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Necessidade e Possibilidade: O

que ser´a deve ser?

Freq¨uentemente alegamos n˜ao apenas que algo ´e assim, mas que deve ser as- sim. Dizemos: “Deve chover”, “N˜ao vai deixar de chover”, “Necessariamente, ir´a chover”. Tamb´em temos muitas formas de dizer que, embora algo possa, na verdade, n˜ao ser o caso, poderia ser. Dizemos: “Poderia chover amanh˜a”, “´e poss´ıvel que chova amanh˜a”, “n˜ao ´e imposs´ıvel que chova amanh˜a”. Se

a ´e alguma senten¸ca, l´ogicos geralmente escrevem a alega¸c˜ao que a deve ser verdadeira como 2a, e a alega¸c˜ao que a poderia ser verdadeira como 3a.

2 e 3 s˜ao chamados operadores modais, uma vez que eles expressam os modos nas quais as coisas s˜ao verdadeiras ou falsas (necessariamente, possivelmente). Os dois operadores est˜ao, na verdade, conectados. Dizer que algo deve ser o caso ´e dizer que n˜ao ´e poss´ıvel que isto n˜ao seja o caso. Ou seja, 2a significa o mesmo que ¬3¬a. Igualmente, dizer que ´e poss´ıvel que algo seja o caso ´e dizer que n˜ao ´e necessariamente o caso que isto ´e falso. Ou seja,3a significa o mesmo que ¬2¬a. Por precau¸c˜ao, n´os podemos expressar o fato de que ´e imposs´ıvel para a ser verdadeiro, indiferentemente, como¬3a (n˜ao ´e poss´ıvel que a), ou como 2¬a (a ´e necessariamente falsa).

Ao contr´ario dos operadores que encontramos at´e agora, 2 e 3 n˜ao s˜ao fun¸c˜oes da verdade. Como vimos no Cap´ıtulo 2, quando se sabe o valor de verdade de a, pode-se calcular o valor de verdade de ¬a. Similarmente, quando se sabe os valores de verdade de a e b, pode-se calcular os valores de verdade de a∨ b e a&b. Mas, n˜ao se pode inferir o valor de verdade de 3a simplesmente pelo conhecimento do valor de verdade de a. Por exemplo,

seja r a senten¸ca “Amanh˜a eu me levantarei antes das 7 horas”. Suponha que r ´e, na verdade, falso. Mas, certamente poderia ser verdadeiro: Eu poderia programar meu despertador e acordar mais cedo. Assim sendo, 3r ´

e verdadeiro. Mas, seja j a senten¸ca “Eu saltarei da cama e ficarei suspenso no ar a 2m do ch˜ao”. Assim como r, isto tamb´em ´e falso. Mas, ao contr´ario de r, n˜ao ´e nem mesmo poss´ıvel que isso seja verdade. Porque violaria as leis da gravidade. Assim sendo, 3j ´e falso. Portanto, o valor de verdade de uma senten¸ca, a, n˜ao determina o de 3a: r e j s˜ao ambas falsas, mas 3r ´e verdadeiro e 3j ´e falso. Similarmente, o valor de verdade de a n˜ao determina o valor da verdade de 2a. Seja, agora, r a senten¸ca “Amanh˜a, eu me levantarei antes das 8 horas”. Isto ´e, de fato, verdadeiro; mas n˜ao ´

e necessariamente verdadeiro. Eu poderia ficar na cama. Seja, agora, j a senten¸ca “Se eu saltar da cama amanh˜a de manh˜a, eu terei me movido”. Isto tamb´em ´e verdadeiro, mas n˜ao existe nenhum modo em que isto poderia ser falso. E necessariamente verdadeiro.´ Assim sendo, r e j s˜ao ambos verdadeiros, mas um ´e necessariamente verdadeiro e o outro n˜ao.

Operadores Modais s˜ao, portanto, tipos de operadores bem diferentes de qualquer coisa que tenhamos visto at´e agora. Eles tamb´em s˜ao importantes e frequentemente s˜ao operadores que nos desafiam. Para ilustrar isto, eis aqui um argumento para o fatalismo, dado por um dos dois mais influentes fil´osofos Gregos, Arist´oteles.

