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Lógica: uma brevíssima introdução. Graham Priest

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Academic year: 2021

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ogica: uma brev´ıssima introduc

¸˜

ao

Graham Priest

(2)

Sum´

ario

1 Validade: O que segue do que? 4 2 Fun¸c˜oes de verdade - ou n˜ao? 9 3 Nomes e Quantificadores: Nada ´e alguma coisa? 17 4 Descri¸c˜oes e Existˆencia: Os gregos adoravam a Zeus? 23 5 Auto-referˆencia: Sobre o que se trata este cap´ıtulo? 28 6 Necessidade e Possibilidade: O que ser´a deve ser? 34 7 Condicionais: O que est´a contido em um se? 41 8 O tempo ´e real? 47 9 Identidade e mudan¸ca: Tudo ´e sempre o mesmo? 54 10 Vagueza: Como vocˆe para de escorregar em uma rampa

es-corregadia? 60

11 Probabilidade: O estranho caso da falta de classe de

re-ferˆencia 66

12 Probabilidade Inversa: Vocˆe n˜ao pode ficar indiferente a seu

respeito! 73

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Pref´

acio

A l´ogica ´e uma das disciplinas intelectuais mais antigas, e uma das mais modernas. Seu in´ıcio remonta ao s´eculo IV a.C. As ´unicas disciplinas mais antigas s˜ao a matem´atica e a filosofia, com as quais sempre esteve intima-mente conectada. Ela passou por uma revolu¸c˜ao por volta da virada ao s´eculo XX, por meio da aplica¸c˜ao de novas t´ecnicas matem´aticas, e no ´ultimo meio-s´eculo assumiu pap´eis radicalmente novos e importantes na computa¸c˜ao e no processamento de informa¸c˜oes. ´E, portanto, um assunto central para o pensamento e as empreitadas humanas.

Este livro ´e uma introdu¸c˜ao `a l´ogica, tal como ´e entendida pelos l´ogicos contemporˆaneos. Ele n˜ao pretende, no entanto, ser um manual. Tais livros existem atualmente em quantidade. A finalidade deste ´e explorar as ra´ızes da l´ogica, que penetram profundamente a filosofia. Algo de l´ogica formal ser´a explicado pelo caminho.

Em cada um dos cap´ıtulos principais, inicio tomando algum problema filos´ofico ou enigma (puzzle) l´ogico particular. Explico em seguida uma abordagem deste. Muitas vezes, ser´a uma abordagem bastante convencional (standard); mas em algumas das ´areas n˜ao existem respostas convencionais: os l´ogicos ainda discordam. Em tais casos, simplesmente escolhi uma que fosse interessante. Quase todas as abordagens, convencionais ou n˜ao, po-dem ser questionadas. Termino cada cap´ıtulo com alguns problemas para a abordagem que expliquei. Algumas vezes, esses problemas s˜ao convencionais; algumas vezes, n˜ao. Algumas vezes eles possuem respostas f´aceis; outras ve-zes, podem n˜ao tˆe-las. O objetivo ´e desafi´a-lo a encontrar um meio de lidar com o assunto.

A l´ogica moderna ´e uma ´area altamente matem´atica. Busquei escrever o material de modo a evitar quase toda a matem´atica. O m´aximo que ser´a exigido ´e um pouco de ´algebra elementar nos ´ultimos cap´ıtulos. ´E verdade

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que ´e preciso determina¸c˜ao para dominar algum simbolismo que pode ser novo para vocˆe; mas ´e muito menos do que seria exigido para se ter uma compreens˜ao b´asica de alguma nova l´ıngua. A perspicuidade que o simbo-lismo fornece a quest˜oes dif´ıceis paga a pena de domin´a-lo. Uma advertˆencia, no entanto: ler um livro de l´ogica ou de filosofia n˜ao ´e como ler um romance. Algumas vezes ser´a necess´ario ler com cuidado e lentamente. Algumas vezes ser´a necess´ario parar e pensar sobre as coisas; e vocˆe deve estar preparado para retornar e reler o par´agrafo, se necess´ario.

O cap´ıtulo final do livro ´e sobre o desenvolvimento da l´ogica. Por meio dele, busquei colocar algumas das quest˜oes com as quais o livro lida em uma perspectiva hist´orica, para mostrar que a l´ogica ´e um assunto vivo, que sempre evolui, e que continuar´a a fazˆe-lo. O cap´ıtulo tamb´em inclui sugest˜oes de leitura complementar.

H´a dois apˆendices. O primeiro cont´em um gloss´ario de termos e s´ımbolos. Vocˆe pode consult´a-lo se esquecer o significado de uma palavra ou s´ımbolo. O segundo apˆendice cont´em uma quest˜ao relevante para cada cap´ıtulo, com a qual ser´a poss´ıvel testar sua compreens˜ao das id´eias principais.

O livro visou antes a abrangˆencia que a profundidade. Seria mais f´acil escrever um livro sobre o t´opico de cada cap´ıtulo - e, de fato, v´arios destes livros foram escritos. E, ainda assim, h´a v´arias importantes quest˜oes acerca da l´ogica que n˜ao foram sequer tocadas aqui. Mas, se continuar firme at´e o final do livro, vocˆe ter´a uma id´eia bastante adequada dos fundamentos da l´ogica moderna, e por que as pessoas acham que vale a pena pensar sobre o assunto.

