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Recorte 1 – Trecho de transcrição da primeira sessão com os docentes.

6 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS: OS NÚCLEOS DE SIGNIFICAÇÃO

6.1 Núcleo 1: Concepções de DH e EDH para a equipe gestora Figura 3 – Núcleo 1.

Fonte: Elaborado pela pesquisadora.

Dentro desse núcleo, pudemos observar as significações da equipe gestora sobre os direitos humanos, interpretando-os como os direitos naturais, como os direitos que as pessoas precisam para sobreviver, mostrando, dessa forma, uma visão de senso comum dos direitos humanos. Essa interpretação pode ter surgido por conta da palavra “humano” na definição dos direitos. Os direitos naturais não deixam de ser direitos humanos, mas não são sua síntese.

Quando a equipe gestora fala que a escola trabalha a questão dos direitos de forma desconectada, e ainda que a escola trabalha todos os dias, mas de forma descontextualizada, demostra que a equipe entende que os direitos humanos são trabalhados na escola, pois é um tema que “tá tão inserido em tudo que a gente faz diariamente” (11/11/2016 C1), em todas as situações cotidianas. Porém, nessas situações, os agentes escolares não ficam nomeando o assunto, tratando-os como de direitos humanos, quando corrigimos um aluno que age de maneira preconceituosa, por exemplo.

“Eu acho que a gente trabalha sim, mas de uma maneira

descontextualizada não, não é descontextualizada, é

porque muitos temas que são trabalhados na escola nós trabalhamos assim” (11/11/2016 C2).

Marilena Chaui ajuda-nos a entender as falas de senso comum da sociedade:

● São subjetivos, isto é, exprimem sentimentos e opiniões individuais e de grupos...

● Levam a uma avaliação qualitativa das coisas... são julgadas por nós como grandes ou pequenas, doces ou azedas, pesadas ou leves, novas ou velhas, belas ou feias, quentes ou frias, úteis ou inúteis...

● Em decorrência das generalizações, tendem a estabelecer relações de causa e efeito entre as coisas ou entre fatos: “dize-me com quem tu andas e te direi quem és”... (CHAUI, 2006, p. 217)

Vimos nas falas da equipe gestora o senso comum dos direitos humanos, suas opiniões, seus julgamentos e generalizações. Diferente de uma atitude científica, que, em primeiro lugar, desconfia das coisas, traz dúvidas e incertezas e busca objetividade, com critérios de investigação estruturados.

“A ideia de direitos humanos como algo complexo idealizado ou distante da vida concreta gera uma postura de passividade” (ASSUMPÇÃO E LEONARDI, 2017, p. 86, 87). A interpretação de que os direitos humanos são direitos naturais do homem, além de gerar a postura de passividade, ainda constituem um empecilho para o trabalho da EDH na escola, pois, como a gestão da escola poderia intervir em problemas relacionados a conflitos de convivência se não são reconhecidos e nem vistos como problemas? Dessa forma, sem conhecer e reconhecer adequadamente as questões cotidianas relacionadas aos direitos humanos tece-se um impedimento de uma possibilidade de intervenção e de prevenção de violação de direitos.

6.2 Núcleo 2: Aquilo que falta para um projeto de EDH na escola está no outro: falta respaldo, falta reflexão para o professor, falta tempo, falta respeito...

Figura 4 – Núcleo 2.

Fonte: Elaborado pela pesquisadora.

Com esse núcleo pudemos observar alguns empecilhos para o desenvolvimento de um possível projeto de EDH na escola. A equipe gestora afirma que “a escola é uma representação em menor escala da sociedade" (11/11/16 C1). E que como as crianças e os adolescentes estão em formação, na escola seria mais fácil de realizarmos um trabalho em EDH. Mas que escola é essa? Que sociedade é essa? Ao longo das sessões, pudemos ver que a equipe acredita que o preconceito existe na nossa escola e na sociedade. Porém, na sociedade, lidar com o assunto é mais difícil por conta de paradigmas.

A escola tem projetos que trabalham a africanidade, por exemplo; mesmo assim, as atitudes preconceituosas e racistas continuam acontecendo, “então

alguma coisa está errada” (11/11/16 C2).