Fatalismo ´e a concep¸c˜ao de que tudo o que acontece deve acontecer: n˜ao poderia ter sido evitado. Quando um acidente ocorre, ou uma pessoa morre, n˜ao h´a nada que poderia ter sido feito para evit´a-lo. Fatalismo ´e uma vis˜ao que tem atra´ıdo algumas pessoas. Quando algo d´a errado, existe um certo conforto que provem do pensamento de que aquilo n˜ao poderia ter sido de outra forma. N˜ao somente isto, fatalismo implica que eu sou incapaz de alte- rar o que acontece, e isto parece patentemente falso. Se eu me envolver num acidente de carro hoje, eu poderia ter evitado isto simplesmente tomando uma rota diferente. Ent˜ao, qual ´e o argumento de Arist´oteles? Ele procede da seguinte forma. (Por ora, ignore que o texto esteja em negrito; voltaremos a tocar neste assunto.)

Tome qualquer alega¸c˜ao que quiser - digamos, a t´ıtulo de ilustra¸c˜ao, que estarei envolvido em um acidente de trˆansito amanh˜a. Agora, podemos n˜ao saber ainda se isto ´e verdadeiro ou n˜ao, mas sabemos que estarei envolvido em um acidente ou n˜ao. Suponha o primeiro caso. Ent˜ao, como quest˜ao de fato, estarei envolvido em um acidente de trˆansito. E se ´e verdadeiro

dizer que estarei envolvido em um acidente, ent˜ao n˜ao pode deixar de ser o caso que estarei envolvido. Ou seja, deve ser o caso que estarei

envolvido. Suponha, por outro lado, que, como quest˜ao de fato, n˜ao estarei envolvido em um acidente de trˆansito amanh˜a. Ent˜ao, ´e verdade dizer que n˜ao estarei envolvido em um acidente; e sendo assim, n˜ao pode deixar de ser o caso que n˜ao estou envolvido no acidente. Qualquer um dos dois que acontecer, ent˜ao, deve acontecer. Isto ´e fatalismo.

O que se poderia dizer a respeito disso? Para responder, vamos exami- nar a concep¸c˜ao moderna standard dos operadores modais. Suponhamos que toda situa¸c˜ao, s, venha acompanhada de um feixe de possibilidades, isto ´e, si- tua¸c˜oes que s˜ao poss´ıveis no que diz respeito a s - a serem definidas, digamos, como as situa¸c˜oes que poderiam surgir sem que se violassem as leis da f´ısica. Assim sendo, se s ´e uma situa¸c˜ao em que eu estou presentemente (estando na Austr´alia), estar em Londres por uma semana ´e uma situa¸c˜ao poss´ıvel; enquanto que estar em Alfa Centauros (a mais de 4 anos-luz de distˆancia) n˜ao ´

e. Segundo o fil´osofo e l´ogico do s´eculo 17, Leibniz, l´ogicos frequentemente chamam estas situa¸c˜oes poss´ıveis, de modo divertido, de mundos poss´ıveis. Agora, dizer que 3a (´e possivelmente o caso que a) ´e verdadeiro em s, ´e apenas dizer que a ´e verdadeiro em ao menos um dos mundos associados com s. E dizer que 2a (´e necessariamente o caso que a) ´e verdadeiro em s, ´

e apenas dizer que a ´e verdadeiro em todos os mundos poss´ıveis associados com s. Por isso, 2 e 3 n˜ao s˜ao fun¸c˜oes da verdade. Porque a e b podem ter o mesmo valor da verdade em s, digamos F , mas podem ter diferentes valores da verdade nos mundos associados com s. Por exemplo, a pode ser verdadeiro em um dos mundos (digamos, s′), mas b pode n˜ao ser verdadeiro em nenhum, da seguinte forma:

s s′

a : F b : F

a : V b : F

empregam operadores modais. Por exemplo, considere a inferˆencia:

3a 3b

3(a&b)

Isso ´e inv´alido. Para ver o porquˆe, suponha que as situa¸c˜oes associadas com s s˜ao s1 e s2, e que os valores de verdade s˜ao como se segue:

s s1 s2 a : F b : F a : V b : F a : F b : V

a ´e V em s1, portanto3a ´e verdadeiro em s. Similarmente, b ´e verdadeiro em

s2; portanto 3b ´e verdadeiro em s. Mas, a&b n˜ao ´e verdadeiro em nenhum

mundo associado; portanto 3(a&b) n˜ao ´e verdadeiro em s. Em contraste, a seguinte inferˆencia ´e v´alida:

2a 2b

2(a&b) .