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Cap´ıtulo 1

Validade: O que segue do que?

A maior parte das pessoas gosta de pensar em si mesmas como l´ogicas. Dizer a algu´em “Vocˆe n˜ao est´a sendo l´ogico” ´e normalmente uma forma de cr´ıtica. Ser il´ogico ´e ser confuso, atrapalhado, irracional. Mas, o que ´e l´ogica? Em

Atrav´es do espelho, de Lewis Carroll, Alice encontra a dupla argumentativa

(logic-chopping) Tweedledum e Tweedledee. Quando Alice procura algo para dizer, eles partem para o ataque:

“Eu sei sobre o que vocˆe est´a pensando” disse Tweedledum: “mas n˜ao ´e assim, de modo algum.”

“Ao contr´ario” continuou Tweedledee, “se assim fosse, poderia ter sido; e se tivesse sido assim, seria: mas como n˜ao ´e, n˜ao ser´a. Isto ´e l´ogica.”

O que Tweedledee est´a fazendo - pelo menos na par´odia de Carroll - ´e raciocinar. E ´e sobre isto, como ele disse, que ´e a l´ogica.

Todos n´os raciocinamos. Tentamos descobrir o que ser´a, raciocinando a partir do que j´a sabemos. Tentamos persuadir os outros de algo apresentan-do-lhes raz˜oes. A l´ogica ´e o estudo do que pode ser considerado uma boa raz˜ao para algo, e por que. Esta afirma¸c˜ao, no entanto, deve ser entendida de uma certa maneira. Eis aqui dois exemplos de racioc´ınio - que s˜ao chamados pelos l´ogicos de inferˆencias:

1. Roma ´e a capital da It´alia, e este avi˜ao pousa em Roma; logo, este avi˜ao pousa na It´alia.

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2. Moscou ´e a capital dos Estados Unidos; logo, vocˆe n˜ao pode ir a Moscou sem ir aos Estados Unidos.

Em cada caso, as afirma¸c˜oes antes do “logo” - chamadas pelos l´ogicos de premissas - fornecem raz˜oes; as afirma¸c˜oes depois do “logo” - chamadas pelos l´ogicos de conclus˜oes - s˜ao aquilo para o que as raz˜oes pretendem ser raz˜oes de. O primeiro trecho de racioc´ınio ´e correto; mas o segundo parece muito pouco promissor, e n˜ao convenceria ningu´em com um conhecimento elementar de geografia. Repare, contudo, que se a premissa fosse verdadeira - se, digamos, os Estados Unidos tivessem comprado toda a R´ussia, e n˜ao apenas o Alaska, e mudado a capital para Moscou, para estar mais pr´oxima dos centros de poder da Europa - a conclus˜ao teria sido de fato verdadeira. Ela teria se seguido das premissas: e ´e com isso que se ocupa a l´ogica. Ela n˜ao se ocupa com as premissas serem verdadeiras ou falsas. Isto ´e tarefa de alguma outra pessoa (no caso, do ge´ografo). Ela apenas se interessa se a conclus˜ao segue-se das premissas. Os l´ogicos chamam uma inferˆencia em que a conclus˜ao realmente segue-se das premissas v´alida. Logo, o objetivo

central da l´ogica ´e compreender a validade.

Vocˆe pode pensar que ´e uma tarefa um tanto boba - um exerc´ıcio inte-lectual com um pouco menos de apelo que resolver palavras cruzadas. Mas acontece que n˜ao apenas esta ´e uma tarefa muito dif´ıcil; ´e uma tarefa que n˜ao pode ser separada de um bom n´umero de importantes (e algumas vezes pro-fundas) quest˜oes filos´oficas. Ao longo do percurso vocˆe encontrar´a algumas delas. Por enquanto, vamos examinar melhor alguns fatos b´asicos relativos `

a validade.

Para come¸car, ´e comum distinguir entre dois tipos diferentes de validade. Para compreendˆe-lo, considere as trˆes inferˆencias seguintes:

1. Se o ladr˜ao tivesse invadido atrav´es da janela da cozinha, haveria pe-gadas do lado de fora; mas n˜ao h´a pegadas; logo, o ladr˜ao n˜ao invadiu atrav´es da janela da cozinha.

2. Jones tem os dedos manchados de nicotina; logo, Jones ´e um fumante. 3. Jones compra dois ma¸cos de cigarro por dia; logo algu´em deixou

