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PARTE III – A REPERCUSSÃO GERAL

6. Repercussão geral

6.3. Natureza jurídica da repercussão geral

Diante do disposto no § 3º do art. 102 da CF/88, acrescido pela EC n. 45/2044, do caput do art. 543-A do CPC e do caput do art. 322 do Regimento Interno do STF fica evidenciada a natureza jurídica da repercussão geral, como sendo um pressuposto

ou requisito para a admissibilidade dos recursos extraordinários, já que o legislador

derivado estabeleceu nos dispositivos acima, respectivamente, que se deve demonstrar a repercussão geral “a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso”; “não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral”; “recusará recurso extraordinário cuja questão constitucional não oferecer repercussão geral”.

252

Sobre a natureza e competência para análise da repercussão geral, encontramos no sítio do Supremo Tribunal Federal a seguinte orientação: “A existência da repercussão geral da questão constitucional suscitada é pressuposto de admissibilidade de todos os recursos extraordinários, inclusive em matéria penal.Exige-se preliminar formal de repercussão geral, sob pena de não ser admitido o recurso extraordinário. A verificação da existência da preliminar formal é de competência concorrente do Tribunal, Turma Recursal ou Turma de Uniformização de origem e do STF. A análise sobre a existência ou não da repercussão geral, inclusive o reconhecimento de presunção legal de repercussão geral, é de competência exclusiva do STF.

Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaRepercussaoGeral&pagina=apresenta cao>. Acesso em: 12 fev. 2011.

Assim, segundo nos parece, a natureza jurídica do instituto repercussão geral é de pressuposto específico de cabimento do recurso extraordinário e se insere no juízo de admissibilidade, respeitadas suas peculiaridades, conforme se depreende do dispositivo constitucional que o determina.

Ademais, tendo sido o instituto criado para funcionar como filtro à entrada de recursos extraordinários no STF, é compreensível que tal pretensão só ocorreria com a criação de óbice à própria admissibilidade do recurso.

Para confirmar essa assertiva buscamos nas lições de Bruno Dantas os esclarecimentos: “[...] é na decisão recorrida, somente nela, que se devem buscar as questões constitucionais que, levadas ao conhecimento do STF no bojo de um RE, serão hábeis a oferecer amplo impacto indireto no grupo social relevante”.253

Oportuno mencionar que os requisitos ou pressupostos de admissibilidade dos recursos podem ser divididos em intrínsecos (aqueles relativos à decisão recorrida considerada em si mesma: cabimento, legitimação para recorrer e interesse recursal) e extrínsecos (aqueles relacionados aos fatores externos à decisão recorrida, por exemplo, preparo, tempestividade, regularidade formal e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer).

Há autores que defendem que a repercussão geral pode ser classificada como um requisito de admissibilidade extrínseco, especialíssimo para o cabimento do recurso extraordinário.254

Afirma-se que se trata de um requisito de admissibilidade extrínseco porque a comprovação de sua presença dependerá de demonstração dos reflexos econômicos, políticos, sociais ou jurídicos da questão constitucional discutida, que se revelam como fatores externos à decisão recorrida.

253

DANTAS, Bruno. Repercussão geral..., p. 217.

254

Nesse sentido: COELHO, Gláucia Mara. Repercussão geral: da questão constitucional no processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2009, p. 108. RAMOS, Glauco Gumerato. Repercussão geral na teoria dos recursos: juízo de admissibilidade. In: SILVA, Bruno Freire e; MAZZEI, Rodrigo (Coords.). Reforma do

judiciário: análise interdisciplinar e estrutural do primeiro ano de vigência. Curitiba: Juruá, 2006, p. 251-268.

SARTÓRIO, Elvio Ferreira; JORGE, Flávio Cheim. O recurso extraordinário e a demonstração da repercussão geral. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. (Coord.). Reforma do Judiciário: primeiros ensaios críticos sobre a EC n. 45/2004. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 181-189.

Além disso, configura-se como um requisito especialíssimo na medida em que o seu exame necessita de uma análise preliminar do mérito do próprio recurso (como ocorre também com a verificação da violação a dispositivo constitucional pra o cabimento do recurso extraordinário), razão pela qual pode-se dizer que a repercussão encontra-se em um plano de cognição diferente dos demais requisitos de admissibilidade.255

Outros doutrinadores, no entanto, entendem que a repercussão geral “[...] está intimamente ligada à própria decisão recorrida e não a aspectos externos como tempestividade ou preparo, afirmar que se refere a requisito intrínseco de admissibilidade é um caminho natural e óbvio”.256

Os apelos extraordinários somente serão examinados em seu mérito se o recorrente demonstrar que a matéria neles contida é dotada do requisito repercussão geral. Assim, ausente a repercussão geral da questão constitucional suscitada pela parte recorrente, o STF não procederá a qualquer análise do mérito do recurso extraordinário.

