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A natureza das performances

DA DISTOPIA NAS TEORIAS DA CONSPIRAÇÃO (FRANCIS FORD COPPOLA, JOHN CARPENTER

2. As encenações distópicas das TCs

2.3 A natureza das performances

A conjugação de um ethos auto-centrado – baseado no encerramento dos protagonistas na concha das suas angústias e/ou convicções –com um pró-ativismo adjacente ao propósito de convencer o outro, contribui para uma ‘textualidade fílmica’ que significa a TC a partir da encenação de uma performance de desmistificação, sendo esta uma particularidade que não ocorre nas distopias.

Em “The Conversation” e, principalmente, em “They Live”, os protagonistas são confrontados com eventos estranhos e anormais, impondo uma pro- gressão no seu fazer interpretativo que vai de uma atitude de curiosidade e incerteza (não crer ser) até à adopção de uma posição de convicção so- bre o carácter desconfigurativo do que lhe está subjacente (crer ser). Eis dois filmes que relatam uma conversão sobre a existência de conspirações; reportam programas narrativos de sanção cognitiva caracterizados por pro- cedimentos de investigação de enigmas e confirmação de feelings. É por isso que em “The Conversation” e, principalmente, em “They Live”, quer os mi- crofones, quer os óculos são instrumentos de decifração.

Em contrapartida, em “Conspiracy Theory”, o herói já está previamente con- victo da existência de complots. A incerteza vivenciada pelos protagonistas dos outros filmes dá lugar ao ‘crer-ser’ da convicção pessoal fundado num

ethos fundamentalista que é canónico da textualidade das TCs. Constate-se

como o filme inicia com Jerry Fletcher protagonizando um discurso signi- ficativo de uma atitude suspiciosa perante a realidade da vida quotidiana., isto é, como a sua performance já não está centrada numa conversão subjec- tiva sobre a existência de uma realidade desconfigurativa, que se escondia na sucessão histórica dos eventos, mas numa conversão intersubjectiva so- bre o carácter mistificador da própria realidade. Efectivamente, boa parte do filme deriva das tentativas de persuasão de Alice Sutton. A esta praxis se complementa a do ‘(re)conhecimento’, isto é, a da descoberta de tudo o que na realidade contribua para provar os seus ‘pré-conceitos’. Confira-se o es- tatuto discursivo desempenhado pelos jornais – e, de um modo geral, pelos

media. São fontes que não podem ser consideradas de informação, mas de confirmação do que já sabe e/ou sempre soube.

2.4 A emotividade

Passamos para a formulação de considerações sobre as dimensões mais profundas das estruturas sémio-narrativas patentes nas obras em análise e relativas às singularidades do registo das TCs. Relativamente a este aspecto incidiremos a análise no modo como são significadas situações tímicas que estão subjacentes à progressão (narrativa) dos protagonistas. Muito sinteti- camente, relembramos como Greimas e Courtés inscreveram no domínio do tímico o pertencente ao mundo dos afectos e dos humores (Greimas & Courtés, 1993: 396-397). Esta categoria articula-se em torno da dicotomia ‘euforia vs disforia’ (com a ‘foria’ como o termo intermédio), sendo estes co- notadores positivos ou negativos. Esta dicotomia subjaz a performance dos sujeitos no sentido de se conjugarem com os valores positivos ou negativos adjacentes aos objectos (de desejo) e assim vivenciarem situações de estado eufóricas ou disfóricas.

Comecemos por “Conspiracy Theory” por considerarmos ser o mais ca- nónico da textualidade das TCs. Subjacente à trama narrativa existe uma conversão intersubjectiva. Sabemos que o filme inicia com o protagonista conhecedor das conspirações, pelo que a história evolui a partir do êxito dos seus procedimentos de persuasão, empenhado em ‘fazer-crer’ Alice Sutton sobre a sua existência. Nesta particularidade, o filme desenvolve-se a partir da transição de uma situação de estado considerada tensa e disfórica – Alice Sutton ainda está céptica relativamente ao que Jerry Fletcher sempre soube – para outra, distensa e eufórica – quando finalmente ele conseguiu que fi- casse convencida. É também relevante a contextualização do ponto de vista tímico, do próprio perfil psicológico do protagonista. Recorde-se como a sua performance se integrava num fazer cognitivo adjacente a um programa de sanção protagonizado por alguém que oscila permanentemente entre a tensão da suspeita (aquando da interpretação de vestígios) e a distensão eu-

fórica da descoberta do que sempre soube/pressentiu. Esta relação entre a tensão da vigilância e a distensão do reconhecimento dos mais variados índices – que são sempre provas comprobatórias – constitui o perfil psico- lógico característico de sujeito de enunciação de uma TC e o ethos de um sujeito paranóico –, um perfil que não se descortina no registo das distopias. “The Conversation” é o menos ortodoxo dos três filmes analisados no que concerne à articulação entre a tensão da vigilância e a distensão do re-conhecimento. Como a origem/causa da conspiração é significada ve- ridictoriamente como um segredo jamais revelado, a progressão do filme consubstancia-se num crescendo de tensão conjugado com uma disforia associada à frustração. Harry Caul querer saber mais sobre a conspiração efectuada pelo casal, mas não consegue (não sabe ou não pode saber). A cena final da destruição da sua casa, caracterizada por um apogeu de tensão disfórica, significa metaforicamente a sua própria frustração.

Em “They Live”, a progressão das situações de estado tímico é mais com- plexa. O filme inicia-se com a chegada do herói a Los Angeles, uma cidade impessoal e não acolhedora ao forasteiro. Independentemente deste aspec- to, George Nada só ambiciona encontrar trabalho: a existir algum estado de tensão, prende-se com a expectativa de o encontrar. A tensão adjacente à temática da conspiração só se instala por complementaridade ao desejo fun- damental de descobrir/interpretar eventos considerados estranhos como, por exemplo, os que ocorrem numa igreja. A narrativa progride a partir de uma situação de estado de neutralidade fórica e distensa, para uma situação de progressiva tensão disfórica à medida que o herói pretende decifrar o que é misterioso e perturbador. Atinge o seu clímax na cena da solução do mistério, quando coloca os óculos e vê a conspiração. Corresponde a uma situação de distensão (curiosamente não muito eufórica). O mistério está descoberto por um herói chocado (figura nº 5).

00:31:53 00:31:56 00: 31:58 Figura nº 5

Esta situação tímica encontra posteriormente o seu correlato quando o fil- me evolui do protagonismo de um programa de sanção cognitiva adjacente ao conhecimento (portanto, à resolução do enigma), para outro de sanção retributiva referente à punição (eliminação) dos conspiradores.