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A primeira inferˆencia ´e bastante direta. Se as premissas s˜ao verdadeiras, tamb´em a conclus˜ao deve sˆe-lo. Ou, para dizˆe-lo de outro modo, as pre-missas n˜ao poderiam ser verdadeiras sem que a conclus˜ao tamb´em o fosse. L´ogicos chamam uma inferˆencia deste tipo dedutivamente v´alida. A segunda

inferˆencia ´e um pouco diferente. A premissa claramente apresenta boas raz˜oes para a conclus˜ao, mas n˜ao ´e totalmente conclusiva. Afinal de contas, Jones poderia simplesmente ter manchado seus dedos de nicotina para fazer as pessoas pensarem que ele era um fumante. Logo, a inferˆencia n˜ao ´e dedu-tivamente v´alida. Inferˆencias deste tipo normalmente s˜ao chamadas

indu-tivamente v´alidas. A terceira inferˆencia, ao contr´ario, parece sem salva¸c˜ao sob qualquer crit´erio. A premissa parece n˜ao fornecer qualquer tipo de raz˜ao para a conclus˜ao. Ela ´e inv´alida - tanto dedutiva quanto indutivamente. Na verdade, como as pessoas n˜ao s˜ao completamente idiotas, se algu´em de fato oferece raz˜oes deste tipo, supor´ıamos que existe alguma premissa suplemen-tar que n˜ao nos foi dita (talvez que algu´em passa os ma¸cos de cigarros a Jones atrav´es da janela da cozinha).

A validade indutiva ´e uma no¸c˜ao muito importante. N´os raciocinamos in-dutivamente o tempo todo; por exemplo, ao tentar resolver problemas como saber por que a janela do carro est´a quebrada, por que uma pessoa est´a doente, ou quem cometeu um crime. Sherlock Holmes era um mestre nisso. Apesar disso, historicamente, muito mais esfor¸co foi empreendido para com-preender a validade dedutiva - talvez porque os l´ogicos tenderam a ser ma-tem´aticos ou fil´osofos (em cujos estudos as inferˆencias dedutivamente v´alidas s˜ao de importˆancia central), e n˜ao m´edicos ou detetives. Retornaremos `a no¸c˜ao de indu¸c˜ao mais adiante no livro. Por enquanto, vamos pensar um pouco mais sobre a validade dedutiva. (´E natural supor que a validade dedu-tiva ´e uma no¸c˜ao mais simples, pois as inferˆencias dedutivamente v´alidas s˜ao mais diretas (cut-and-dried). N˜ao ´e portanto uma m´a id´eia tentar entendˆe-la primeiro. Isto, como veremos, j´a ´e suficientemente dif´ıcil). At´e afirma¸c˜ao em contr´ario, “v´alido” significar´a simplesmente “dedutivamente v´alido”.

O que ´e ent˜ao uma inferˆencia v´alida? Aquela, como vimos, na qual as premissas n˜ao podem ser verdadeiras sem que a conclus˜ao tamb´em seja verda-deira. Mas o que significa isso? Em particular, o que significa o n˜ao podem?

Em geral, “n˜ao pode” pode significar muitas coisas diferentes. Considere, por exemplo: “Maria pode tocar piano, mas Jo˜ao n˜ao pode”; aqui estamos falando de habilidades humanas. Compare com: “Vocˆe n˜ao pode entrar aqui: ´

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permite. ´

E natural entender o “n˜ao pode” relevante no presente caso deste modo: dizer que as premissas n˜ao podem ser verdadeiras sem que a conclus˜ao seja verdadeira ´e dizer que em todas as situa¸c˜oes em que as premissas s˜ao verda-deiras, tamb´em o ´e a conclus˜ao. At´e aqui, tudo bem: mas o que ´e exatamente uma situa¸c˜ao? Que tipos de coisas entram na sua constitui¸c˜ao e como essas coisas se relacionam umas com as outras? E o que ´e ser verdadeiro? Agora h´a um problema filos´ofico para vocˆe, como poderia ter dito Tweedledee.

Estas quest˜oes ir˜ao nos preocupar ao longo do texto; mas vamos deix´a-las de lado por enquanto, e finalizar com uma outra coisinha. N˜ao devemos par-tir com a id´eia de que a explica¸c˜ao de dedutivamente v´alido que apresentei est´a ela pr´opria livre de problemas. (Em filosofia, todas as afirma¸c˜oes inte-ressantes est˜ao abertas ao exame.) Eis aqui um problema. Assumamos que a explica¸c˜ao est´a correta, saber que uma inferˆencia ´e dedutivamente v´alida ´e saber que n˜ao h´a situa¸c˜oes em que as premissas s˜ao verdadeiras e a conclus˜ao n˜ao ´e. Agora, qualquer que seja nossa compreens˜ao de situa¸c˜ao, ´e certo que h´a um monte delas: situa¸c˜oes sobre coisas em planetas de estrelas distantes; situa¸c˜oes sobre eventos antes que houvesse qualquer ser vivo no cosmos; si-tua¸c˜oes descritas em obras de fic¸c˜ao; situa¸c˜oes imaginadas por vision´arios. Como podemos saber o que acontece em todas as situa¸c˜oes? Pior, parece haver um n´umero infinito de situa¸c˜oes (situa¸c˜oes daqui h´a um ano, situa¸c˜oes daqui h´a dois, situa¸c˜oes daqui h´a trˆes anos,...). ´E portanto imposs´ıvel, at´e mesmo em princ´ıpio, fazer um levantamento todas as situa¸c˜oes. Assim, se esta abordagem da validade est´a correta, e dado que n´os podemos reconhecer inferˆencias como v´alidas ou inv´alidas (ao menos em v´arios casos) devemos ter alguma percep¸c˜ao disto, de alguma fonte especial. Qual fonte?

