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3.1 Aspectos relevantes do Direito à Saúde na Constituição Federal de

3.1.2 Natureza jurídica

O direito à saúde, em razão de sua especial atenção ao princípio da dignidade da pessoa humana e de sua inscrição no texto constitucional pátrio, classifica-se como um direito fundamental. Mais precisamente, compõe o rol dos direitos sociais, conforme expressamente consignado na Carta Maior (Art. 6º, CF/88).

Os direitos sociais são frutos da insatisfação popular com a postura abstencionista desempenhada pelo Estado Liberal até o final do século XIX. Percebeu-se, que apenas o reconhecimento de liberdades não era capaz de assegurar um tratamento verdadeiramente igualitário (isonomia material). Portanto, passou-se a exigir do ente estatal uma série de prestações tendentes a propiciar uma melhoria na qualidade de vida da população.

Para José Afonso da Silva (2006, p. 286), os direitos sociais são:

... prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade.

Destarte, a natureza social atribuída ao direito à saúde é decorrência direta do fato de que este direito demanda, com elevada frequência, a implementação de prestações materiais e jurídicas a fim de que seja propiciada a redução das desigualdades fáticas existentes entre os componentes do meio social.

Exatamente por reclamar, no mais das vezes, prestações positivas, o direito à saúde pertence à segunda dimensão (geração) de direitos fundamentais, ao lado dos demais direitos sociais e dos direitos econômicos e culturais.

No entanto, a despeito dessa recorrente classificação, não se pode olvidar que, a depender da situação concreta, o direito à saúde pode assumir uma feição eminentemente negativa. Esse cunho defensivo se manifesta com o repúdio às indevidas ingerências na saúde dos indivíduos.

Sob essa perspectiva, o direito à saúde reclama uma postura abstencionista do Estado e de terceiros, o que o aproxima bastante dos direitos fundamentais de primeira dimensão (geração).

Enfocando a natureza negativa do direito à saúde, Ingo Wolfgang Sarlet (2007, p. 10) preleciona:

No âmbito da assim denominada dimensão negativa, o direito à saúde não assume a condição de algo que o Estado (ou a sociedade) deve fornecer aos cidadãos, ao menos não como uma prestação concreta, tal como o acesso a hospitais, serviço médico, medicamentos, etc. Na assim chamada dimensão negativa, ou seja, dos direitos fundamentais como direitos negativos (direitos de defesa), basicamente isto quer significar que a saúde, como bem jurídico fundamental, encontra-se protegida contra qualquer agressão jurídica de terceiros.

Percebe-se, portanto, que o direito à saúde pode assumir um cunho defensivo, substancialmente diferente da feição prestacional que comumente lhe é atribuída.

Por outro lado, é de se salientar que o reconhecimento do direito à saúde como um direito fundamental, seja de natureza positiva seja de natureza negativa, confere ao seu titular a possibilidade de demandar judicialmente o seu cumprimento. Isso conduz à conclusão de que tais direitos, inclusive os direitos sociais, são dotados de eficácia6.

Aqui, cabe fazer uma breve ressalva: ante o postulado da força normativo-vinculante da Constituição, corolário do neoconstitucionalismo, é incabível considerar as normas veiculadoras de direitos sociais como dotadas de mero caráter programático7.

Portanto, nada obsta a judicialização de tais direitos. Pensamento em sentido diverso implicaria premiar o Estado pela sua inércia. Nesse sentido, insta

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A tradicional classificação proposta por José Afonso da Silva divide as normas constitucionais, quanto à eficácia, em: normas constitucionais de eficácia plena; normas constitucionais de eficácia contida e normas constitucionais de eficácia limitada. As normas programáticas seriam espécies de normas constitucionais de eficácia limitada. A teoria, a despeito da importância acadêmica, deve ser vista, nos dias atuais, com ressalvas. Não se deve admitir que a eficácia de direitos tão caros à República brasileira – direitos fundamentais sociais – fique à mercê da regulamentação infraconstitucional, mormente diante da importância que vem ganhando, no Brasil, a teoria da máxima efetividade do texto constitucional.

7 Ainda hoje, existe certa controvérsia na doutrina acerca da classificação dos direitos sociais – entre

eles o direito à saúde – como norma programática. Os defensores dessa ideia afirmam que os direitos sociais não geram, por si só, pretensões oponíveis ao Estado, devendo, necessariamente haver intermediação legislativa. Os contrários apegam-se à norma prevista no Art. 5, §1º da Constituição, que consagra a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais. Para estes últimos, tais direitos são dotados de eficácia plena.

colacionar trecho do voto proferido pelo ministro Celso de Mello no julgamento da Suspensão de Tutela Antecipada nº 175/CE:

O caráter programático da regra inscrita no Art. 196 da Carta Política [...] não pode convertê-la em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando as justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. (STF - STA 175/CE, Rel. Min. Gilmar Mendes. 18/09/2009)

De outra monta, o atual modelo de constitucionalismo (neoconstitucionalismo) não comporta o entendimento de que tais normas são desprovidas de efetividade, na medida em que reconhece a força normativo- vinculante da Constituição.

Ademais, a consagração do direito à saúde como direito fundamental conduz à outra importante repercussão jurídica, qual seja: a impossibilidade de sua limitação por emenda constitucional. É que, por ser considerada cláusula pétrea (Art. 60, §4º, IV, CF/88)8, fica o poder constituinte reformador terminantemente proibido

de abolir ou restringir o direito dos indivíduos à saúde.

Em sede infraconstitucional, fica terminantemente vedada a redução do grau de concretização do direito à saúde, haja vista a “vedação de retrocesso social” (“efeito cliquet”). Em outras palavras, não pode o legislador retroceder no tocante à implementação desse direito constitucional social.