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PRESTANDO CULTO A UMA ASCENDÊNCIA GUERREIRA: O TEMPO DA NAÇÃO

A NAÇÃO EM GUERRA

Publicado em 1984, o romance Yaka foi escrito ao longo de vários anos, num período que foi para Pepetela, como já se mencionou, de forte empenho na consolidação do projecto político do MPLA. O que possibilita uma interrogação acerca do impacto, sobre o projecto nacionalista aí desenhado, da situação de guerra que, com maior ou menor intensidade, assolou o país desde a declaração

64 A resolução aprovada na acima mencionada Conferência Inter-regional de Militantes de 1974 é explícita quanto ao reconhecimento do direito à nacionalidade para “todo o estrangeiro que participou na luta de libertação nacional” (Tali 2001b, vol. I: 227). Em Yaka este direito é reconhecido a Rigoberto, o instrutor cubano de Joel, que se recusa a ficar parado enquanto “los muchachos se van a pelear” (Y: 394), o que lhe vale um tiro no peito. A sua morte adquire, porém, uma forte carga simbólica, sugerindo-se a sua participação na comunidade mística da nação – Roberto morre naquela que fora a onganda do chefe cuvale Vilonda, apresentado como antepassado heróico da nação (Y: 394).

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da independência em 1975.65 Sugere-se que, ao tomar em consideração a

situação de guerra vivida em Angola à época da sua escrita, uma guerra cujas origens mais próximas se localizam no processo de independência de 1974-75 mas cujas raízes se estendem pelo menos até à década anterior, ao período de luta pela independência, se tornem mais compreensíveis certos contornos específicos do projecto nacionalista aí enunciado. Nomeadamente, o afastamento da FNLA e da UNITA da herança dos yaka e da nação angolana – que se trata já a seguir – e o modo como a condição de antepassado nacional parece estar vedada aos indivíduos que se tem vindo a denominar de “antigos assimilados”.

Entre as razões do preconceito e as da guerra: excluindo a FNLA e a UNITA da herança dos yaka

É proveitoso começar por lembrar aqui Mayombe, onde a participação de elementos bakongo no heróico grupo de guerrilheiros comandado por Sem Medo, ele próprio pertencendo a esse grupo, encenava um MPLA inclusivo e capaz de superar as divisões ditas tribais. Diferentemente do que acontecia nesse romance, é possível ver em Yaka uma tentativa de afastar os bakongo da nação angolana, e mesmo de os incluir na categoria de inimigo. Este afastamento pode ser entrevisto na “nota prévia” sobre os yaka, onde estes guerreiros são identificados com os jaga que, de acordo com o conhecido e muito contestado relato, teriam tomado de assalto o Reino do Congo, cercando o Rei numa ilha do rio Zaire de onde este teria sido salvo in extremis pelos portugueses, tornando- se seu vassalo. O comentário é elucidativo: “Foi o princípio do que se sabe” (Y: 13). O episódio teria então constituído o momento inicial de um longo historial de cooperação entre o Reino do Congo, e os bakongo em geral, e os portugueses.

65 Surge a pergunta: será possível, por analogia com o “socialismo de guerra” cunhado por Pierre Beaudet (1992) para descrever a situação angolana na década de 1980, falar de um “nacionalismo de guerra” a propósito deste romance de Pepetela?

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Depois, e como já se mencionou, o romance passa por alto o papel das populações bakongo, seja na resistência à ocupação colonial,66 seja nos eventos

de 1961.67 E é na referência aos acontecimentos de 1975 que se volta a encontrar

a menção a esta etnia, agora sob a forma de crítica à actuação do movimento de libertação com ela mais intimamente ligado, a FNLA.68 Relativamente aos

militares pertencentes ao Exército de Libertação Nacional de Angola (ELNA), o romance sublinha as suas características supostamente não-angolanas, mencionando “gorros de pele de leopardo e bengalas de soba falso” a acompanhar fardas de “mangas compridas e colarinho apertado à abako, nunca que vimos patrício assim mascarado” (Y: 323-324). Também as línguas faladas pelos soldados, maioritariamente de origem bakongo, seriam “estranhas” (Y: 326), no que o romance reproduz alguns dos estereótipos que alimentam um generalizado preconceito dos habitantes de Luanda relativamente a esta etnia.69

Por outro lado, insinua-se em Yaka a ligação da FNLA, tal como a da UNITA, ao exército português, procedendo-se ao que pode ser entendido como uma colagem ao grupo definido como sendo o dos inimigos. Finalmente, percebe-se

66 Um aspecto porém bem enfatizado na já mencionada obra de Pélissier (1986, vol. I: 268-286, 294-316), que Pepetela parece acompanhar quando se trata de descrever a oposição armada levada a cabo por outros grupos.

