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4.2.1 – NARRATIVAS DE UM GENOCÍDIO

Os relatos apresentados para os crimes narrados aqui são resultado da junção de informações presentes em pedidos de federalização da investigação e do julgamento referentes aos casos específicos; nas quatro matérias especiais acerca dos Crimes de Maio, realizadas pelo jornalista Renato Santana para o jornal A Tribuna, e nos depoimentos das mães exibidos no documentário Mães de Maio, um grito por justiça42.

4.2.1.1 – ANA PAULA, JOEY, BIANCA E JOÃO GÓES – 15 DE MAIO DE 2006

Ana Paula Gonzaga dos Santos, 20 anos, e Eddie Joey de Oliveira, 22 anos, eram um jovem casal. Para fazer uma vitamina para a filha mais velha, Beatriz, saíram, na noite do dia 15 de maio de 2006, para comprar leite. Ana Paula estava grávida de nove meses. Ela, o companheiro e a família aguardavam o nascimento de Bianca para o dia seguinte. Moradores da Baixada Santista, foram para um bar na esquina da rua Campos Sales com a Brás Cubas, comprar uma coca e perguntar se tinha leite. Estavam na companhia de dois amigos, Rodrigo e “Cara Suja”, um deles seria o padrinho de Bianca. O bar não tinha leite, mas dentro do bar estavam quatro pessoas, policiais. Eles seguiram para outro estabelecimento e as pessoas de dentro do bar entraram em um carro escuro e começaram a seguir o grupo. Em uma esquina, próxima do bar, o carro parou e de dentro saíram 4 pessoas encapuzadas. O motorista do carro já saiu atirando, os dois amigos fugiram e um dos tiros acertou Joey na perna. Ana Paula, em estágio avançado de gravidez e vendo seu companheiro atingido, não fugiu. Segundo Vera Lúcia Gonzaga, mãe de Ana Paula, o genro reconheceu o motorista do veículo, apesar do capuz. Ana Paula foi capaz de arrancar o capuz do policial que a imobilizou. Joey suplicou pela vida da mulher e de sua filha. Os dois, então, começaram a gritar os nomes dos policiais que reconheceram: “Cara de Cavalo”, “Nêgo Crushi” e “Camarão”. Um dos policiais encostou a arma na cabeça de Ana Paula e disse “ela tava grávida”. Atirou. Joey recebeu 8

42 JUSTIÇA GLOBAL; IHRC, São Paulo sob Achaque, 2011. SANTANA, Renato. 4 anos dos crimes de maio. A Tribuna. IN: http://infanciaurgente.blogspot.com.br/2010/04/4-anos-dos-crimes-de-maio.html. Acesso em:

19/12/2015. Mães de Maio: um grito por justiça parte 1. IN:

https://www.youtube.com/watch?v=Y4STk8g3uI4. Acesso em 19/12/2015. Mães de Maio: um grito por justiça – parte 2. IN: https://www.youtube.com/watch?v=yFwtI0C13Yw. Acesso em: 19/12/2015.

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tiros: 2 nas costas, 2 nas mãos, 3 no peito e 1 na cabeça, por trás. Ana Paula recebeu 5 tiros, 1 na têmpora esquerda, 1 no abdômen logo abaixo do umbigo, 1 na coxa, por trás, e 1 no braço esquerdo, por trás. Os encapuzados fugiram e retornaram, logo depois, para o desfecho ritualístico da execução. Ao atirar em direção a barriga de Ana Paula, o policial gritou “Filho de bandido, bandido é! ”. Bianca tinha 48 cm e lesões por arma de fogo na mão e no joelho esquerdo. Os encapuzados fugiram; logo em seguida, chegaram ao local cerca de 8 viaturas da PM. Os policiais alegaram que as vítimas ainda estavam vivas, o que, segundo testemunhas, não era verdade. Eles retiraram os corpos do local e saíram. Logo depois, o veículo escuro dos encapuzados voltou ao local. Os executores saíram e recolheram as cápsulas dos projéteis que estavam no chão. O caso foi arquivado, sem solução, no dia 22 de novembro de 2006.

Vera, a mãe de Ana Paula, chegou ao local do crime algumas horas depois. Recolheu fragmentos das balas e conversou com o vigia noturno de um posto de gasolina próximo, João Góes, que disse ter presenciado o crime. João foi executado horas mais tarde, na rua Brás Cubas, duas quadras adiante da cena do primeiro crime, por uma pessoa em uma moto Biz preta. Vera Lúcia, que integra o Movimento Independente Mães de Maio, relata que, dois anos e meio depois da tragédia, policiais invadiram sua casa e a prenderam afirmando que ela era a “dona do morro”. Disseram ter encontrado sua moto cheia de droga. A moto ficava guardada na garagem de um senhor que, pelo serviço, cobrava 30 reais mensais. A droga nunca foi apresentada ao juiz. De 30 a 15 dias antes de sua prisão, Vera havia afirmado, em uma entrevista para o jornal Folha de S. Paulo, que os assassinos de sua filha eram policiais. Vera Lúcia cumpriu 2 anos e 9 meses de prisão em regime fechado. Saiu assinando o semi- aberto. Depois, seu advogado descobriu que a cadeia, na apelação, tinha sido reduzida para 1 ano e 8 meses. Vera ainda nos conta que compareceram ao velório de sua filha e de seu genro 4 policiais militares. Os PMs anotaram o nome das pessoas que haviam ido prestar suas homenagens. Dois dos jovens que foram ao velório foram baleados ao chegar em casa. Um deles ficou paralítico e faleceu no dia 15 de novembro de 2009. Na missa de 7° dia, policiais novamente compareceram à igreja. Ainda segundo Vera, quando os policiais abordam os jovens da região e estes dizem que “não têm nada”, os policiais respondem: “a Paulinha e o Joey também não tinham nada e vejam onde eles estão agora”.

