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Recorte 1 – Trecho de transcrição da primeira sessão com os docentes.

6 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS: OS NÚCLEOS DE SIGNIFICAÇÃO

6.4 Núcleo 4: O professor não tem direito “Porque é uma coisa de todo mundo

ter direito, todo mundo ter direito, e aí você fala: Onde está o meu nesse? 30/10/17 F1.

Figura 6 – Núcleo 4.

Fonte: Elaborado pela pesquisadora.

O principal significado desse núcleo são os direitos violados do professor e o quanto ele está descontente com a forma com que é tratado pela escola, pelo governo e pela sociedade. No capítulo 3, Haddad (2006) trata sobre o desafio do professor falar sobre direitos, educar em direitos quando muitos professores têm seus direitos violados: “Então, mas como trabalhar direitos se a gente desconhece os nossos? ” (30/10/2017 F6). Tratar o tema dos direitos humanos exige praticidade, exige educar pelo exemplo e combater violações diariamente, tarefa difícil quando o próprio professor não é respeitado.

Educar em Direitos Humanos também é um caminho de luta pela autonomia dos professores. Com as sessões pudemos perceber que antes de querer formar um sujeito de direitos, é necessário formar um professor sujeito de direitos, aquele que conhece seus direitos, luta por uma escola democrática e pela sua autonomia.

“Para conseguir dar aula... agora eu estou quase chegando à conclusão que tem que estudar legislação” (30/10/17 F1).

“... Isso... E essa é a nossa função assim, ser crítico, ensinar os nossos alunos a serem críticos para a gente construir uma sociedade melhor. E na base a gente já é tolhido, já é podado e se a gente desconhece os nossos direitos, isso cai como retaliação. Agora, se você sabe dos seus direitos, aí a coisa muda de figura, mas o quanto a gente

também é desrespeitado, tem retaliação sim, tem perseguição sim” (25/09/2017 F1).

Formar professores que se reconheçam como sujeitos de direitos seria uma alternativa para tentar diminuir a influência da cultura dominante e colonizadora existente em São Caetano do Sul e fazer valer a democracia na escola assim como a autonomia dos professores.

Tavares (2013) ajuda-nos na interpretação da EDH como uma educação política, pois luta por uma transformação social. Então, formar professores que se reconheçam sujeitos de direitos seria lutar para uma formação reflexiva desses professores, uma formação em seus direitos, sobre democracia, sobre direitos humanos, sobre cidadania, para que, entendendo, eles possam reivindicá-los e posteriormente combater as violações que eles mesmos sofrem e que os alunos sofrem.

As autoras Werle, Scheffer e Moreira (2012), ao abordarem a qualidade social da educação, conforme discorremos no capítulo II, ajudam-nos no entendimento da importância da reflexividade e da autonomia para os professores. Quando se trata dos resultados da educação que fazemos, nos números que produzimos, a discussão é: será que os professores sabem de onde vêm esses números, será que sabem interpretar esses dados, e ainda, como pensar em soluções, partindo de onde?

Todos os dados precisam de interpretação, inclusive os pareceres, as normas e as legislações. A qualidade social da educação necessita de reflexividade pois a interpretação da teoria está em um nível e a prática em outro. A autonomia auxilia na resolução de problemas e conflitos da escola, e, por isso, requer reflexão, responsabilidade e estudo.

Não só a qualidade social da educação, mas a EDH também necessita de reflexividade, que deve ser estimulada principalmente no contexto em que está inserida a escola em questão: “eu acho que aqui a comunidade tem um outro perfil, é

um perfil mais elitizado, as crianças que fazem a coisa errada aqui não se

sobressaem. Lá em São Paulo quem faz errado é maioria” (30/10/17 F1). Nessas falas podemos verificar que o público que a escola onde foi realizada a pesquisa é um público em sua maioria de classe média alta: “a impressão que eu tenho aqui é que muita aparência” (30/10/17 F6), e a rede municipal de ensino se preocupa muito com os resultados de provas externas. Isso também reflete na cobrança que o professor sofre para exercer seu trabalho.

Dallari (2007) fala sobre sociedades que por influência dos colonizadores, se tornaram individualistas e centralizadoras. A fala de uma professora traz esse significado – representa essa centralidade de poder de São Caetano do Sul. “Mas elitizado é assim: Eu mando” (30/10/17 F6).

Ainda segundo Dallari, esse tipo de sociedade “está cedendo lugar a uma nova sociedade de indivíduos associados” (DALLARI, 2007, p. 47). Mas, em São Caetano do Sul, isso ainda está no caminho:

“E o quanto é cômodo para quem está no poder ter aquele que se

omite, aquele que não questiona, não é? Porque quando você

questiona você é taxado, quando você omite está bom para eles, não é?” (25/09/2017 F7).

O que os professores da escola sentem é contrário ao objetivo da educação vista por Paulo Freire, em Pedagogia do Oprimido. A educação dá poder de emancipação, mas o que os professores revelaram é que falta na escola um espaço de reflexão como o espaço que foi dado aos professores na realização das sessões, “mas quando isso acontece as pessoas ficam com medo. Elas tentam cortar, e elas minam” (06/11/17 F1).

Ainda de acordo com Paulo Freire, a educação também nos permite questionar as explicações que sempre ouvimos. Entretanto, segundo o que os professores afirmaram nas sessões, o professor que questiona sofre retaliação: “poucas vezes,

quando a gente tem coragem, às vezes a gente sofre retaliação” (06/11/17 F2). O

professor não se sente como autor de sua aula, de seu trabalho. Sente-se engessado. “Nossa, quando eu chegar eu vou fazer assim, fazer assado. Quando você chega você, você chega engessado, chega para você e fala

assim: Olha, o negócio é o seguinte, é assim, assim, assim e você vai fazer assim, assim, assim. Aí você fala: Ai, então eu não posso fazer aquilo? Não, você não pode fazer aquilo, tem que fazer assim. Então aí você desanima um pouco, porque você se sente engessado” (06/11/17 F2).

“Um projeto, é tão legal, é tão bacana”. Não sei até quanto é bacana. Não sei. Porque até o projeto já tem pronto, você também tem que fazer daquele jeitinho” (06/11/17 F2).

Isso se deve ao conceito de qualidade de educação que se tem em São Caetano do Sul, um município com o melhor índice no IDEB do grande ABC, e quer continuar mantendo seus índices, com um conceito de qualidade econômica da educação, uma educação que padroniza o ensino, estimula o ranking nas escolas, conforme já abordamos no capítulo 3.

Depois da Constituição Federal de 1988, podemos afirmar que houve avanços na democracia, mas com o cenário de política atual, o texto “Cidadania a Porrete”, de Carvalho (1988) vem novamente fazer sentido. Nesse texto, a principal característica da sociedade é a passividade: o cidadão é passivo porque do contrário apanha. O bom cidadão é aquele que não questiona, que não reclama, não reivindica e que aceita todas as ordens e obedece, que aceita e respeita a hierarquia.

A base da cidadania está nos direitos dos cidadãos. O autor do texto compara a evolução dos direitos em outros países como Inglaterra e França, onde o princípio era a liberdade, e afirma que, no Brasil, aconteceu e acontece exatamente o contrário: a opressão. O cidadão é passivo porque, segundo o autor, se questionar será castigado. Então onde estão os direitos? Existem, mas não são respeitados. O pior é que esse castigo ainda está presente nos dias atuais. O que antes pode ter sido castigo físico, hoje, além de ainda existir esse tipo de opressão, temos censuras, enquadramento sindical, leis. Ou seja, a crítica é de uma sociedade que impõe a cidadania que lhe é conveniente.