67 Em Yaka apenas se menciona no romance que o epicentro da revolta teve lugar no Norte, não sendo feita qualquer menção à resistência dos bakongo nem ao papel da FNLA nesta acção. 68 Chegando a este ponto, vale a pena lembrar que a repressão que se seguiu aos massacres de 1961 no Norte de Angola provocou a fuga em massa da população local, maioritariamente bakongo, para o vizinho e recém-independente Congo Léopoldville. Aí, essa população passou a constituir a base de apoio quase exclusiva da União dos Povos de Angola, a UPA, que manteve sempre fortes laços à população bakongo que, habitando de um e outro lado da fronteira de Angola com o Congo Léopoldville, constituía a sua base de recrutamento.

69 De acordo com Messiant, para este preconceito contra os bakongo teriam contribuído “a afirmação da sua diferença e da sua africanidade na vestimenta, na língua, na cultura” (1994: 190). Desde o início teria havido uma indesmentível rejeição dos bakongo no seu conjunto, que não desapareceu com os anos (1994: 191). Uma constatação de certo modo confirmada pela perseguição movida aos chamados “zairenses” a 22 de Janeiro de 1993 em Luanda, que é alvo de um esclarecedor artigo de Tali (1995).

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no romance uma tentativa de excluir os militares do ELNA do legado dos yaka quando se nega a aptidão deles para a guerra.70

Estes elementos configuram o que pode ser visto como uma insinuação do alheamento dos bakongo, mas sobretudo do movimento com eles conotado, a FNLA, da nação angolana. Uma rejeição ficcional que pode relacionar-se com acontecimentos que marcaram a história recente de Angola. Efectivamente, a aspiração à liderança do nacionalismo angolano constituiu uma permanente fonte de conflitos entre a FNLA e o MPLA. A instalação do MPLA em Léopoldville, em finais de 1961, marcou o início dos desentendimentos entre os dois movimentos que, apesar das pressões internacionais, nunca se uniram.71 O

poderio militar e a influência política da FNLA causaram então enormes dificuldades ao MPLA, 72 que viu as suas tropas serem atacadas pelo ELNA e

70 Em Yaka os soldados da FNLA são apresentados como militarmente incapazes, como fica patente na descrição da tomada de Benguela, onde a FNLA teria sido vencida, não pelas FAPLA, mas pelos “pioneiros” com as suar armas rudimentares – “os miúdos com as bocas imitavam tiros, os fenelas se assustaram, hum, abriram a disparar à toa. Depois os pioneiros se aproximavam da base deles e gritavam morram os fenelas e eles tátátá a gastar munições” (Y: 346). Tomada Benguela, a inaptidão deste exército torna-se uma certeza, inclusivamente para Bartolomeu Espinha que o apoiava: “Mesmo com os americanos a ajudar, estão arrumados” (Y: 369).

71 A instalação, em Outubro de 1961, do núcleo dirigente do MPLA em Léopoldville, onde se encontrava Holden Roberto, já então líder da UPA, provocou os primeiros desencontros entre os dois movimentos, que no entanto haviam tentado um entendimento aquando da conferência de Tunes, em Janeiro de 1960. Fora então assinada uma “Declaração Conjunta de Compromisso” que, de acordo com o testemunho de Lúcio Lara, teria por objectivo dar início a uma colaboração estreita entre as suas organizações (2000: 351-353), a qual no entanto nunca se chegou a concretizar.

72 Tendo-se transformado em Março de 1962 em Frente Nacional de Libertação Angolana (FNLA), o movimento encabeçado por Holden Roberto possuía um poder de mobilização que nesse primeiro momento lhe garantiu o apoio da recém-constituída OUA. E foi junto desse organismo internacional que Roberto fez reconhecer o Governo Revolucionário de Angola no Exílio (GRAE) para se impor como interlocutor do movimento independentista angolano a nível internacional. Ao mesmo tempo que era reconhecido pela OUA, Roberto consolidava a sua implantação no Congo, datando desta época a instalação de um campo de treino junto à fronteira com Angola, Kinkuzo. Segundo Fernando Andresen Guimarães, os militares da FNLA teriam ordens para eliminar os elementos da guerrilha do MPLA (1998: 64-65).

