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PARTE III – A REPERCUSSÃO GERAL

6. Repercussão geral

6.5. Repercussão geral e interesse social

Para a compreensão do impacto subjetivo que está compreendido dentro da expressão repercussão geral é importante estabelecer um conceito do que vem a ser interesse social que deve ser buscado pelo Supremo Tribunal Federal ao reconhecer ou não reconhecer a repercussão geral no recurso extraordinário.

Parece-nos claro que quando o legislador constituinte derivado inseriu como pressuposto de cabimento do recurso extraordinário a necessidade de o recorrente

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demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso objetivava que o conflito de interesses a reclamar a intervenção do STF desbordasse do mero interesse subjetivo das partes envolvidas para atingir indiretamente o interesse de um número grande de indivíduos, daí a expressão geral a fazer parte do instituto.

De plano, percebe-se que há, assim, um conflito entre os interesses individual e o geral271.

O interesse individual diz respeito à esfera jurídica subjetiva de um ou mais indivíduos, enquanto o geral está relacionado ao que interessa à coletividade e, portanto, se aproxima do conceito de social, já que em ambos o foco é o bem comum.

De acordo com o entendimento de Rodolfo de Camargo Mancuso a nota distintiva entre interesse público e interesse social e geral reside “no fato de que, enquanto estes são afetados às noções de coletividade e sociedade civil, naquele predomina a presença do Estado”.272

Para ele interesse social é:

aquele que consulta à maioria da sociedade civil: o interesse que reflete o que a sociedade entende por ‘bem comum’; o anseio de proteção à res publica; a tutela daqueles valores e bens mais elevados, os quais essa sociedade, espontaneamente, escolheu como sendo os mais relevantes; noutra banda, o interesse público pressupões a ingerência do estado na soberana definição do seu conteúdo.273

Hugo Nigro Mazzilli, por sua vez, faz distinção, com base nas lições de Renato Alessi, entre o interesse público em primário e secundário. E observa que o

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Vale aqui a menção de que a esfera geral não é a soma das esferas individuais, razão pela qual há de se ter cuidado com casos em que muitas pessoas litigam no pólo ativo ou passivo, pois o ponto de partida estará sempre nos sujeitos e não na coletividade por eles formada (DANTAS, Bruno. Repercussão geral..., p. 238.)

272

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimidade para agir. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 36.

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interesse social deve ser considerado como interesse público primário e o interesse público o secundário. 274

Os interesses público e social deveriam coincidir, já que é de se esperar que o Estado busque priorizar os pontos de interesse considerados mais relevantes pela sociedade. Entretanto, essa situação ideal nem sempre se verifica.

Mas diante do conceito de repercussão geral em que sentido deve ser entendido esse interesse pelo STF?

Para Bruno Dantas na aferição das questões constitucionais dotadas de repercussão geral, “o STF deverá consultar, por meio de seus membros, o interesse público

social (ou o interesse público primário). Preferimo-lo ao interesse público (secundário),

pois, dada a sua maior amplitude, uma decisão nele lastreada se ajustará melhor à exigências constitucional.275

Ao que nos parece o conceito de repercussão geral é algo diferente de interesse social, é mais amplo. Assim, entendemos que sempre que houver interesse social estará caracterizada a repercussão geral, porém nem sempre a recíproca é verdadeira. Desse modo, uma questão constitucional terá repercussão geral mesmo quando o interesse social esteja frontalmente no sentido inverso. E nesses casos, a “repercussão geral decorrerá ironicamente do fato de a coletividade estar mobilizada contra a questão, o que, por si só, já revela o seu potencial impacto indireto”.276

Para maior compreensão quanto ao interesse social envolvido na análise do intérprete na aferição da repercussão geral é importante considerar as dimensões subjetiva e objetiva do instituto.

Por dimensão subjetiva da repercussão geral devemos compreender a averiguação do grupo social que potencialmente receberá os reflexos da decisão do STF. E

274

MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 45.