Devemos invocar algum tipo de intui¸c˜ao m´ıstica? N˜ao necessariamente. Considere um problema an´alogo. Podemos distinguir entre seq¨uˆencias grama-ticais [de acordo com a gram´atica] e n˜ao-gramaticais de nossa l´ıngua nativa sem muito problema. Por exemplo, um falante nativo do portuguˆes reco-nheceria que “isto ´e uma cadeira” ´e uma senten¸ca gramatical, mas que “´e cadeira uma isto” n˜ao ´e. Mas parece haver um n´umero infinito de senten¸cas gramaticais ou n˜ao-gramaticais. (Por exemplo, “um ´e um n´umero”, “dois ´e um n´umero”, “trˆes ´e um n´umero”, ... s˜ao todas senten¸cas gramaticais. E ´e suficientemente f´acil produzir saladas de palavras ad libitum). Ent˜ao, como o fazemos? Aquele que ´e talvez o mais influente dos linguistas modernos, Noam Chomsky, sugeriu que podemos fazˆe-lo pois as cole¸c˜oes infinitas est˜ao

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encap-suladas em um conjunto finito de regras que est˜ao gravadas (hard-wired) em n´os; que a evolu¸c˜ao nos programou com uma gram´atica inata. Pode a l´ogica ser a mesma coisa? As regras da l´ogica est˜ao gravadas em n´os do mesmo jeito?

Ideias centrais do cap´ıtulo

• Uma inferˆencia v´alida ´e aquela em que a conclus˜ao segue da(s)

pre-missa(s).

• Uma inferˆencia dedutivamente v´alida ´e aquela na qual n˜ao existe

si-tua¸c˜ao em que todas as premissas s˜ao verdadeiras, mas a conclus˜ao n˜ao ´e.

Problema

A seguinte inferˆencia ´e dedutivamente v´alida, indutivamente v´alida ou ne-nhuma delas? Por que? Jos´e ´e espanhol. A maioria do povo espanhol ´e cat´olico. Logo, Jos´e ´e cat´olico.

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Cap´ıtulo 2

Fun¸

oes de verdade - ou n˜

ao?

Estando ou n˜ao as regras da validade profundamente arraigadas em n´os, todos temos intui¸c˜oes bem fortes a respeito da validade ou n˜ao de v´arias inferˆencias. N˜ao haveria muita discordˆancia, por exemplo, de que a inferˆencia a seguir ´e v´alida: “Ela ´e uma mulher e ´e uma banqueira; logo, ela ´e uma banqueira”. Ou que a inferˆencia a seguir ´e inv´alida: “Ele ´e um carpinteiro; logo, ele ´e um carpinteiro e joga baseball”.

Por´em, nossas intui¸c˜oes podem, `as vezes, nos colocar em apuros. O que vocˆe pensa sobre inferˆencia a seguir? As duas premissas ocorrem na parte superior da linha; a conclus˜ao na parte inferior.

A rainha ´e rica. A rainha n˜ao ´e rica. Porcos podem voar.

Certamente n˜ao parece v´alida. A riqueza da rainha - grande ou n˜ao -parece n˜ao ter rela¸c˜ao alguma com a habilidade de voar dos porcos.

Mas o que vocˆe pensa a respeito das duas inferˆencias seguintes? A rainha ´e rica.

Ou a rainha ´e rica ou porcos podem voar.

Ou a rainha ´e rica ou porcos podem voar. A rainha n˜ao ´e rica. Porcos podem voar.

A primeira delas parece v´alida. Considere sua conclus˜ao. L´ogicos cha-mam senten¸cas como esta de disjun¸c˜ao; e as cl´ausulas em ambos os lados

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do “ou” s˜ao chamados disjuntos. Agora, o que precisa ocorrer para que uma disjun¸c˜ao seja verdadeira? Apenas que um ou outro dos disjuntos seja verda-deiro. Assim, em qualquer situa¸c˜ao em que a premissa ´e verdadeira, tamb´em o ´e a conclus˜ao. A segunda inferˆencia tamb´em parece v´alida. Se uma ou outra de duas suposi¸c˜oes ´e verdadeira e uma delas n˜ao ´e, a outra deve ser verdadeira.

Agora, o problema ´e que colocando estas duas inferˆencias aparentemente v´alidas juntas, obtemos uma inferˆencia aparentemente inv´alida, como esta:

A rainha ´e rica.

Ou a rainha ´e rica ou porcos podem voar. A rainha n˜ao ´e rica.

Porcos podem voar.

Isto n˜ao pode estar correto. Ligar inferˆencias v´alidas desta forma n˜ao poderia resultar numa inferencia inv´alida. Se todas as premissas s˜ao ver-dadeiras em qualquer situa¸c˜ao, ent˜ao tamb´em o s˜ao as suas conclus˜oes, as conclus˜oes que seguem destas; e assim por diante, at´e chegarmos `a conclus˜ao final. O que h´a de errado?

