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4.4 Nos “bastidores”

4.4.4 Narrativa competitiva

Esta narrativa está relacionada aos aspectos de competição que foram identificados entre mim e algumas participantes durante as entrevistas. Ou seja, algumas das reações das mulheres surgiram de uma competição por conta da diferença de idade. Isso parece ter ocorrido, pois, o envelhecimento é considerado um tópico tabu (JUNKERS, 2013), imbuído de estereótipos negativos como doença, impotência, feiúra, declínio mental, doença mental, isolamento, pobreza e depressão (PALMORE, 1999), e eu representava justamente o oposto de todos os elementos associados ao envelhecimento.

Em um dos casos, por exemplo, enquanto discutíamos a questão do corpo que envelhece, uma das entrevistadas fez ginástica no escritório durante a entrevista, possivelmente a fim de me mostrar que ela não era velha o suficiente para ser incapaz de realizar exercícios físicos. No final da entrevista, quando eu desliguei o gravador de áudio, a participante me perguntou se eu tinha namorado e começou a contar sobre sua ativa vida afetiva. Naquele momento, eu percebi que ela estava tentando “competir” comigo em termos de possibilidades afetivas, já que esse também teria sido um tópico de discussão no qual o significado da idade estaria associado à diminuição de oportunidades afetivas para as mulheres mais velhas. Portanto, uma vez que sua vida amorosa era ativa, isso significava que ela não era tão velha quanto a sua construção a respeito do envelhecimento pressupunha. Neste caso, ela estava se opondo ao processo de envelhecimento e tentando provar que ela estava em uma condição tão boa como a de uma representante da juventude.

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Em várias entrevistas, os aspectos relacionados aos atributos da idade foram discutidos em termos da desvalorização do jovem em detrimento do profissional mais velho. Por exemplo, todas as mulheres entrevistadas sabiam que eu era uma estudante de doutorado. Durante as entrevistas, algumas delas alegaram que pessoas jovens não têm maturidade suficiente para estudarem em cursos de pós-gradução. Uma delas comentou de forma explícita: “Eu vejo que… com todo o respeito… uma pessoa jovem de 27 anos que está estudando em um curso de pós-graduação não tem maturidade, porque nós temos a síndrome do jovem, que significa que o jovem se comporta como adolescente até os 32 anos”. Nesse momento, eu senti que ela estava tentando me deixar desconfortável, na medida em que eu poderia ser o objeto do qual ela falava a respeito.

Em um outro caso, a narrativa de competição também surgiu por conta do aspecto intelectual associado à maturidade. Logo após conversarmos sobre do que se tratava a minha pesquisa, a participante alegou que também se reconhecia como uma intelectual. Ela comentou: “Maturidade tem trazido uma ótima credibilidade. Se eu comento que vou dar uma palestra, as pessoas vão, eu me torno uma referência, até mesmo intelectual, ainda que eu não seja, mas eu leio muito, tipo filosofia, mitologia, etc.”. Depois disso, ela perguntou sobre meus planos profissionais. Eu disse que eu não tinha nada planejado para os próximos anos. A entrevistada então comentou, de forma enfática, que eu deveria ter um plano; ela apontou o que eu deveria ou não fazer se eu quisesse ter sucesso na minha carreira, me questionando diversas vezes sobre a relevância do trabalho que eu estava realizando. Eu considerei tais situações como provocativas. Eu senti apenas que eu não queria ser, implicitamente, o tópico da conversa. Percebi que aquela participante, estava, de certa forma, desconfortável com meu posicionamento como uma jovem aluna do curso de pós-graduação entrevistando-a sobre o processo de envelhecimento.

O que pareceu influenciar o comportamento dessas mulheres foi a ideia do que a idade significa para elas. A idade, quando associada à maturidade, significa conhecimento e experiência e, quando associada ao envelhecimento, representa declínio físico. Então, para essas mulheres, o jovem representa falta de conhecimento e pouca experiência, mas também uma boa e jovem aparência. A aparência surgiu como um aspecto de competição entre as mulheres executivas entrevistadas para esse estudo. Então, me posicionar como uma pesquisadora séria e livre de atributos relacionados à aparência física foi um desafio na condução de tais entrevistas. Ao perceber que minha aparência jovem poderia causar

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desconforto e, a fim de combater as dificuldades impostas pela diferença de idade, eu decidi adotar a estratégia de me passar como uma pessoa mais velha. Assim, eu comecei a me vestir de forma diferente para realizar as entrevistas, em uma tentativa de não aparentar a minha idade – óculos, roupas formais, salto alto. Esses foram os principais elementos que busquei incorporar em minha vestimenta para realizar as entrevistas. Minha intenção era esconder os atributos da juventude entendidos pela grande maioria das mulheres como beleza, aparência jovem, corpo saudável e disposição física.

Durante essas entrevistas, eu senti que eu não estava, necessariamente, em um campo de pesquisa, mas, simbolicamente, em um “campo de batalha”. Eu me senti exausta e desmotivada. Mesmo assim, eu me posicionei na relação que essas mulheres desejavam. Uma relação de competição em que eu não poderia ser a “vitoriosa”, mas sim a “perdedora”, a fim de garantir que as executivas se sentissem confiantes e confortáveis em compartilhar informações importantes para minha pesquisa. Nesse caso, as mulheres pareciam se defender do envelhecimento. Era como se eu estivesse ali “escancarando” um envelhecimento que não existia.

De forma geral, apresentamos, neste capítulo, inicialmente, os aspectos relacionados ao construcionismo social que configura a lente téorica adotada para este trabalho e os aspectos ligados à grounded theory, apresentada como a abordagem metodológica utilizada como base para a coleta e análise dos dados. Em seguida, descrevemos os procedimentos metodológicos que orientaram a construção da teoria substantiva e, por fim, os “bastidores” das entrevistas. No próximo capítulo, iremos descrever como as etapas de codificação levaram ao desenvolvimento da concepção de envelhecimento como morte e renascimento simbólicos a partir da análise dos dados.

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5 ANÁLISE DOS DADOS

Neste capítulo, apresentaremos a análise dos dados referente às entrevistas realizadas com as mulheres executivas a respeito do processo de envelhecimento. A análise configura-se como uma teoria substantiva gerada a partir da grounded theory. As relações entre categorias e subcategorias, bem como as relações entre categorias, estão expostas de forma entremeada ao longo do texto, a partir da análise das declarações das participantes. Procuramos apresentar os dados de forma gradativa em direção ao desenvolvimento das categorias e à compreensão do esquema teórico como um todo. A análise é composta, inicialmente, pela descrição das mulheres entrevistadas em termos da trajetória profissional e do cotidiano como executivas, em seguida, são apresentados os significados atribuídos à idade e ao envelhecimento e, por fim, são demonstradas as reações das mulheres com relação ao fenômeno.