Pois, se as premissas s˜ao verdadeiras em uma situa¸c˜ao s, ent˜ao a e b s˜ao ver- dadeiros em todos os mundos associados com s. Mas, ent˜ao, a&b ´e verdadeira em todos aqueles mundos. Isto ´e,2(a&b) ´e verdadeira em s.

Antes de voltarmos `a quest˜ao de como isso se relaciona com o argumento de Arist´oteles, devemos mencionar brevemente um outro operador l´ogico,

com o qual ainda n˜ao nos encontramos. Escrevamos ‘se a ent˜ao b’ como a→

b. Senten¸cas dessa forma s˜ao chamadas condicionais, e ser˜ao a nossa principal preocupa¸c˜ao no pr´oximo cap´ıtulo. Por enquanto, tudo o que precisamos notar ´

e que a principal inferˆencia na qual condicionais parecem estar envolvidos ´e essa:

a a→ b b

(Por exemplo: ‘Se ela se exercita frequentemente, ent˜ao ela est´a em forma. Ela se exercita frequentemente; ent˜ao ela est´a em forma’.) L´ogicos modernos costumam chamar essa inferˆencia pelo nome dado a ela pelos l´ogicos medi- evais: modus ponens. Literalmente isso significa ‘o modo de colocar’. (N˜ao me pergunte.)

Agora, para considerar o argumento de Arist´oteles, precisamos pensar um pouco a respeito de condicionais da forma:

se a ent˜ao n˜ao pode deixar de ser o caso que b.

Tais senten¸cas s˜ao, de fato, amb´ıguas. Uma coisa que elas podem signi- ficar ´e que se a, de fato, ´e verdadeira, ent˜ao b ´e necessariamente verdadeira. Isto ´e, se a ´e verdadeira na situa¸c˜ao de que estamos falando, s, ent˜ao b ´e verdadeira em todas as situa¸c˜oes poss´ıveis associadas a s. Podemos escrever isso como a → 2b. A senten¸ca est´a sendo usada desta maneira quando di- zemos coisas como: ‘Vocˆe n˜ao pode mudar o passado. Se algo foi verdadeiro no passado ent˜ao esse algo n˜ao pode hoje deixar de ter sido verdadeiro. N˜ao h´a nada que vocˆe possa fazer a respeito: ´E irrevogavel’.

O outro significado de um condicional da forma ‘se a ent˜ao n˜ao pode deixar de ser o caso que s’ ´e bastante diferente. Frequentemente usamos essa express˜ao para dizer que b se segue de a. Estar´ıamos usando a senten¸ca desta maneira se diss´essemos ‘Se Fred vai se divorciar ent˜ao ele ´e necessaria- mente casado’. N˜ao estamos dizendo que se Fred vai se divorciar, ent˜ao seu casamento ´e irrevog´avel. Estamos dizendo que vocˆe n˜ao pode se divorciar sem ser casado. N˜ao h´a uma situa¸c˜ao poss´ıvel onde acontece uma coisa e a outra n˜ao. Isto ´e, em qualquer situa¸c˜ao poss´ıvel, se uma ´e verdadeira, ent˜ao a outra tamb´em ´e. Isto ´e,2(a → b) ´e verdadeira.

Agora a→ 2b e 2(a → b) significam coisas bem diferentes. E certamente, a primeira n˜ao se segue da segunda. O mero fato de que a→ b seja verdadeira em toda situa¸c˜ao associada a s n˜ao significa que a→ 2b ´e verdadeira em s.

a pode ser verdadeira em s sem que 2b seja: tanto b quanto a podem ser

falsos em algum mundo associado. Ou para dar um contra-exemplo concreto: ´

e necessariamente verdadeiro que se Jonh vai se divorciar, ele ´e casado; mas certamente n˜ao ´e verdade que se Jonh vai se divorciar ele ´e necessariamente (irrevogavelmente) casado.

Voltando finalmente ao argumento de Arist´oteles, considere a senten¸ca colocada em negrito: ‘Se ´e verdade dizer que me envolverei em um acidente, ent˜ao n˜ao pode deixar de ser o caso que eu me envolverei’. Isso ´e exatamente da forma de que est´avamos falando. E ´e, portanto, amb´ıguo. Al´em disso, o argumento se fia nesta ambiguidade. Se a ´e a senten¸ca ‘´E verdadeiro dizer que me envolverei em um acidente de trˆansito’ e b ´e a senten¸ca ‘Me envolverei (em um acidente de trˆansito)’, ent˜ao o condicional em negrito ´e verdadeiro no sentido:

1. 2(a → b).