Muitas questões de paradigmas ainda são reforçadas na escola, como jogo de futebol só para meninos e jogo de vôlei para as meninas, ou “você não vê menino trazendo boneca para a escola nem menina trazendo carrinho” e se acontece “até as professoras acham estranho” (11/11/16 C1). “Acho que a escola incentiva um pouco” (11/11/16 C2).

Para a equipe gestora, a sociedade não sabe lidar com as questões de diferença, e na escola reproduzimos o que a sociedade faz, e vamos além porque incentivamos, “da mesma forma que na sociedade algumas pessoas não sabem lidar,

na escola também tem professores que não sabem lidar, ainda temos algumas coisas para serem resolvidas” (11/11/16 C1).

“Nossa escola se preocupa em passar o conteúdo. A gente forma literalmente essas crianças, colocamos todas nas formas” (11/11/16 C2).

Dessa forma, podemos interpretar que a educação que fazemos é uma educação que incentiva paradigmas e privilegia o conteúdo. É uma educação vinda da concepção econômica, como já citado no capítulo 3 desta dissertação. Segundo Haddad e Graciano (2006), essa educação é considerada como “capital humano”. Podemos relembrar também Silva (2010) que nos traz a solidariedade, a humildade, o respeito ao próximo como valores que deveriam ser mais importantes que as exigências econômicas.

Historicamente a escola tem exercido papel paradoxal. Se de um lado é reafirmada sua importância na promoção dos direitos fundamentais, de outro, a escola, como principal agente institucional da educação, tem servido igualmente a fins discricionários, promovendo práticas de intolerância, cultivando preconceitos, reforçando desigualdades sociais, homogeneizando diversidades. Os exemplos de determinadas práticas voltadas não para promover, mas para estigmatizar indivíduos, grupos ou culturas igualmente se multiplicam no interior das escolas. Figuram como espécies de retratos sociais, presentes na sociedade mais ampla, por vezes tratados com a mesma carga de preconceitos pelas escolas. (OLIVEIRA, 2017, p. 133)

Outro impedimento seria falta de respaldo da secretaria de educação e a inexistência de gestão democrática. Segundo a equipe gestora, não conseguimos trazer a democracia para dentro da escola porque a sociedade não deixa. Acreditamos que essa “sociedade” é o governo vigente que tem uma administração centralizadora, conforme já descrevemos na caracterização do município.

Os participantes afirmaram que os professores não podem falar de determinados assuntos, geralmente de assuntos polêmicos envolvendo os paradigmas da sociedade. Dessa forma, os professores não têm respaldo da direção, que também não terá respaldo da secretaria de educação.

“Mas cada vez menos se fala de todos os assuntos polêmicos, a gente fala cada vez menos, a gente pensa cada vez menos e não ensina

Para a equipe gestora, alguns professores não sabem lidar com o diferente. Dessa forma, precisariam passar por um processo de reflexão, “porque às vezes ele vem pra escola tão vestido de suas convicções que ele tem dificuldade de aceitar...” (05/12/16 C2). Entendemos, então, que o professor acaba reproduzindo o que ele aprendeu na sociedade. Podemos ver isso quando a equipe gestora diz que o professor sempre fala que quer um aluno crítico, quer que os alunos reflitam, mas quando os alunos questionam algo que o professor fez, para o professor o aluno está respondendo mal: “quando o aluno critica ele não está sendo reflexível, está desrespeitando” (12/12/16 O1).

A equipe reconhece que precisariam ser discutidos esses paradigmas com os professores primeiro, antes de se pensar em um projeto de EDH para a escola. No final das sessões, não se falava mais em formação para os professores e sim em sessões reflexivas como as que fizemos.

“Só essas sessões reflexivas que estamos fazendo, se a gente conseguisse fazer essas sessões com os professores já muda a prática da pessoa” (14/12/16 C2).

As sessões reflexivas permitiriam que o professor falasse, tivesse o direito de ser ouvido, como uma oportunidade de ser respeitado. Interessante o fato de a equipe gestora entender que o professor seria respeitado só pelo fato de ser ouvido.

Agora apresentaremos uma discussão com base nos núcleos encontrados nas sessões com a equipe docente.

6.3 Núcleo 3: Concepções de Direitos Humanos para o grupo de professores: