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CARACTERÍSTICAS DAS POPULACÕES HUMANAS E DO USO LOCAL DAS ROÇAS UTILIZADAS PARA AGRICULTURA DE COIVARA.

1.4. Resultados e discussão

1.4.1. Os agricultores itinerantes atuais na Mata Atlântica.

Os resultados foram analisados separadamente e de acordo com a amostra analisada. Assim, a amostra de 55 agricultores que ainda faziam roça no ano de 1999 representam 33 unidades familiares..

As unidades familiares, que ainda usam a agricultura itinerante como técnica agrícola, não devem ultrapassar 7% (59/866) de todas as unidades familiares residentes nas 16 comunidades visitadas (Tabela 1.1). A amostra de agricultores avaliados e incluídos neste estudo corresponde a cerca de 56% (33/59) das unidades familiares que ainda executam agricultura itinerante.

Tabela 1.1. Comunidades e número de unidades familiares de agricultores itinerantes na

região sul do litoral paulista.

Comunidade Unidades familiares1 Unidades familiares

de agricultores itinerantes Unidades familiares incluídas neste estudo2 Aquários 25 1 1 Vila Nova 35 2 2 Praia do Leste 15 1 1 Icapara 3003 18-24 7 Sorocabinha 15 3 2 Ilha Grande 25 2 2 Subaúma 11 3 2 Porto Cubatão 100* 3 1 Itapitangui 200* 4 1 Prainha 6 2 1

São Paulo Bagre 20 3 3

Agrossolar 10 1 1 Papagaio 1 1 1 Juruvaúva 6 2 2 Pedrinhas 40 5 5 Ubatuba 5 2 1 Total 866 53-59 33 * Dados estimados

1 Residentes nas comunidades

2 Estão incluídos apenas agricultores que fizeram roça nos últimos 5 anos.

3 Os dados da população de Icapara foram obtidos a partir das informações cedidad pelo do SUDS de Icapara.. Os dados de Porto Cubatão foram estimados

Para padronização dos resultados, nos cálculos das características da amostra de 33 unidades familiares foram considerados apenas as entrevistas do informante ao qual se direcionavam as perguntas e que, por ocasião da entrevista, era designado pela esposa ou esposo como “o que entende mais”, ou “mais se dedica” à roça, ou mesmo o que se sentia mais à vontade para a entrevista.

Esta amostra é representada por agricultores com faixa etária média de 61 anos (desvio padrão=10,68), sendo 16 mulheres e 17 homens, com moda igual a 60 anos, e com a idade variando de 36 anos a 78 anos. Apenas 36,0% (N=12) dos agricultores têm idade menor que 60 anos, indicando uma população com idade bastante avançada para a atividade agrícola. Desta população de agricultores, 87% possuem filhos maiores de 18 anos que não trabalham na atividade agrícola, dedicando-se então a outras atividades, como caseiros,

guias de pesca, diaristas, ou funcionários públicos. Apesar disso, em 36,0% das unidades familiares (N=12) os filhos homens ajudam na fase de derrubada e queima.

Entre estas unidades familiares não há comercialização de excedentes de produção em feiras ou mercados nas cidades. Em apenas 6 unidades familiares a farinha de mandioca é vendida no interior de seus bairros. Em duas das unidades familiares de Icapara (Iguape) os agricultores declararam vender cará (Dioscorea alata L.). O restante das famílias trocam ou presenteiam algum excedente circunscrito ao âmbito da família e/ou vizinhos. Nestas unidades familiares parte significativa da renda é originada dos benefícios da aposentadoria como trabalhadores rurais (Hanazaki, 2001)

Para a execução das atividades agrícolas há clara divisão de trabalho por sexo. Estas atividades são divididas em 5 etapas: derrubada, enleiramento, queima, preparo de covas e plantio. Apesar da pouca disponibilidade de mão de obra familiar, as fases iniciais, principalmente a derrubada, é uma atividade masculina, com 72,0% dos casos reportados, seguido de 27,0% onde tanto o homem como a mulher participam de todas as atividades de preparo da roça.

