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2 AS FUNÇÕES DA PERGUNTA DO PROFESSOR NAS ABORDAGENS DE

3.1 A natureza da pergunta de sala de aula

De acordo com Wardhaugh (1995), as salas de aulas são, tipicamente, cheias de perguntas. Elas fazem parte do ritual, de um acordo tácito entre professor e aluno, porém, tendem mais a ser as perguntas do professor e, não as dos alunos.

Dentre os tipos de pergunta mais utilizados pelo professor, destacam-se as perguntas didáticas, que se distinguem, claramente, das feitas em conversações do dia-a-dia. Por exemplo, enquanto a função principal das perguntas no cotidiano é solicitar informação, em sala de aula, é, acima de tudo, facilitar a aprendizagem.

Ao perguntar, o professor já sabe, de antemão, a resposta. Assim, a diferença entre os papéis do professor e os do aluno na aprendizagem torna a relação desigual: por um lado, aquele pergunta para ensinar; por outro, este pergunta para aprender. Nesse sentido, as perguntas do professor estão relacionadas à questão do controle e da assimetria.

Para Wardhaugh (1995), as perguntas de sala de aula servem como uma forma de controle “social velado”, isto é, não são uma indagação no sentido de seu real intento. Na

verdade, constituem uma espécie de “pedido velado” para os alunos realizarem ações específicas. Logo, as perguntas e respostas não são, freqüentemente, uma atividade neutra, compartilhada por ambas as partes. Isto quer dizer que as perguntas dos professores envolvem valores ideológicos e interesses institucionais.

Na mesma linha de pensamento, Van Lier (1990) reitera que as perguntas do professor são um importante instrumento de controle e poder: controle sobre o tipo exato de linguagem a que o aluno é exposto bem como sobre a sua produção.

As perguntas de sala de aula assemelham-se às indagações feitas em cortes, consultórios médicos e em outros ambientes nos quais o ato de perguntar é determinado pela assimetria nos papéis dos interlocutores. Wardhaugh (1995) destaca as seguintes semelhanças:

a) as perguntas de sala de aula, assim como as feitas em cortes, serão analisadas por terceiros;

b) elas são altamente reguladas de acordo com as demandas externas da situação (procedimentos que seguem um curriculum, por exemplo);

c) a relação é desigual, também, em outro aspecto: apenas uma parte pode terminar uma seqüência, interromper o outro, comentar sobre o que o outro disse - às vezes, para uma terceira parte - ou requer que o outro fale ou fique calado. d) em algumas circunstâncias, as perguntas são, deliberadamente, feitas para

descobrir algo sobre outros, com o propósito de classificá-los ou, de alguma forma, avaliar aqueles a quem se pergunta (as perguntas do professor assim como as dos médicos se enquadram nesta categoria).

Os alunos sabem que as perguntas do professor têm uma função diferente das usadas no cotidiano. O problema é que a escola cobra respostas certas, mas não ensina como respondê-las apropriadamente, ou seja, não preparamos perguntadores e muito

menos respondedores (Gomes de Matos, comunicação pessoal).

As perguntas do professor dizem muito mais do que aquilo que está contido na sua superfície lingüística ou no seu conteúdo, levam o aluno a fazer coisas: fornecer informação, concordar, discordar, confirmar, interpretar e produzir na L-alvo, entre outras.

Assim, para ser bem-sucedido na resposta, o aluno deve estar atento não apenas ao que está explícito, mas, principalmente, às reais intenções do professor.

De acordo com Levinson (1992), para participar adequadamente do "jogo da linguagem", o aluno tem que saber muito mais que responder às perguntas do professor: precisa aprender, também, as regras do jogo. Entretanto, essas regras nem sempre são explicadas pelo professor; o aluno as aprende jogando. Por exemplo, nem toda resposta verdadeira será aceita como válida, por isso, o aluno deve tentar perceber a linha de argumentação do professor para as respostas terem uma contribuição apropriada.

Outro aspecto importante relacionado ao uso das perguntas do professor diz respeito a sua função na estruturação do conteúdo. De acordo com Hyman (1974, p. 439-526), pode- se entender a prática do ensino como uma forma de estruturação da informação para o aluno - de uma forma direta - através da apresentação da informação pelo professor - ou indireta - através da facilitação ou criação de um diálogo entre uma fonte do conhecimento (professor, material didático) e o aluno.

Chaudron (1988, p. 129) destaca que os professores, freqüentemente, adaptam o método socrático, utilizando as perguntas como uma forma de guiar os alunos na exploração de partes específicas do conhecimento. Assim, uma seqüência de perguntas pode ajudar a especificar o tópico de uma interação ao focalizar uma categoria subordinada ou um exemplo mais geral.

O autor afirma que, por um lado, as perguntas do professor podem facilitar essa estruturação e, por outro, podem dificultá-la. Por exemplo, os resultados do referido trabalho indicam que entre as indagações utilizadas pelos professores observados, houve recorrência de perguntas que obscureceram a estruturação lógica da informação por causa da sua não-especificidade e ambigüidade.

Para compreendermos melhor a importância das perguntas do professor na estruturação da informação, traremos para a discussão as idéias de Servey (1974). De acordo com esse autor, as perguntas, assim como as asserções e os diretivos, são estímulos verbais que facilitam a aquisição do conhecimento e das habilidades. Os estímulos verbais, acrescenta, constituem o meio que usamos para ajudar os alunos a fazerem a ponte entre o que eles sabem e o que precisam aprender. Assim, o professor usa as perguntas como uma

ponte entre o que o aluno já sabe (informação dada) e a informação nova (as habilidades a serem aprendidas).

Para Servey (1974), os estímulos verbais seguem um construto lógico (esquema, estrutura), que integra um sistema total. Têm uma grande relevância no processo de análise e aquisição do conhecimento, por exemplo, eles têm, entre outras, a função de coletar informações sobre fatos, estimular generalizações, exemplificar, incentivar comparações, levar o aluno a aplicar o conteúdo assimilado, ensiná-lo a sintetizar o que aprendeu e a avaliar a utilidade de uma idéia. Enfim, as perguntas do professor exercem uma importante função na estruturação do conteúdo: ao usá-las, o professor, indiretamente, está instruindo, levando o aluno a construir o sentido.

Pelo exposto nessa seção, a pergunta de sala de aula é um fenômeno bastante complexo. Na verdade, poderia ser comparada a um iceberg: ou seja, a estrutura superficial (forma) representa a parte exposta, enquanto sua estrutura profunda (sentido) só se revela através de uma análise de seu uso, que é determinado por questões, tais como rituais, poder, assimetria, papéis de professor e de aluno, entre outros.