Necessariamente, se ´e verdadeiro dizer algo, ent˜ao este algo ´e de fato o caso. Mas o que precisaria ser estabelecido ´e:

2. a→ 2b.

Afinal de contas, o pr´oximo passo do argumento ´e inferir 2b a partir de

a por modus ponens. Mas, como vimos, 2 de maneira nenhuma se segue

de 1. Assim, o argumento de Arist´oteles ´e inv´alido. Em grande medida, o mesm´ıssimo problema aparece na segunda parte do argumento, com o condi- cional ‘Se ´e verdadeiro dizer que eu n˜ao me envolverei em um acidente, ent˜ao n˜ao pode deixar de ser o caso que eu n˜ao me envolva em um acidente’.

Isso parece ser uma resposta satisfat´oria ao argumento de Arist´oteles. Mas, h´a uma varia¸c˜ao do argumento que n˜ao tem resposta t˜ao f´acil. Volte ao exemplo que t´ınhamos sobre mudar o passado. Parece mesmo verdadeiro que se alguma senten¸ca sobre o passado ´e verdadeira, ela ´e hoje necessaria- mente verdadeira. ´E imposs´ıvel, agora, transform´a-la em falsa. A Batalha de Hastings se deu em 1066, e n˜ao h´a, hoje, nada que possamos fazer para que ela tenha se dado em 1067. Portanto, se p ´e um enunciado a respeito do passado, ent˜ao p→ 2p.

Considere agora um enunciado a respeito do futuro. De novo, por exem- plo, seja a afirma¸c˜ao de que me envolverei em um acidente de trˆansito amanh˜a. Suponha que isso ´e verdade. Segue-se que se algu´em disse isso 100 anos atr´as, ent˜ao este algu´em disse a verdade. E mesmo se ningu´em

nunca dissesse isso, se tivesse dito teria dito a verdade. Assim, que eu me envolverei em um acidente amanh˜a era verdade h´a 100 anos. Esse enunciado (p) ´e certamente um enunciado a respeito do passado, e portanto, uma vez verdadeiro, ´e necessariamente verdadeiro (2p). Ent˜ao, deve ser necessari- amente verdadeiro que me envolverei em um acidente amanh˜a. Mas, isso era apenas um exemplo; o mesmo racioc´ınio poderia ser aplicado a qualquer coisa. Assim, o que quer que aconte¸ca, deve acontecer. Este argumento em favor do fatalismo n˜ao comete a mesma fal´acia (isto ´e, o mesmo argumento inv´alido) que o considerado anteriormente. No fim das contas, o fatalismo ´e verdadeiro?

Ideias centrais do cap´ıtulo

• Cada situa¸c˜ao vem associada a uma cole¸c˜ao de situa¸c˜oes poss´ıveis. • 2a ´e verdadeira em uma situa¸c˜ao, s, se a ´e verdadeira em todas as

situa¸c˜oes associadas a s.

• 3a ´e verdadeira em uma situa¸c˜ao, s, se a ´e verdadeira em alguma a

situa¸c˜ao associada a s.

Problema

Simbolize a seguinte inferˆencia e avalie a sua validade. ´E imposs´ıvel para por- cos voarem, e ´e imposs´ıvel para porcos respirarem debaixo d’´agua; portanto, deve ser o caso que os porcos nem voem e nem respirem debaixo d’´agua.

Cap´ıtulo 7

Condicionais: O que est´a

contido em um se?

Neste cap´ıtulo, nos voltaremos para o operador l´ogico que apresentei de pas- sagem no cap´ıtulo anterior, o condicional. Lembre-se que um condicional ´e uma senten¸ca da forma ‘se a ent˜ao c’, que escrevemos como a→ c. L´ogicos chamam a de antecedente do condicional, e c de consequente. Notamos tamb´em que uma das mais fundamentais inferˆencias a respeito do condi- cional ´e o modus ponens: a, a→ b/c. Os condicionais s˜ao fundamentais para muito do nosso entendimento. O cap´ıtulo anterior mostrou apenas um exem- plo disto. Mesmo assim, eles s˜ao profundamente dif´ıceis de entender. Eles tˆem sido estudados em l´ogica desde os tempos mais antigos. Na verdade, foi reportado por um antigo comentarista (Callimachus) que uma vez at´e mesmo os corvos nos telhados estavam gorjeando a respeito dos condicionais.