A fim de fornecer uma resposta ortodoxa para esta pergunta, foquemos um pouco mais nos detalhes. Para come¸car, vamos escrever a senten¸ca “Por-cos podem voar” como p, e a senten¸ca “A rainha ´e rica” como q. Isto torna as coisas um pouco mais compactas. Mas n˜ao ´e s´o isto: se vocˆe parar um momento para refletir, pode ver que as duas senten¸cas particulares usadas nos exemplos acima n˜ao tem muito a ver com o que est´a acontecendo. Eu poderia ter reconstru´ıdo a inferˆencia utilizando quaisquer outras duas sen-ten¸cas; assim, podemos ignorar os seus conte´udos. Isto ´e o que fazemos quando escrevemos as senten¸cas representado-as por letras.

A senten¸ca “Ou a rainha ´e rica ou porcos podem voar” agora torna-se “Ou q ou p”. L´ogicos frequentemente escrevem isto como q∨ p. E o que fazer com “A rainha n˜ao ´e rica”? Vamos reescrever isto como “N˜ao ´e o caso que a rainha ´e rica”, puxando a particula negativa para a frente da senten¸ca. Consequentemente, a senten¸ca torna-se “N˜ao ´e ao caso que q”. L´ogicos frequentemente escrevem isto como ¬q, e o chamam de a nega¸c˜ao de q. J´a que estamos aqui, como seria a senten¸ca “A rainha ´e rica e porcos podem voar”, isto ´e, “q e p”? L´ogicos frequentemente escrevem isto como “q&p” e o chamam de conjun¸c˜ao de q e p, q e p sendo os conjuntos. Munidos

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q

q∨p ¬q

p

O que diremos a respeito desta inferˆencia?

Senten¸cas podem ser verdadeiras, e senten¸cas podem ser falsas. Vamos usar V para verdade e F para falsidade. A partir de um dos fundadores da l´ogica moderna, o fil´osofo/matem´atico alem˜ao Gottlob Frege, estes s˜ao geralmente denominados valores de verdade. Dada qualquer senten¸ca, a, qual ´e a conex˜ao entre o valor da verdade de a e o da sua nega¸c˜ao,¬a? Uma resposta natural seria que se uma ´e verdadeira, a outra ´e falsa, e vice-versa. Assim, se “A rainha ´e rica” ´e verdadeira, “A rainha n˜ao ´e rica” ´e falsa, e vice versa. Podemos registrar isso como segue:

• ¬a tem o valor V exatamente se a tem o valor F , • ¬a tem o valor F exatamente se a tem o valor V .

ogicos denominam esses registros como as condi¸c˜oes de verdade para

a nega¸c˜ao. Se assumirmos que toda senten¸ca ´e verdadeira ou falsa mas n˜ao ambas, podemos registrar as condi¸c˜ao na seguinte tabela, que os l´ogicos chamam de tabela de verdade:

a ¬a V F F V

Se a tem o valor de verdade dado na coluna abaixo dele,¬a tem o valor correspondente `a sua direita.

O que dizer da disjun¸c˜ao ∨? Como j´a vimos, uma suposi¸c˜ao natural ´e que uma disjun¸c˜ao, a∨ b, ´e verdadeira su um ou outro (ou possivelmente ambos) de a e b s˜ao verdadeiros, e falso no caso contr´ario. Podemos registrar isto nas condi¸c˜oes de verdade para a disjun¸c˜ao:

• a ∨ b tem o valor V exatamente se pelo menos um de a e b tˆem o valor V ,

• a ∨ b tem o valor F exatamente se ambos a e b tˆem o valor F .

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a b a∨ b

V V V

V F V

F V V

F F F

Cada linha - exceto a primeira que est´a no topo - registra uma poss´ıvel combina¸c˜ao de valores de verdade para a (primeira coluna) e b (segunda co-luna). Existem quatro tais poss´ıveis combina¸c˜oes e, portanto, quatro linhas. Para cada combina¸c˜ao, o correspondente valor de a∨ b ´e dado `a sua direita (terceira coluna).

Novamente, j´a que estamos falando nisso, qual ´e a conex˜ao entre os valores de verdade de a e b, com o de a&b? Uma suposi¸c˜ao natural ´e que a&b ´e ver-dadeira se ambas a e b s˜ao verdadeiras, e falsa no caso contr´ario. Assim, por exemplo, “John tem 35 anos e cabelos castanhos” ´e verdadeira exatamente se “John tem 35 anos” e “John tem cabelos castanhos” s˜ao ambas verdadeiras. Podemos registrar isto nas condi¸c˜oes da verdade para a conjun¸c˜ao:

• a&b tem o valor V exatamente se ambos a e b tˆem o valor V ,

• a&b tem o valor F exatamente se pelo menos um de a e b tˆem o valor F .

Essas condi¸c˜oes podem ser registradas na seguinte tabela de verdade:

a b a&b

V V V

V F F

F V F

F F F

Agora, como tudo isto est´a relacionado com o problema que iniciamos? Vamos voltar `a quest˜ao que eu levantei no final do ´ultimo cap´ıtulo: O que ´e uma situa¸c˜ao? Um pensamento natural ´e que seja o que for uma situa¸c˜ao, ela determina um valor de verdade para toda senten¸ca. Assim, por exemplo, em uma situa¸c˜ao em particular, poderia ser verdadeiro que a Rainha fosse rica e falso que porcos possam voar. Em outra situa¸c˜ao poderia ser falso que a Rainha fosse rica e verdadeiro que porcos possam voar. (Note que estas si-tua¸c˜oes s˜ao puramente hipot´eticas!) Em outras palavras, uma situa¸c˜ao deter-mina que cada senten¸ca relevante seja V ou F . As senten¸cas relevantes aqui

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n˜ao cont´em qualquer ocorrˆencia de “e”, “ou” ou “n˜ao”. Dada a informa¸c˜ao b´asica sobre uma situa¸c˜ao, podemos usar as tabelas de verdade para resolver os valores de verdade das senten¸cas que cont´em estas ocorrˆencias.

