papai a levasse para a delegacia?

Odete abraçou o filho:

— Sempre teve razão, mas Artur precisa de nossa ajuda. Ele está doente. Amanhã, depois que o levarmos para a clínica,

iremos juntos à favela onde ela mora e pediremos perdão. Vamos ver se conseguimos fazer com que ela volte.

— Vai fazer isso mesmo? — Vou sim...

— Posso ir junto? — Claro que pode.

Álvaro permaneceu calado. De repente, deu um soco em sua própria cabeça, dizendo:

— Como fui estúpido? E o filho dela? Um rapaz esforçado, estudioso e trabalhador! Que terá sido feito dele?

— Não adianta ficar assim, amanhã resolveremos isso. Pediremos perdão, e se ele ainda quiser, poderá fazer com que volte para o escritório.

— Agora não há nada mesmo que eu possa fazer. Você tem razão, amanhã faremos isso. Agora você, Artur, vá para o seu quarto, prepare uma maleta com algumas roupas, deixe tudo pronto. Amanhã terá a oportunidade de recomeçar. Logo cedo telefonarei para todas as clínicas que o delegado me deu. Escolherei aquela que me pareça a melhor. Pode subir.

Artur tentou abraçá-lo, mas ele não permitiu. Sua mãe o beijou, Leandro não quis olhar para ele. Lentamente subiu e entrou em seu quarto.

Entrou no banheiro e tomou um banho. Não conseguia parar de chorar. Voltou para o quarto e deitou-se de costas como sempre fazia. Começou a relembrar tudo, desde o começo. A festa, Mariana, tudo que havia feito por causa da droga. O desespero de Iracema dizendo que não havia sido ela. O rosto de seu pai quando o encontrara na delegacia, a atitude de sua mãe quando tomara conhecimento, o olhar de ódio que Leandro lhe desferira. As imagens iam passando, e ele cada vez chorava mais. Decidiu:

"Nunca mais usarei droga, haja o que houver. Talvez eu consiga mesmo ser curado nessa clínica. Por que não? Pode ser a solução!" Aos poucos, foi se acalmando. Adormeceu. Enquanto isso, na sala, Álvaro conversava com Leandro:

— Sei meu filho, que está muito triste. Tentou nos avisar sobre Iracema, mas como vê, jamais poderia ter imaginado que seu irmão estivesse envolvido nisso.

Ele chorava muito enquanto dizia:

— Sei disso, mas eu disse que ela não tinha feito aquilo. Odete o abraçou:

— Sabemos disso, e estamos pedindo perdão. Já disse que amanhã iremos procurá-la, e se Deus quiser, a traremos de volta. Esse problema não vai ser difícil de resolver. O problema maior que temos é com Artur. Tomara que consigamos ajudá-lo a se curar.

Agora vá para seu quarto e tente dormir. Amanhã teremos um longo dia, com muitos problemas para resolver. Dê um beijo em seu pai e boa noite.

Ele se aproximou do pai e beijou seu rosto: — Boa noite, papai.

— Boa noite, meu filho. Durma bem.

Olhou para a mãe, sorriu e subiu a escada. Passou pelo quarto de Artur, a porta estava aberta, mas não quis entrar, estava muito magoado. Não entendia a extensão de tudo que estava acontecendo. Só de uma coisa tinha certeza. Pensava:

"Jamais o perdoarei! Ele não podia ter feito aquilo com Iracema..."

Na sala, Odete se levantou e foi em direção à cozinha. Preparou um chá e em seguida voltou para a sala levando em uma bandeja duas xícaras, um pequeno bule e um açucareiro. Colocou

a bandeja em cima da mesa de centro. Vagarosamente pôs o chá dentro das xícaras, adoçou e ofereceu ao marido. Pegou a dela e sentou-se ao lado dele. Ele começou a beber, mas ela notou que seus olhos estavam perdidos no espaço. Perguntou:

— Em que está pensando?

— Na minha infância, em minha mãe viúva, trabalhando como lavadeira para nos sustentar. Na revolta que eu sentia por viver naquela pobreza. No que eu dizia todas as noites antes de dormir.

— O que você dizia?

— Não me lembro com exatidão das palavras, mas era mais ou menos assim: "Deus, se é que existe mesmo, faça com que eu ganhe muito dinheiro para poder ajudar minha mãe, dar todo o conforto que ela merece e aos meus irmãos também, e quando eu for grande e tiver meus filhos, não permita que eles sintam nunca falta de nada...”.

— Você conseguiu tudo isso. Sua mãe hoje mora em uma casa que você comprou para ela. Tem uma vida tranqüila. Quanto aos seus filhos, eles sempre tiveram tudo o que desejaram, nunca lhes faltou nada! Você é um vencedor!

— Também acreditava nisso, até esta noite. Consegui mesmo tudo o que havia desejado só que, em algum momento do caminho, eu me perdi. Estou agora tentando descobrir que momento foi esse.

Ela, segurando sua mão, respondeu:

— Não deve se torturar... Você sempre foi e é um bom pai e um marido maravilhoso. Se existe algum culpado nessa história, sou eu. Eu sim não devo ter dado a ele a atenção necessária. Devo ter deixado escapar alguma coisa. Talvez por ele ter sido sempre um bom menino, julguei que não havia problema algum.

— Não sei dizer qual de nós é o culpado, mas tentaremos descobrir.

Ela se levantou e deu um beijo em seu rosto, dizendo:

— Só que não vai ser agora. Já está tarde, vamos nos deitar e tentar dormir. Sinto que nem tudo está perdido, conseguiremos trazer nosso filho de volta.

Ele também se levantou, retribuiu o beijo e abraçou-a. Subiram a escada.

Ao passarem pelo quarto de Artur, Odete percebeu que sua porta estava apenas encostada. Abriu devagar, viu que ele estava deitado e com os olhos fixos no teto. Segurando a mão do marido, entrou. Ele a acompanhou. Ela se dirigiu à cama de Artur, ajoelhou-se e disse:

— Artur... Sei que também não está sendo fácil para você. Eu e seu pai conversamos e chegamos à conclusão de que em algum momento nós falhamos.

Ele, chorando, disse:

— Não! Não falharam! São os pais mais maravilhosos deste mundo!

— Falhamos sim. Se assim não fosse, você teria nos contado qual era o problema...

— Por serem maravilhosos foi que não tive coragem de contar! Não queria que soubessem nunca! Não queria ver em seus rostos o que estou vendo agora! Decepção e tristeza.

— Você devia ter nos contado, mas agora já passou. Você é nosso filho e o amamos muito. Amanhã irá para a clínica, lá eles tirarão toda a droga que está em seu corpo e você não sentirá mais falta dela. Voltará a ser o filho que sempre foi de quem nos orgulhamos muito.

— Claro que sim. Agora não se preocupe, trate de dormir. Álvaro não disse nada, apenas aproximou-se e o beijou. Artur sentiu um alívio profundo. Sorriu. Pai e mãe saíram abraçados do quarto”.

No documento É Preciso Algo Mais (Elisa Masselli) - PDF (páginas 166-174)