Vamos ver porque - ou, pelo menos, um motivo do porque - os condicionais s˜ao dif´ıceis de entender. Se vocˆe sabe que a → c, parece que vocˆe poderia inferir que¬(a&¬c) (n˜ao ´e o caso que a e n˜ao c). Suponha, por exemplo, que algu´em lhe informa que se perder o ˆonibus, vai chegar atrasado. Vocˆe pode inferir disto que ´e falso que vocˆe perder´a o ˆonibus e n˜ao chegar´a atrasado. Inversamente, se vocˆe sabe que ¬(a&¬c), parece que vocˆe poderia inferir

a → c disto. Suponha, por exemplo, que algu´em lhe diga que vocˆe n˜ao ir´a

ao cinema sem gastar dinheiro (n˜ao ´e o caso que v´a ao cinema e n˜ao gaste dinheiro). Vocˆe pode inferir que se for ao cinema, ir´a gastar dinheiro.

¬(a&¬c) ´e freq¨uentemente escrita como a ⊃ c, e chamado de condicional material. Portanto, parece que a → c e a ⊃ c significariam a mesma coisa.

Em particular, assumindo a maquinaria do Cap´ıtulo 2, eles devem ter a mesma tabela da verdade. ´E um exerc´ıcio simples, que eu deixo para vocˆe, mostrar que isto ´e da seguinte forma:

a c a ⊃ c

V V V

V F F

F V V

F F V

Mas isto ´e estranho. Significa que se c ´e verdadeiro em uma situa¸c˜ao (primeira e terceira fileiras), ent˜ao a → c tamb´em ´e. Isto dificilmente pa- rece correto. ´E verdadeiro, por exemplo, que Canberra ´e a capital federal da Austr´alia, mas o condicional ‘Se Canberra n˜ao for a capital federal da Austr´alia, ent˜ao Canberra ´e a capital federal da Austr´alia’ parece certamente falso. Igualmente, a tabela da verdade nos mostra que se a ´e falso (terceira e quarta fileiras), a → c ´e verdadeiro. Mas, isto dificilmente parece correto tamb´em. O condicional ‘Se Sydney for a capital federal da Austr´alia, ent˜ao Brisbane ´e a capital federal’ tamb´em aparece claramente falso. O que deu errado?

O que estes exemplos parecem mostrar ´e que → n˜ao ´e uma fun¸c˜ao da verdade: o valor da verdade de a → c n˜ao ´e determinado pelos valores da verdade de a e c. Ambas ‘Roma ´e na Fran¸ca’ e ‘Beijing ´e na Fran¸ca’ s˜ao falsas; mas ´e verdadeiro que:

Se a It´alia for parte da Fran¸ca, ent˜ao Roma ´e na Fran¸ca. Enquanto ´e falso que:

Se a It´alia for parte da Fran¸ca, ent˜ao Beijing ´e na Fran¸ca. Ent˜ao, como funcionam os condicionais?

Uma resposta pode ser dada usando o mecanismo de mundos poss´ıveis do ´ultimo cap´ıtulo. Considere os dois ´ultimos condicionais. Em qualquer situa¸c˜ao poss´ıvel na qual a It´alia foi incorporada `a Fran¸ca, Roma seria cer- tamente na Fran¸ca, mas isto n˜ao tem nenhum efeito na China. Portanto, Beijing ainda n˜ao seria na Fran¸ca. Isto sugere que o condicional a → c ´e verdadeiro em algumas situa¸c˜oes, s, somente se c ´e verdadeiro em todas as

situa¸c˜oes poss´ıveis associadas com s na qual a ´e verdadeiro; e ´e falso em s se

c for falso em algumas das poss´ıveis situa¸c˜oes associadas com s na qual a ´e verdadeira.