Por exemplo, suponha que temos a seguinte situa¸c˜ao:

p : V q : F r : V

(r pode ser a senten¸ca “Rabanete ´e nutritivo”, e “p : V” significa que a p ´e atribuido o valor da verdade V , etc.) Qual o valor da verdade de, digamos,

p&(¬r ∨ q)? Calculamos o valor da verdade disto exatamente da mesma

forma que calcular´ıamos o valor num´erico de 3× (−6 + 2), usando tabuadas para multiplica¸c˜ao e adi¸c˜ao. O valor de verdade de r ´e V . Entao, a tabela de verdade para ¬ nos diz que o valor de verdade de ¬r ´e F . Mas, uma vez que o valor de q ´e F , a tabela de verdade para ∨ nos diz que o valor de ¬r ∨ q ´e

F . E dado que o valor de verdade de p ´e V , a tabela de verdade para & nos diz que o valor de p&(¬r ∨ q) ´e F . Desta forma passo-a-passo, conseguimos calcular o valor de verdade de qualquer f´ormula contendo ocorrˆencias de &,

∨ e ¬.

Agora, lembre-se do ´ultimo cap´ıtulo em que uma inferˆencia ´e v´alida desde que n˜ao haja nenhuma situa¸c˜ao que fa¸ca com que todas as premissas sejam verdadeiras, e a conclus˜ao n˜ao verdadeira (falsa). Ou seja, ´e v´alido se n˜ao existe uma maneira de atribuir V s e F s `as senten¸cas relevantes, que resulte em todas as premissas tendo o valor V e a conclus˜ao tendo o valor F . Considere, por exemplo, a inferˆencia que j´a vimos, q/q∨ p. (Escrevo isso em uma linha para economizar dinheiro para a Oxford University Press.) As senten¸cas relevantes s˜ao q e p. H´a quatro combina¸c˜oes de valores de verdade, e para cada uma destas podemos calcular os valores de verdade para as premissas e conclus˜ao. Podemos representar o resultado da seguinte forma:

q p q q∨ p

V V V V

V F V V

F V F V

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As primeiras duas colunas nos d˜ao todas as poss´ıveis combina¸c˜oes dos valores de verdade para q e p. As duas ´ultimas colunas nos d˜ao os valores de verdade correspondentes para a premissa e a conclus˜ao. A terceira coluna ´

e a mesma que a primeira. Isto ´e um acidente deste exemplo, devido ao fato que, neste caso em particular, a premissa vem a ser uma das senten¸cas relevantes. A quarta coluna pode ser copiada da tabela de verdade para a disjun¸c˜ao. Dada esta informa¸c˜ao, podemos ver que a inferˆencia ´e v´alida. Pois n˜ao existe uma linha em que a premissa q ´e verdadeira e a conclus˜ao q∨ p n˜ao o ´e.

E o que acontece com a inferˆencia q∨ p, ¬q/p? Procedendo da mesma maneira, obtemos: q p q∨ p ¬q p V V V F V V F V F F F V V V V F F F V F

Desta vez, existem cinco colunas, porque existem duas premissas. Os valores da verdade das premissas e conclu¸c˜ao podem ser calculados a partir das tabelas de verdade para a disjun¸c˜ao e a nega¸c˜ao. E novamente, n˜ao existe linha em que ambas as premissas s˜ao verdadeiras e a conclus˜ao n˜ao. Portanto, a inferˆencia ´e v´alida.

E o que acontece com a inferˆencia pela qual iniciamos: q,¬q/p? Proce-dendo como anteriormente, obtemos:

q p q ¬q p

V V V F V

V F V F F

F V F V V

F F F V F

Novamente, a inferˆencia ´e v´alida; e agora vemos por que. N˜ao h´a ne-nhuma linha em que ambas as premissas s˜ao verdadeiras e a conclus˜ao ´e falsa. De fato, n˜ao h´a nenhuma linha em que ambas as premissas sejam verdadeiras. A conclus˜ao de fato n˜ao importa! `As vezes, os l´ogicos descre-vem esta situa¸c˜ao dizendo que a inferˆencia ´e vacuamente v´alida, exatamente porque as premissas nunca poderiam ser verdadeiras simultaneamente.

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Aqui, ent˜ao, est´a a solu¸c˜ao do problema com que iniciamos. De acordo com esta abordagem, nossas intui¸c˜oes originais acerca desta inferˆencia esta-vam erradas. Afinal, as intui¸c˜oes das pessoas podem freq¨uentemente induzir ao erro. Parece ´obvio para todos que a Terra n˜ao se movimenta - at´e que se faz um curso de F´ısica e se descobre que na verdade a Terra esta viajando atrav´es do espa¸co. Podemos at´e mesmo oferecer uma explica¸c˜ao de como as nossas intui¸c˜oes l´ogicas d˜ao errado. A maioria das inferˆencias que encontra-mos na pr´atica n˜ao s˜ao do tipo v´acuo. Nossas intui¸c˜oes desenvolvem-se neste tipo de contexto, e n˜ao se aplicam genericamente - assim como os h´abitos que vocˆe desenvolve quando aprende a andar (por exemplo, n˜ao inclinar para o lado) n˜ao funcionam sempre em outros contextos (por exemplo, quando vocˆe aprende a andar de bicicleta).