Em nenhuma das famílias a mulher foi apontada unicamente como executora de preparo da roça, porém a situação se inverte na fase de plantio com 57,0% das mulheres atuando nesta fase, contra apenas 30,0% dos casos onde o homem foi declarado como executor de plantio. Em apenas 12,0% dos casos foi declarado que ambos participavam do plantio.

A atividade feminina no plantio é um padrão que se repete em diferentes locais no Brasil e no mundo (Boster, 1985; Ribeiro, 1995). As causas locais apontadas para este perfil relacionam-se ao consenso de que as mulheres são mais cuidadosas no plantio, e a crença de que o sucesso reprodutivo das mudas é maior quando o plantio é executado pela mulher. As atividades de subsistência entre os caiçaras estão claramente relacionadas ao gênero, sendo a pesca a mais evidente, associada ao sexo masculino (Hanazaki, 2001). No caso de plantas cultivadas como a mandioca, a conexão entre o ambiente doméstico de preparo dos alimentos e a roça está também relacionada à identificação correta de variedades. Entre o grupo das mandiocas, a existência de variedades de níveis variáveis de toxidez (“mandiocas-bravas” mais tóxicas, e “aipins” menos tóxicas), faz com que a identificação tenha que ser precisa. Uma vez que estes níveis diferenciados de toxidez determinarão o tipo de produto, ou seja, “mandiocas-bravas” serão usadas exclusivamente

para fabricação de farinha, e “aipins”, para farinha e também para produtos assados e cozidos. O sucesso feminino nas atividades de plantio está também na identificação de solos mais adequados para cada tipo de cultura ou até mesmo variedades. Como disse uma agricultora em Icapara “essa terra ta me chamando, ... tá pedindo pra plantá arroz”.

A tecnologia utilizada nas roças prescinde de utensílios agrícolas. As únicas ferramentas utilizadas para o plantio, assim como para outras fases do manejo da roça, são o facão e a enxada. Em 57,6% dos casos (N=19) o plantio da mandioca é feito intercalando- se os indivíduos de diferentes variedades na mesma “cova”, que caracteriza-se por ser um montículo elevado de aproximadamente 1,50m de diâmetro, feito para evitar encharcamento das raízes. O plantio no nível do solo é executado somente nas áreas livres de encharcamento, que podem variar de uma roça para outra. Em 42,40% dos casos o plantio é feito separando as variedades em diversas subdivisões dentro da roça. É comum a crença que se deve separar “aipins” de “mandiocas-bravas”, caso contrário o “aipim vira

mandioca”. Em Pedrinhas é possível identificar estas covas nas roças em pousio, e nas

roças abandonadas entre capoeiras antigas em estágios diferentes de regeneração.

A época de preparo começa no período das secas, principalmente em junho, com alguns agricultores iniciando ainda em maio as atividades de preparo do solo. Neste período é executada a derrubada e o enleiramento. No fim de julho e início de agosto é executada a queimada das áreas, com o plantio concentrando-se em setembro e outubro. Esta fase se estende até novembro nos casos onde há variedades de mandioca com ciclos de maturação diferenciados, que permitem plantio escalonado para colheita ao longo do ano seguinte. Este escalonamento é feito principalmente para as variedades de “aipim”, que podem ser consumidas assadas ou cozidas. (Capítulo 2).

Apenas em duas unidades familiares houve relato do uso esporádico de adubo químico. Foi declarado por muitos agricultores que o não uso deste se deve à falta de recursos financeiros para adquirir o produto. Entre os agricultores há um sentido generalizado de conflito em relação à atividade agrícola que executam. Por um lado, eles consideram que a agricultura é “atrasada”, improdutiva para o mercado, e sem importância nas esferas locais (municipais) de poder. Por outro lado, há um sentimento de perda principalmente quanto às variedades que possúem. O uso de adubo, de tecnologia e o

como um incentivo para as gerações mais jovens se dedicarem à obtenção de renda com a agricultura.