Isto nos d´a um apanhado plaus´ıvel de →. Por exemplo, isto mostra porque modus ponens ´e v´alido - pelo menos sob uma hip´otese. A hip´otese ´e que n´os contamos o pr´oprio s como uma das situa¸c˜oes poss´ıveis associadas com s. Isto parece razo´avel: qualquer coisa que ´e verdadeiramente o caso em

s ´e certamente poss´ıvel. Agora, suponha que a e a → c s˜ao verdadeiros em alguma situa¸c˜ao s. Ent˜ao, c ´e verdadeiro em todas as situa¸c˜oes associadas com s na qual a ´e verdadeiro. Mas, s ´e uma destas situa¸c˜oes, e a ´e verdadeiro nela. Assim sendo, c tamb´em ´e, como quer´ıamos.

Voltando ao argumento com que n´os come¸camos, podemos ver agora onde ele falha. A inferˆencia na qual o argumento repousa ´e:

¬(a&¬c) a → c

E isto n˜ao ´e v´alido. Por exemplo, se a for F em alguma situa¸c˜ao s, isto ´e suficiente para fazer a premissa verdadeira em s. Mas isto n˜ao nos diz nada sobre como a e c se comportam nas poss´ıveis situa¸c˜oes associadas com s. Poderia muito bem acontecer que em uma destas, digamos s′, a ´e verdadeira e c n˜ao ´e, desta forma: s s′ a : F c : F a : V c : F

Portanto, a→ c n˜ao ´e verdadeiro em s.

E quanto ao exemplo que vimos antes, em que vocˆe ´e informado que n˜ao ir´a ao cinema sem gastar dinheiro. A inferˆencia n˜ao parece v´alida neste caso? Suponha que vocˆe sabe que n˜ao ir´a ao cinema sem gastar dinheiro: ¬(g&¬m). Vocˆe realmente est´a obrigado a concluir que se vocˆe for ao cinema gastar´a dinheiro: g → m? N˜ao necessariamente. Suponha que vocˆe n˜ao est´a indo ao

cinema, n˜ao importa as circunstˆancias, mesmo que o ingresso seja gr´atis esta noite. (Tem um programa na TV que ´e bem mais interessante.) Ent˜ao, vocˆe sabe que n˜ao ´e verdade que vai ao cinema (¬g), e ent˜ao que n˜ao ´e verdadeiro que vocˆe vai ao cinema e n˜ao gastar´a dinheiro: ¬(g&¬m). Ent˜ao, vocˆe est´a obrigado a inferir que se vocˆe for gastar´a dinheiro? Certamente n˜ao: pode ser uma noite gratuita.

´

E importante perceber que no tipo de situa¸c˜ao em que vocˆe aprende que a premissa ´e verdadeira por ter sido informado dela, outros fatores est˜ao normalmente operando. Quando algu´em lhe diz algo como: ¬(g&¬m), nor- malmente n˜ao se faz isto com base em que se sabe que ¬g ´e verdadeiro. (Se sabe-se isto, normalmente n˜ao haveria motivo para dizer a vocˆe qualquer coisa sobre a situa¸c˜ao.) Se se lhe dizem isto, ´e com base em que existe alguma conex˜ao entre g e m: que vocˆe n˜ao consegue que g seja verdadeiro sem que

m seja verdadeiro - e ´e exatamente o que ´e necess´ario para o condicional ser verdadeiro. Ent˜ao, neste caso, em que vocˆe ´e informado da premissa, seria normalmente razo´avel inferir que g → m; mas n˜ao do conte´udo do que foi dito - pelo contr´ario, do fato de que isto foi dito.

Na verdade, frequentemente fazemos inferˆencias corretas deste tipo sem pensar. Suponha, por exemplo, que eu pergunte a algu´em como fazer meu computador executar uma coisa ou outra, e eles respondem ‘H´a um manual na prateleira’. Eu infiro que ´e um manual de computador. Isto n˜ao se segue do que na verdade foi dito, mas o coment´ario n˜ao teria sido relevante ao menos que o manual fosse um manual de computador, e as pessoas normalmente s˜ao relevantes no que dizem. Assim sendo, eu posso concluir que ´e um manual de computador do fato que eles disseram aquilo. A inferˆencia n˜ao ´e uma inferˆencia dedutiva. Pois, a pessoa poderia ter dito isto, e n˜ao ser um manual de computador. Mas, a inferˆencia ´e ainda uma excelente inferˆencia indutiva. Ela ´e de um tipo geralmente chamado de implicatura conversacional.

O apanhado do condicional que acabamos de ver parece se sair bem - ao

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