Voltaremos a este assunto em outro cap´ıtulo mais tarde. Mas vamos encerrar este com uma breve olhada na adequa¸c˜ao do maquin´ario que n´os usamos. As coisas aqui n˜ao s˜ao t˜ao diretas como se poderia esperar. De acordo com esta abordagem, o valor de verdade de uma senten¸ca ¬a est´a completamente determinado pelo valor de verdade da senten¸ca a. De forma an´aloga, os valores de verdade das senten¸cas a∨b e a&b est˜ao completamente determinados pelos valores de verdade de a e b. L´ogicos chamam as opera¸c˜oes que funcionam desse modo de fun¸c˜oes de verdade. Mas h´a bons motivos para supor que “ou” e “e”, como eles ocorrem em portuguˆes, n˜ao s˜ao fun¸c˜oes de verdade - ao menos, n˜ao sempre.

Por exemplo, de acordo com a tabela de verdade para &, “a e b” sempre tem o mesmo valor de verdade que “b e a”: a saber, ambos s˜ao verdadeiros se a e b forem verdadeiros, e falsos em caso contr´ario. Mas, considere as senten¸cas:

1. John bateu a cabe¸ca e caiu. 2. John caiu e bateu a cabe¸ca.

A primeira diz que John bateu a cabe¸ca e ent˜ao caiu. A segunda diz que John caiu e ent˜ao bateu a cabe¸ca. Claramente, a primeira poderia ser verdadeira enquanto que a segunda falsa, e vice-versa. Portanto, n˜ao s˜ao apenas os valores da verdade dos conjuntos que s˜ao importantes, mas qual conjunto causou qual.

(17)

Problemas similares envolvem “ou”. De acordo com a abordagem que n´os t´ınhamos, “a ou b” ´e verdadeira se uma ou outra, a e b, forem verdadeiras. Mas suponha que um amigo diga:

Ou vocˆe vem agora ou chegaremos atrasados;

e portanto vocˆe vai. Dada a tabela de verdade para ∨, a disjun¸c˜ao ´e ver-dadeira. Mas suponha que vocˆe descobre que seu amigo estava brincando: vocˆe poderia ter sa´ıdo meia hora depois e ainda estaria no hor´ario. Sob estas circunstancias vocˆe certamente diria que seu amigo havia mentido: o que ele havia dito era falso. Novamente, n˜ao s˜ao meramente os valores da verdade dos disjuntos que s˜ao importantes, mas a existˆencia de alguma outra conex˜ao entre eles.

Deixarei vocˆe refletir sobre estas quest˜oes. O material que vimos nos d´a ao menos uma amostra de como certos maquin´arios l´ogicos funcionam e iremos tirar proveito disto nos pr´oximos cap´ıtulos, a n˜ao ser que as id´eias destes cap´ıtulos deixem expl´ıcito que eles n˜ao se aplicam, o que acontecer´a algumas vezes.

O maquin´ario em quest˜ao lida somente com alguns tipos de inferˆencias: existem muitas outras. Estamos apenas come¸cando.

Ideias centrais do cap´ıtulo

• Em uma situa¸c˜ao, um ´unico valor de verdade (V ou F ) ´e atribu´ıdo a

cada senten¸ca relevante.

• ¬a ´e V exatamente se a ´e F ,

• a ∨ b ´e V exatamente se pelo menos um de a e b ´e V , • a&b ´e V exatamente se ambos a e b s˜ao V .

Problema

Simbolize a seguinte inferˆencia e avalie a sua validade. Ou Jones ´e um cava-leiro ou ele ´e um idiota; mas, ele ´e certamente um cavaleiro; assim, ele n˜ao ´

(18)

Cap´ıtulo 3

Nomes e Quantificadores: Nada

´

e alguma coisa?

As inferˆencias que vimos no ´ultimo cap´ıtulo envolviam senten¸cas com “ou” e “n˜ao ´e o caso que”, palavras que adicionam, ou unem, senten¸cas completas para criar outras senten¸cas completas; mas existem muitas inferˆencias que parecem funcionar de uma forma bem diferente. Considere, por exemplo, a inferˆencia:

Marcus me deu um livro. Algu´em me deu um livro.

Nem a premissa nem a conclus˜ao possuem uma parte que sozinha seja uma senten¸ca completa. Se esta inferˆencia ´e valida, isto acontece somente por causa do que est´a ocorrendo dentro das senten¸cas completas.

