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A paisagem natural do bairro de Maracanã tem sido uma das maiores inspirações para as temáticas das toadas do Boi de Maracanã. "A sombra da Palmeira" que intitula este item da tese tem a ver com uma imagem muito evocada pelo cantador Humberto, utilizando-se de uma metonímia, para se referir ao terreiro de origem de sua brincadeira, região de carnaúba, juçara, babaçu, entre outras espécies de palmeiras típicas da vegetação maranhense. Nessas palmeiras viveria o pássaro guriatã, ave

pequena e rara, de canto melodioso, que tem excelência no tom e é conhecido por ser um melhores imitadores dos sons emitidos por outros pássaros. Pela beleza de seu canto, mestre Humberto passou a ser comparado com este pássaro, o que caiu no gosto popular.

O bairro de Maracanã abriga a Sede ou Barracão do Boi, onde funciona a Associação Recreativa Beneficente Folclórica e Cultural de Maracanã e são desenvolvidas todas as atividades do Boi de Maracanã, lugar em que realizei a pesquisa de campo. Situa-se na zona rural de São Luís, uma região considerada Área de Proteção Ambiental (APA), mas que passa por uma constante ameaça de urbanização e de especulação industrial, devido à proximidade com a BR135 e o Distrito Industrial de São Luís. Logo, apesar da influência marcante do espaço rural na produção do Boi de Maracanã, esse processo é bastante influenciado pelo tensionamento com o ritmo da capital. Uma causa dessa tensão são questões ambientais e conflitos por terra: grandes empresas e o próprio Estado vêm desenvolvendo ações que estão poluindo rios, devastando a mata virgem da região, construindo prédios residenciais e comerciais. Os moradores de Maracanã e, também o Boi, vivem se posicionando contra essas ações, através de mobilizações coletivas, passeatas, denúncias ao Ministério Público. Na minha leitura, a forma de resistência e denúncia que o Boi encontrou para abraçar a causa da APA de Maracanã foi cantando suas belezas naturais, a diversidade do ecossistema da região e clamando pela consciência ambiental e pela reforma agrária, como se pode ver na toada "Minha terra", de Humberto de Maracanã, regravada para o CD de 2015 (ano de composição desconhecido).

Minha terra, Ó minha terra As tuas heranças Estão querendo tomar Afirma tuas colunas Minha terra

Não deixa a ventania dominar Ê Boi!

(BOI DE MARACANÃ, 2015)

Outro fator que modifica o imaginário do rural no Boi de Maracanã é que seus integrantes já não têm hoje tanta vinculação com o mundo do campo como tinham tempos atrás: não se pode mais dizer que o Maracanã é uma região de lavradores e agricultores apenas, pois seus moradores são trabalhadores rurais e urbanos, assumindo trabalhos na capital. Além disso, a lógica urbana atravessa a produção do Boi porque os

espetáculos da temporada junina se dão, em sua maioria, nos arraiais de bairros centrais da cidade de São Luís.

Carvalho (1995) chega a afirmar em sua pesquisa que a comunidade de Maracanã teria sido formada por antigos escravos que se localizaram em torno de uma propriedade e que com o advento da abolição, cinco famílias passaram a morar na região. Segundo a autora: "Antigos escravos de uma fazenda nas redondezas buscaram um novo local para se fixar e, então, cinco famílias – Pereira, Costa, Barbosa, Coutinho e Algarves – vieram morar nesta região" (CARVALHO, 1995, p.30).

É possível afirmar que na comunidade do Maracanã destacam-se o parentesco e as festas como signos importantes para a constituição identitária de seus moradores. Dentre essas, a festa da Juçara, os festejos dos Santos Reis e do Bumba meu boi são os mais expressivos, agendando a rotina dos moradores do bairro e atraindo pessoas de outras localidades de São Luís, além do apelo turístico. Como informa Araújo (2012, p. 13):

A localidade é formada por descendentes de escravos que, ao longo de sua história, foram construindo sua estrutura de parentesco por meio de laços consanguíneos e, também, por relações de solidariedade, uma vez que os confrontos com as pessoas da localidade vizinha chamada de Alegria mobilizou nos moradores do Maracanã o reconhecimento de diferenças e identificações, fomentando laços comunitários.