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impedidas de entrar em Angola. Sobre este tema é proveitoso citar Messiant, que resume os argumentos de uma rejeição recíproca radical:

Os „antigos assimilados‟ que dirigem o MPLA consideram que a direcção da FNLA é composta por estrangeiros, emigrantes, racistas, tribalistas e reaccionários, culturalmente não angolanos (não „assimilados‟). Os dirigentes da FNLA vêem na direcção do MPLA uma elite culturalmente não africana, que se assimilou e portanto se alienou, que está separada do povo e dominada por mestiços que, vistos todos eles como „filhos de colonos‟, quereriam a independência para tomar o lugar dos Brancos. (1994: 163)

Esta hostilidade entre o MPLA e a FNLA permaneceu ao longo dos anos e atravessou os vários palcos de guerra, nomeadamente o Leste de Angola, onde o MPLA manteve uma forte presença a partir de 1966, tornando-se cada vez mais difícil de solucionar politicamente. Ora, foi precisamente do tipo político a solução proposta, já em pleno processo de descolonização, no acordo assinado em Alvor, que reconheceu tanto a FNLA como o MPLA e a UNITA como legítimos representantes do povo angolano, colocando-os lado a lado no Governo de Transição que tomou posse em inícios de 1975. A campanha eleitoral que então se iniciou, e que deveria culminar na realização de eleições para a formação de uma Assembleia Constituinte em Novembro desse ano, rapidamente se afastou do rumo acordado. Não estando nenhum dos movimentos armados disposto a abdicar do poder, a campanha desembocou numa luta que, através do progressivo envolvimento directo do Zaire, de Cuba e da África do Sul, e indirecto dos EUA e da URSS, rapidamente transformou Angola num dos mais disputados palcos mundiais da Guerra Fria.73 O anúncio

73 A confiança da FNLA nos seus apoios internacionais e capacidade militar, terá estado na origem da decisão deste movimento de iniciar as hostilidades, o que fez lançando a 23 de Março de 1975 uma ofensiva contra as instalações do MPLA em Luanda (Gleijeses 2000: 70; Heimer 1979: 68). A resposta do MPLA resultou na expulsão de Luanda, no início de Julho, da FNLA, provocando uma escalada militar que em breve se estenderia a todo o país, envolvendo também a UNITA. A militarização do confronto entre os candidatos ao poder provocou um reforço da

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pelo MPLA da transição de poder, que nunca chegou a ser sancionada pelas eleições previstas em Alvor, teve lugar numa Luanda defendida por tropas do MPLA e cubanas, e sitiada pelos exércitos da FNLA e da UNITA, apoiados por tropas do Zaire, da África do Sul e ainda por mercenários a soldo da FNLA, entre os quais alguns portugueses vindos de Moçambique.

Também a UNITA – o terceiro signatário do Acordo de Alvor – é no romance excluída da herança dos yaka e da narrativa da construção da nação, através de menções a um seu suposto absentismo da luta anti-colonial e falta capacidade militar. 74 É preciso porém notar que este movimento, em meados da

intervenção estrangeira, que reduziu o complexo confronto angolano a um conflito

bipolarizado: se o MPLA era apoiado pelos países do Bloco de Leste, então as forças do ocidente apoiariam a FNLA e a UNITA. É de facto na lógica do confronto global entre as superpotências, levando cada uma a responder onde quer que a outra interviesse, que pode encontrar-se a explicação para a escalada da intervenção estrangeira em Angola. Foi nesse sentido que, em Agosto, entraram em cena a África do Sul e Cuba, a primeira ocupando as barragens do rio Cunene, a segunda através de um projecto de apoio envolvendo o envio de cerca de quinhentos instrutores e a montagem de quatro centros de treino militar (Gleijeses 2001: 72-73). A participação de tropas estrangeiras aumentou novamente em meados de Setembro, com a intervenção de soldados zairenses numa nova ofensiva sobre Luanda. A verdadeira escalada na intervenção militar estrangeira deu-se no entanto com a entrada em força, a 15 de Outubro, da South African Defence Force (SADF) em território angolano – era a Operação Savana, que pôs em causa a supremacia militar até então conseguida pelo MPLA. A caminho de Luanda, a SADF foi conquistando cidades que mal se lhe opuseram, numa progressão para Norte apenas travada a alturas do rio Cuanza, cujas pontes foram destruídas pelo MPLA (Gleijeses 2001: 81). Esta rápida deterioração da situação do MPLA levou Cuba a responder em força, dando início, no dia 7 de Novembro, a uma acção militar envolvendo o envio massivo de tropas – a Operação Carlota.