Entendemos que a essência da repercussão geral guarda sintonia fina com a

recorribilidade, um dos vetores do requisito do cabimento. Quando a

Constituição concede ao STF poderes para, por dois terços de seus membros, reconhecer a carência de repercussão geral das questões constitucionais discutidas num determinado RE, e, em conseqüência, declarar a sua inadmissibilidade, estamos diante de regras meramente procedimentais que conduzirão, no fundo, ao reconhecimento de que a decisão é irrecorrível, ao menos em sede extraordinária.

[...] Cumpre registrar que o STF funciona aqui como único legitimado pelo texto constitucional para exercer esse juízo de admissibilidade. 257

Corroborara para o entendimento de que a repercussão geral configura como pressuposto de cabimento do apelo extremo a seguinte questão: “[...] o reconhecimento de sua presença na questão constitucional debatida não implica o imediato provimento do recurso extraordinário interposto pelo recorrente. Ainda que reconhecida a

255

COELHO, Gláucia Mara. Repercussão geral..., p. 108.

256

DANTAS, Bruno. Repercussão geral..., p. 217.

257

presença da repercussão geral (tornado-se, assim, admissível o conhecimento do recurso), o STF poderá negar provimento ao apelo”.258

Diante dos apontamentos apresentados, é possível destacar uma particularidade criada no juízo de admissibilidade do recurso extraordinário que não se repete em outros recursos. O dispositivo constitucional exige que a aferição do instituto seja feita pelo STF, logo ao juízo a quo, seja o presidente ou o vice-presidente deste tribunal estará diante de um limite material à sua cognição. Assim, o recurso extraordinário poderá ser inadmitido na origem por ausência de qualquer requisito de admissibilidade, exceto a repercussão geral das questões discutidas, pois este exame é privativo do STF; sendo que até o relator do recurso extraordinário no STF enfrentará um limite material à cognição, já que se trata de requisito de aferição necessariamente colegiada (exceto nos casos semelhantes já apreciados pelo colegiado, nos termos do § 5º do art. 543-A do CPC), sendo inviável o reconhecimento monocrático da presença da repercussão geral.

Essa peculiaridade atribuída ao STF, qual seja, a aferição da repercussão geral na questão constitucional objeto de recurso extraordinário, se deve à função política atribuída à Corte pelo legislador constituinte, considerando-a como guardiã da Constituição. Assim, essa função advinda com a entrada em vigor no sistema jurídico do instituto da repercussão geral, vem corroborar com o papel do STF de principal responsável por discutir questões que possam interessar diretamente a um amplo espectro de pessoas.

Está-se, aqui, diante de um sistema de filtro, idêntico, sob o ponto de vista substancial, ao sistema da relevância, que faz com que ao STF cheguem exclusivamente questões cuja importância transcenda à daquela causa em que o recurso foi interposto. Entende-se, com razão, que dessa forma, o STF será reconduzido à sua verdadeira função, que é a de zelar pelo direito objetivo – sua eficácia, sua inteireza e a uniformidade de sua interpretação – na medida em que os temas trazidos à discussão tenham relevância para a Nação.259 A nosso ver, a repercussão geral tem o condão de reforçar a função do STF como poderoso catalisador de sentimentos da sociedade, pois, diante do novo instituto, seus membros têm, agora com ainda mais razão, o dever de manter aguda

258

COELHO, Gláucia Mara. Repercussão geral, p. 109.

259

MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Repercussão geral e súmula vinculante..., p. 374.

sensibilidade para detectar em casos corriqueiros questões de interesse fundamental da sociedade inteira ou de largos segmentos dela.260

Porém, necessário observar que esse reforço na função da Suprema Corte não pode ser confundida com atribuição de margem de liberdade para que ela decida por critérios de conveniência e oportunidade se deverá reconhecer ou não a repercussão geral diante da questão constitucional posta sob sua análise a partir de um recurso extraordinário, ao contrário:

Uma vez provocada a apreciação pelo STF acerca da presença da repercussão geral na questão constitucional debatida, em primeiro lugar, não se admitirá que este órgão deixe de apreciar a questão constitucional por motivos de conveniência ou oportunidade. Atendidos os requisitos específicos do recurso ordinário, o STF terá que se pronunciar necessariamente.261

A questão da discricionariedade judicial na repercussão geral será abordada em item próprio.

Por último, vale aqui mencionar que a finalidade da repercussão geral é delimitar a competência do STF, no julgamento de recursos extraordinários, às questões constitucionais com relevância social, política, econômica ou jurídica, que transcendam os interesses subjetivos da causa. Assim, o objetivo é uniformizar a interpretação constitucional sem exigir que o STF decida múltiplos casos idênticos sobre a mesma questão constitucional.262