275

Repercussão geral..., p. 239.

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por dimensão objetiva, definição das questões constitucionais que de tempos em tempos deverão ser representativas do interesse social.

À dimensão subjetiva cabe examinar qual será o segmento social a ser considerado pelo STF na aferição da repercussão geral. Cumpre esclarecer que a constituição exige generalidade e não integralidade ou totalidade da sociedade. Assim, o intérprete, ao admitir ou não admitir a repercussão geral, deve observar o cenário social que aguarda a decisão e seus respectivos efeitos.

Como exemplos de grupos sociais podemos destacar: os afrodescendentes, os índios, os remanescentes de quilombolas, os habitantes de um determinado Município, Unidade da Federação ou região, os estudantes universitários, os portadores de HIV, os trabalhadores rurais, os artistas, os aposentados, os contribuintes entre tantos outros.

Passemos, então, à analise de algumas situações para enquadrar esses grupos sociais.

Para se obter sucesso na repercussão geral, ao definir o grupo social o STF deve se cercar de cuidados para não cair em casuísmos, que ampliem exageradamente o âmbito de abrangência dos critérios que utilizará, sob pena de acabar prejudicando o instituto, como aconteceu com a arguição de relevância.

Para tanto, o STF deverá verificar previamente, à luz da questão constitucional discutida no recurso extraordinário, a relação fática ou jurídica entre o recorrente e o grupo para avaliar os impactos que sua decisão acarretará no grupo social.

Imaginemos as seguintes situações277: Um servidor público aposentado que interpõe recurso extraordinário ao argumento de que a regra introduzida pelo constituinte derivado que lhe impõe o dever de contribuir com o sistema previdenciário viola o seu direito adquirido. Ainda, um índio da etnia Macuxi interpõe recurso extraordinário argumentando que tem o direito de receber a educação básica no idioma de seu povo.

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É necessário nos dois exemplos acima que o intérprete da repercussão geral identifique na definição do grupo social a relação-base entre o recorrente e o grupo social que poderá vir a experimentar o impacto indireto de sua decisão. Há de ocorrer uma conexão entre o interesse do recorrente e possíveis interesses do grupo social.

E quando o interesse individual se confrontar com o interesse da coletividade? Como será a solução? De acordo com as lições apuradas até o presente momento, nos parece que haverá aferição da repercussão geral em favor do interesse coletivo em detrimento do interesse subjetivo e por essa razão entendemos que haverá prejuízo aos direitos individuais em face do direito da coletividade, conforme caso prático que será analisado no capítulo final da presente tese.

E quanto à expressividade numérica do grupo, é questão relevante para a aferição da repercussão geral? Como fica essa questão diante das minorias?

O ideal é que o grupo social relevante seja numericamente representativo da sociedade brasileira, característica, aliás, da repercussão geral, que é filtrar questões muito subjetivas, e a tendência é que o recurso extraordinário passe a ser instrumento processual hábil a discutir questões mais genéricas, deixando as questões mais particulares às instâncias ordinárias.

No que diz respeito à dimensão objetiva da repercussão geral — aquela na qual o intérprete deverá buscar as espécies de matérias que, de tempos em tempos, a coletividade elege como prioritária —, nos resta uma dúvida, será que a Corte irá reconhecer a repercussão geral “automaticamente” quando o recurso extraordinário versar sobre matérias que impliquem a interpretação e a aplicação dos princípios constitucionais sensíveis, dos direitos fundamentais e dos princípios norteadores da ordem social?

Quanto às ações coletivas cujo objeto seja a tutela de direitos difusos, em sua quase totalidade, nos parece, serão dotadas de repercussão geral. Quando o inciso I do parágrafo único do art. 81 do CDC enuncia como difusos os direitos transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas determinadas e ligadas por circunstâncias de fato, fica patente a transcendência que a questão de fundo assume. Como exemplos podemos citar: a tutela do meio ambiente, do patrimônio histórico, estético etc.