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A conservação de variedades locais (etnovariedades) de espécies cultivadas, envolve questões diversas quanto à unidade de diversidade que se considera nas análises. Genes, indivíduos (no caso de espécies de propagação vegetativa) e variedades, são contextualizados em termos de sua distribuição no espaço. Medidas de diversidade muitas vezes são de difícil comparação pois levam em conta unidades ou escalas diferentes de análise como por exemplo "grupo linguístico", "tribo", "comunidade", e “roça” (Emperaire, 2001). Esta heterogeneidade metodológica pode levar a interpretações errôneas quando considerados o manejo de diversidade entre locais diferentes e mesmo dentro dos locais estudados.

O principal foco de análise no âmbito da conservação de diversidade cultivada é fortemente influenciado por questões ecogeográficas (Zimmerer, 1998). O contexto espacial mais difundido quanto à conservação de variedades tradicionais (etnoveriedades), está relacionado à campos de cultivo locais (Harlan, 1975; Brücher, 1989). Do ponto de vista ecogeográfico isso corresponderia ao que se chama de adaptação a “grão fino” onde cada variedade local estaria restrita a distintos microhabitats (Zimmerer, 1998). A organização da diversidade em nível regional ou mesmo em escalas maiores de organização começou a ser revista pelas novas abordagens relacionadas ao conceito de metapopulações. Mesmo havendo certa confusão de terminologia, pois alguns geográfos considerarem metapopulações “como grupos interconectados de espécies e subespécies” (sic) (Zimmerer, 1998), a questão fundamental é a mudança de paradigma quanto a versatilidade ecológica, levando em consideração o papel da integração de diferentes escalas espaciais de manejo, que influenciam a conservação de diversidade cultivada (Zimmerer e Douches, 1991; Epperson, 1993)

I.11. Metapopulações

Um dos modelos tanto genéticos como ecológicos que pode ajudar a entender a dinâmica do sistema agrícola é o modelo de metapopulações. É conhecido genericamente como o modelo de populações interconectadas, ou também como modelo de “população de populações” (Wright, 1931; Levins, 1970). Atualmente, segundo Hastings e Harrison

(1994), o conceito de metapopulações pode ser melhor definido como “qualquer conjunto de populações co-específicas conectadas por dispersão”.

Na ecologia, Levins (1970) formulou o chamado “modelo clássico” onde conjuntos de demes, subpopulações, ou populações locais, consideradas transitórias, devem persistir através de um balanço entre extinção local e recolonização. Na genética Wright (1931), forneceu o primeiro insight sobre o assunto, com a teoria da equilíbrio instável (shifting

balance theory), porém foi Slatkin (1977) quem introduziu o conceito de metapopulação na

genética de populações (Giles e Goudet 1997).

Segundo Lewis (1970), numa estrutura de metapopulações, populações locais estão interligadas por imigração e emigração. Segundo Gotelli (1995), esta interconexão considera o movimento potencial de indivíduos entre locais, importante para a persistência e sobrevivência das populações. Neste modelo faz-se uma distinção entre extinção local, na qual uma simples população desaparece, e extinção regional, na qual todas as populações do sistema morrem. Segundo Hanski (1997), mesmo se as populações são conectadas por migração, o risco de extinção regional é muito menor que o risco de extinção local. O modelo de metapopulações incorpora conceitos utilizados pela genética, para explicar o fato de muitas espécies terem populações interligadas por recorrentes trocas causadas por migração, contextualizadas em termos de fluxo gênico e isolamento genético (Giles e Goudet 1997). Segundo Slatkin (1985), fluxo de genes é um termo coletivo que inclui todos os mecanismos que resultam no movimento de genes entre populações, e quando associados ao estudo de taxas de cruzamento traz uma perspectiva dinâmica aos estudos de estrutura genética de populações (Reis, 1996).

O conceito de metapopulações, aplicado à plantas cultivadas, reflete importantes avanços para o conceito de desenvolvimento sustentado, relacionado à diversidade de cultivos agrícolas, pois requer atenção especial para a questão de escala(Zimmerer, 1998). Utilizando o conceito de metapopulações para espécies e variedades locais de batata (Solanum ssp.), Zimmerer (1998) mostra que tanto numa escala local, em nível de unidades familiares, até uma escala regional, existe adaptação a uma amplitude de condições ambientais, graças ao fato das espécies, subespécies e variedades locais estarem interconectadas pelas redes de troca das populações humanas. Segundo este autor, o conceito de metapopulações permite analisar as variedades locais de batata como um

sistema aberto ao invés de geneticamente isolado, no qual poderiam ser criadas variedades especializadas à condições específicas. Louette (2000), analisando raças locais de milho entre os comunidades indígenas em Cuzalapa, Peru, mostra como os processos de perda de variedades e, extinção local, são compensadas pelas trocas de variedades entre agricultores, que agem analogamente ao processo de colonização. Segundo Louette (2000), as perdas e as trocas são processos análogos à extição e à colonização de sub-populações. Para Zimmerer (1998), o conceito de metapopulações indica um novo paradigma, que explicita a relação recíproca da diversidade biológica com as técnicas de manejo agrícola, mostrando que estas técnicas são tanto causa como efeito da versatilidade ecológica destes cultivos. Analisando os estudos de Salick (1997), Zimmerer (1998) considera que para mandioca podem existir raças locais especializadas, principalmente quanto à variação de altitude. Segundo autor, o isolamento de unidades familiares na região Amazônica, restringindo fluxo de sementes (genes), pode ajudar a produzir e manter esta diferenciação eco-genética. O conceito de metapopulações é considerado o conceito que melhor expressa a união da abordagem da ecologia de populações com a genética de populações (Husband e Barret, 1996). Entretanto, esta “união” de abordagens ainda esbarra na visão “individual” por parte dos ecólogos e “alélica” por parte dos geneticistas, o que torna relativamente diferente as abordagens quanto à estrutura populacional (Silvertown, 1991). Além disso, apesar de conceitos-chaves para a genética, como efeito de fundação, deriva genética, fluxo gênico, tamanho efetivo populacional e organização hierárquica da diversidade assumirem populações espacialmente estruturadas, na ecologia de populações a estrutura espacial foi por muito tempo ignorada (Silvertown, 1991). Segundo este autor, a dificuldade em estudar migração entre populações locais, além da dinâmica de colonização e extinção, estaria nas dificuldade práticas em se estimar dispersão, fazendo com que os estudos de ecologia de populações se concentrem em escalas pequenas de análise, tratando partes diferentes de populações como réplicas ou como entidades separadas, não como unidades potencialmente interdependentes.