74 Em Yaka pode perceber-se a insinuação de que tanto a FNLA como a UNITA lutaram ao lado do exército português, recebendo, já durante o processo de descolonização, o apoio das autoridades coloniais. Os movimentos são depreciativamente referidos como “recém-chegados gordos e luzidios de festins ianques com ou sem gorros de pelo de leopardo e bengalas de soba falso”, e como aliados dos “senhores de império”. Usando da ironia, a estátua Yaka apresenta no seu mais longo monólogo uma imaginária conversa comprovativa desta aliança: “nós também lutamos e os senhores de império dizendo claro vocês é que lutaram e nós também lutamos e estranhamente era verdade porque a luta deles tinha sido a mesma” (Y: 323-324). Note-se que há um fundo de verdade na referência ao entendimento entre a UNITA e o exército português, concretizado através da “Operação Madeira”, um acordo com o comando militar português pelo qual a UNITA não seria atacada e receberia mesmo algum armamento se lutasse contra o MPLA (relativamente a este “entendimento” veja-se Pezarat Correia [1991],

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década de 1980, não era apenas um rival há muito ultrapassado pelo MPLA, representando antes um grave impedimento à pretensão deste a governar todo o território angolano. Ao contrário da FNLA que, após a contra-ofensiva levada a cabo pelo MPLA com o apoio do contingente militar cubano, reduziu a sua participação no conflito até se retirar por completo dele poucos anos mais tarde, a UNITA manteve-se militarmente activa. 75 A partir de 1976, juntamente com o

que restou da força de Daniel Chipenda76 – que ficou sob a alçada da SADF,

passando a constituir parte importante da Zulu Force – começou a operar a partir da Namíbia com o apoio da África do Sul e, um ano mais tarde, também do Zaire, auxílios a que se somaria, a partir de inícios da década de 1980, o dos EUA da Administração Reagan, oficializada em 1985 com a revogação da Emenda Clark. Estes apoios permitiram à UNITA sustentar contra o MPLA uma longa guerra pelo domínio de Angola, a qual ainda decorria, e com especial intensidade, à época da escrita de Yaka – a força da UNITA fica bem visível no

Guerra [1993] e Gomes [2001: 38]). Significativamente, no romance cala-se o favorecimento de

que o MPLA foi alvo por parte do Movimento das Forças Armadas (MFA) encabeçado em Angola por Rosa Coutinho – a este respeito o general Silva Cardoso refere em entrevista quer a integração, ainda em 1974, dos efectivos angolanos desmobilizados das forças portuguesas no exército do MPLA, quer a entrega de armas do exército português (2000: 50).

75 Graças ao apoio de um fortíssimo contingente cubano, o MPLA não só foi capaz, após a proclamação da independência em 11 de Novembro de 1975, de manter o controlo da cidade de Luanda, como ainda partiu para uma reconquista do território, primeiro para Norte, contra a FNLA, e no início de 1976 para Sul. Incapaz de responder à escalada do apoio militar cubano, a SADF iniciou então uma retirada que se completou a 27 de Março desse ano, pondo fim àquela que os partidários do MPLA chamaram de “segunda guerra de libertação”. A assinatura, em Agosto de 1978, de um acordo entre os governos de Angola e do Zaire pôs termo à participação da FNLA no conflito, reduzindo este movimento armado a um partido político quase sem expressão. Ao mesmo tempo aumentou a expressão internacional da UNITA, que passou a beneficiar de um reforço da ajuda norte americana.