O Bumba meu boi é a principal festa do bairro de Maracanã e, é preciso destacar que recebe o nome do próprio bairro, o que demonstra a forte vinculação dessa festa com o seu lugar de origem. A festa do Bumba meu boi de Maracanã constitui elemento de aglutinação, de coesão social, pois consegue envolver os integrantes do Boi e os membros de comunidades colaboradoras em torno de suas atividades, reforçando a identidade coletiva do grupo. O grupo é formado por 650 integrantes regulares, mas esse número chega a 1200, em grandes dias de festa, reunindo pessoas oriundas de 22 bairros de São Luís que saem de suas casas para seguir o Boi nos arraiais e compor o grande Batalhão.

É nesse espaço, chamado Sede ou Barracão, onde se concentram as Assembleias da associação e reuniões de trabalho do grupo para a preparação das festas (bordados, confecção de indumentárias, construção de acessórios, preparo de comidas, entre outros), os rituais de batismo e morte do Boi, os ensaios e todas as atividades promovidas pelo Boi, tais como oficinas de artesanato e de percussão.

O relato de Mestre Humberto, líder do Boi de Maracanã fornece mais detalhes sobre a origem e o estabelecimento da sede:

[...] Quando iniciei os ensaios do Boi era na casa de José Martins [tio], depois foi para a casa de Ezequiel, onde se fazia a Festa de Reis, pois tinha os equipamentos: material de cozinha, vasilhames de cerveja, além disso havia o barracão de bailes, mas à proporção que foram beneficiando a estrada a casa dele foi ficando pequena e nós achamos que deveríamos ter um lugar [...]. Comecei então a passar a ideia para o grupo de termos uma sede e eles foram aceitando. Nessa ocasião houve até um problema comigo, entrei em choque com alguns pela minha vontade de querer transformar as coisas muito rápido, porque já tinha experiência de trabalhos em grupo, queria que o Boi fosse uma entidade única, uma instituição onde todos participassem como líderes, onde pudéssemos ter um trabalho de comunidade, com bastante democracia, ouvindo a opinião, sugestão de todos para que não caísse o peso só em cima de mim (informação verbal)49.

Humberto informa que o terreno onde foi construída a Sede (Figura 25) foi uma doação da senhora Rosa Mochel, a seu pedido. Foi levantado primeiro um barracão de palha em 1975, e no ano seguinte, 1976, foi iniciada a construção em alvenaria. "À proporção que o grupo foi crescendo, fomos aumentando o espaço, tanto que hoje temos cozinha e alojamento para os brincantes" (informação verbal), destaca com orgulho.

Figura 25: Vista externa da Sede do Boi de Maracanã, 10.07.2015

Fonte: Arquivo pessoal

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Figura 26: Área interna da Sede do Boi de Maracanã

Fonte:Arquivo pessoal

Dentro do barracão (Figura 26) chamam atenção os dois altares montados em homenagem a São João, durante o ano inteiro, sendo muito comum, os devotos que passam por ali fazerem rezas, acenderem velas e outros gestos de fé, em frente ao altar. O primeiro (Figura 27) foi construído numa pequena sala à direita de quem entra na sede. Segundo a presidente, Maria José, foi preciso providenciar outro altar. Ela explica: "Devido à quantidade de pessoas que aumenta a cada ano pra vir assistir o Batizado, achamos melhor fazer um outro altar no salão maior, pra comportar todos. E mesmo assim, não cabe".

Figura 27: 1º altar em homenagem a São João, no Barracão de Maracanã

Figura 28: Devota orando no 2º altar em homenagem a São João

Fonte: Arquivo Pessoal

Em frente ao altar onde é realizada a cerimônia do Batismo do Boi (Figura 28), ficam sempre expostas as armações do Boi, tanto o que foi usado no ano anterior, com o couro exposto; quanto o que serve aos ensaios, envolto num tecido colorido porque ainda não recebeu o couro bordado, o qual, por sua vez, só será conhecido por todos e apresentado à comunidade no dia do batizado.

4.2 FORMEI MINHA TRINCHEIRA: PESQUISA DE CAMPO E ESTRATÉGIAS