4.2.1.2 – ISRAEL ALVES DE SOUZA, FÁBIO DE LIMA ANDRADE, EDIVALDO SOARES DE ANDRADE, EDUARDO BARBOSA ANDRADE E FERNANDO ELZA –

154 14 DE MAIO DE 2006 E 4 DE DEZEMBRO DE 2006

Os irmãos Edivaldo Soares Andrade, 24 anos, e Eduardo Barbosa Andrade, 23 anos, estavam na frente de sua casa, na rua Jorge de Morais, no Parque Bristol, zona sul de São Paulo, conversando com os amigos Israel Alves de Souza, 25 anos, Fábio de Lima Andrade, 18 anos, e Fernando Elza, 21 anos, quando, por volta das 22h30, foram surpreendidos por um grupo de homens encapuzados, que desceram de um carro Vectra verde escuro, sem placa. Os encapuzados desceram atirando. Os meninos foram baleados e prontamente socorridos por vizinhos. Israel, Fábio e Edivaldo morreram. Segundo depoimento da mãe de uma das vítimas:

Era um domingo. Estava em casa. Meu filho, [nome ocultado] ficou até mais tarde na cama. Chegou um amigo, pediu para ele subir. Ele levantou e disse 'não esqueci da senhora não. Feliz dia das mães. Você vai estar sempre no meu coração'. Eu disse pra ele, 'não fica muito na rua, não'. E ele disse, 'eu vou entrar logo, o negócio tá feio, essa coisa entre a polícia e os bandidos'. A TV estava alta, eram umas 10 horas da noite. Eu estava vendo Fantástico. Estava frio. Eu lembro que eu pensei 'vou chamar os meninos pra dentro'. Estava passando a notícia dos policiais que morreram. Eu ainda chorei e comentei 'vai ficar um dia marcante para as mães dos policiais'. De repente, escuto um tiro grande, um outro tiro pequeno. Meu marido levantou de cueca. 'E os meninos?'. De repente veio lá de fora e disse, 'É o menino mesmo, é o [nome ocultado], ele está caído no chão'. Quando fui lá e peguei nele, estava gelado. Só ouvi aquele zumbido. Pedia a Deus. Um falava uma coisa, outro, outra, ... Daí tiraram meu filho dos meus braços. Uns olhavam pra mim com cara triste. Meu marido veio e disse: 'É mulher, vamos ser fortes, porque o [nome ocultado] faleceu (JUSTIÇA GLOBAL; IHRC, 2011, p.111).

Em cerca de dez minutos, chegaram duas viaturas da PM. Os agentes desceram e começaram a recolher as cápsulas do local. Mais dez minutos, outras três viaturas retiraram os corpos das vítimas e os levaram para o hospital. No hospital, PMs agrediram familiares e amigos das vítimas e, quando perguntados por um jovem: “Do que vocês estão rindo? Meus amigos estão morrendo”, um policial respondeu: “Meus amigos também”. Algumas testemunhas disseram ter visto os encapuzados conversando com PMs de capuz levantado. Um Vectra verde escuro foi visto no batalhão da área. Fernando foi atingido no pé direito e na região glútea esquerda. Eduardo foi atingido por três tiros, dois tiros no tórax e um no antebraço esquerdo. Fábio morreu de hemorragia após 8 tiros, 1 deles proveniente de armamento de caça. Israel também morreu de hemorragia após receber 12 tiros (quatro pelas costas). Edivaldo foi atingido por 4 tiros, 2 deles pelas costas - em seu atestado de óbito consta “politraumatismo”.

O sobrevivente Fernando Elza, baleado no pé e no glúteo, pegou um circular, por conta própria, e foi até o hospital Foccus, na Vila Mariana. Estava passando por uma cirurgia quando foi retirado por PMs, que o levaram, sangrando, para dar várias voltas na viatura e,

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depois, para prestar depoimento no distrito policial. Fernando não contou nada sobre a intimidação e disse não ter visto o rosto de nenhum dos atiradores. Quando foi chamado novamente para depor, Fernando foi executado, no dia 4 de dezembro de 2006, em uma emboscada a poucos metros de onde tinha sofrido o primeiro atentado. Foi atingido por 8 tiros disparados de um veículo Corsa azul escuro. No dia 19 de novembro de 2008, o caso foi arquivado.

4.2.1.3 – RICARDO PORTO NORONHA E MATEUS ANDRADE DE FREITAS – 17