76 Daniel Chipenda, um dos principais organizadores da Terceira Região Administrativa e Militar do MPLA, ou seja, da famosa Frente Leste, encabeçou, a partir de inícios da década de 1970, um movimento de descontentamento dos guerrilheiros desta região relativamente aos abusos cometidos pelos comandantes, quase todos pertencentes a etnias do Norte de Angola. Este movimento, que ficou conhecido como “Revolta do Leste”, acabou por retirar ao MPLA o controlo desta Região, doravante comandada por Chipenda graças àquilo que Costa Pinto apelidou de “neutralidade colaborante” da Zâmbia (2000b: 83). Sobre este assunto ver capítulo 5.

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facto de o MPLA se ter visto obrigado a manter junto a si um grande contingente militar cubano e a declarar o esforço de guerra como prioritário. 77

Dada a incapacidade do MPLA para, nessa década de 1980, alargar a acção governativa à totalidade do espaço angolano devido à presença militar da UNITA, é algo paradoxal que o romance insista no suposto pacifismo do movimento liderado por Jonas Savimbi. Porém, em Yaka é efectivamente possível distinguir uma tentativa de interpretar certos traços conciliadores que caracterizaram o discurso deste líder como sinais de falta de coragem. No seu longo monólogo, a estátua yaka refere “os que diziam só falar umbundo, nos olhos medo e nas mãos bengalas de soba, a terra quase livre tinham mais medo de quê, se perguntava o povo” (Y:326).78 Elementos que, de acordo com a lógica

belicista que orienta o romance, afastam a UNITA da herança dos yaka – a qual caberia então por inteiro ao MPLA.

A legitimação simbólica do MPLA

A transição de poder em Angola, que decorreu em situação de guerra civil, não foi legitimada pelo previsto processo eleitoral. Sugere-se que esta conjuntura se encontre refractada na narrativa de Yaka, nomeadamente na exclusão da FNLA e da UNITA da simbólica herança dos yaka, da qual pode depreender-se a impropriedade da aspiração destes movimentos nacionalistas a governarem Angola. Nesse sentido pode ver-se no romance uma tentativa de ficcionalmente colmatar o deficit de legitimidade de que sofria o MPLA ainda nessa década de 1980, a qual passa por mostrar como inválidas as pretensões dos seus rivais políticos. Já o MPLA pode nessa obra ser percebido como o legítimo e longamente esperado herdeiro dos yaka, característica que simbolicamente o habilita a governar todas as populações do espaço angolano.

77 Ennes Ferreira menciona o primeiro congresso extraordinário do MPLA-PT, bem como o segundo congresso, ambos na década de 1980, de onde teriam saído directivas no sentido de considerar prioritárias as necessidades de defesa (1995: 12).

78 Também pela boca de Joel, o bisneto de Alexandre Semedo, surge a reprovação de um alegado pacifismo da UNITA, por ele entendido como submissão ao poderio colonial: “São masé uns lacaios!” (Y: 332)

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Considere-se em primeiro lugar as virtudes guerreiras dos seguidores do movimento, a um tempo puros (a palavra é usada repetidamente em Y: 327), corajosos e inteligentes. Os guerrilheiros do MPLA distinguem-se, relata a estátua yaka no seu longo monólogo, por terem “de facto” (Y: 323) lutado contra os portugueses. Distinguem-se depois pela sua inteligência e coragem, como quando um comandante do MPLA, recorrendo à astúcia, consegue forçar o exército português a agir contra a FNLA (Y: 346-347) ou quando um comandante toma o Lobito com apenas dez homens e para mais ferido, pondo em fuga uma coluna de quatrocentos soldados da FNLA (Y: 381-82). Mesmo na derrota frente aos pejorativamente denominados “sulo-africães” (Y: 391) os militares do MPLA mostram a sua coragem, e o comandante Augusto morre quando corre “atrás dum blindado sul-africano para lhe meter uma granada dentro” (Y: 394).

Pode pressentir-se no romance a sugestão de que estas virtudes teriam trazido aos guerrilheiros do MPLA o reconhecimento, não só da estátua yaka, como da generalidade da população angolana, tanto a urbana responsável pela recepção apoteótica em Luanda e Benguela (Y: 323-324), como também a população rural, exemplificada nos cuvale e cuanhamas que não aceitariam nos seus territórios os outros movimentos de libertação. 79 Um apoio descrito como