A gram´atica tradicional nos diz que a forma mais simples de uma senten¸ca completa ´e formada por um sujeito e um predicado. Assim, considere estes exemplos:

1. Marcus viu o elefante. 2. Annika dormiu. 3. Algu´em me bateu.

(19)

A primeira palavra, em cada caso, ´e o sujeito da senten¸ca: cada uma nos diz do que se trata a senten¸ca. O resto ´e o predicado: que nos diz o que ´

e dito a respeito do sujeito. Agora, quando uma tal senten¸ca ´e verdadeira? Tome o segundo exemplo. Ela ´e verdadeira se o objeto referido pelo sujeito “Annika” possui a propriedade expressa pelo predicado, que ´e, dormiu.

At´e aqui tudo bem. Mas a que o sujeito da senten¸ca 3 se refere? A` pessoa que me bateu? Mas talvez ningu´em tenha me batido. Ningu´em disse que esta era uma senten¸ca verdadeira. O caso na senten¸ca 4 ´e ainda pior. A quem “ningu´em” se refere? No livro “Through the Looking Glass”, um pouco antes do encontro com o Le˜ao e o Unic´ornio, Alice se encontra com o Rei Branco, que esta aguardando um mensageiro. (Por algum motivo, quando o mensageiro aparece, ele estranhamente se parece com um coelho.) Quando o Rei se apresenta a Alice, ele diz:

“Apenas olhe a estrada, e diga-me se vocˆe pode ver...(O Men-sageiro).”

“Eu [n˜ao] vejo ningu´em na estrada.” Disse Alice.

“Eu gostaria de ter esta vis˜ao.” O Rei observou com um tom insatisfeito. “Ser capaz de ver ningu´em! E de longe tamb´em! Porque, tudo o que eu consigo fazer ´e ver pessoas reais, e de dia!” Carroll est´a fazendo uma piada de l´ogica, como ele frequentemente o faz. Quando Alice diz que [n˜ao] est´a vendo ningu´em, ela n˜ao est´a dizendo que ela est´a vendo uma pessoa - real ou n˜ao. “Ningu´em” n˜ao se refere a uma pessoa - nem a qualquer outra coisa.

Palavras como “ningu´em”, “algu´em”, “todos” s˜ao chamadas pelos profis-sionais em l´ogica de quantificadores, e s˜ao distinguidos dos nomes “Marcus” e “Annika”. O que acabamos de ver ´e que, mesmo que ambos, os quan-tificadores e nomes, possam ser gramaticalmente sujeitos de uma senten¸ca, eles devem possuir fun¸c˜oes de diferentes formas. Ent˜ao, como funcionam os quantificadores?

Eis aqui uma reposta moderna padr˜ao. Uma situa¸c˜ao vem equipada com um estoque de objetos. No nosso caso, os objetos relevantes s˜ao todas as pessoas. Todos os nomes que ocorrem no nosso racioc´ınio sobre esta situa¸c˜ao referem-se a um dos objetos desta cole¸c˜ao. Portanto, se n´os escrevermos m para ”Marcus”, m refere-se a um destes objetos. E se n´os escrevermos F para “´e feliz”, ent˜ao a senten¸ca mF ´e verdadeira nesta situa¸c˜ao exatamente

(20)

quando o objeto referido por m tem a propriedade expressa por F . (Por mo-tivos de sua pr´opria conta, l´ogicos geralmente invertem a ordem, e escrevem

F m, ao inv´es de mF . Isto ´e apenas uma quest˜ao de conven¸c˜ao.)

Agora considere a senten¸ca “Algu´em ´e feliz”. Isto ´e verdadeiro em uma situa¸c˜ao somente quando houver algum objeto, na cole¸c˜ao de objetos, que ´

e feliz - isto ´e, algum objeto na cole¸c˜ao, digamos x, tal que x ´e feliz. Va-mos escrever “Algum objeto x, tal que” como ∃x. Ent˜ao, podemos escrever a senten¸ca desta forma: “∃x x ´e feliz”; ou lembrando-se que estamos escre-vendo “´e feliz” como F , ent˜ao: ∃x xF . L´ogicos `as vezes chamam ∃x de um

quantificador existencial (particular).

E quanto a “Todos s˜ao felizes”? Isto ´e verdadeiro em uma situa¸c˜ao se

todo objeto na cole¸c˜ao relevante for feliz. Isto ´e, cada objeto x na cole¸c˜ao ´

e tal que x ´e feliz. Se escrevermos “todo objeto x, tal que” como∀x, ent˜ao podemos escrever isto da forma: ∀x xF . L´ogicos geralmente chamam ∀x de um quantificador universal.

Agora, n˜ao h´a vantagem em adivinhar como entendemos “Ningu´em ´e feliz”. Isto apenas significa que n˜ao h´a um objeto x, na cole¸c˜ao relevante, tal que x ´e feliz. N´os poder´ıamos ter um s´ımbolo especial significando “Nenhum objeto x, tal que”, mas na verdade, os l´ogicos n˜ao se importam em ter um. Pois dizer que ningu´em ´e feliz ´e dizer que n˜ao ´e o caso que algu´em ´e feliz. Ent˜ao podemos escrever isto da forma: ¬∃x xF .

Esta an´alise dos quantificadores nos mostra que nomes e quantificadores funcionam de formas bem diferentes. Em particular, o fato de que “Marcus ´

e feliz” e “Algu´em ´e feliz” tenham sido escritos, bem diferentes, como mF e ∃x xF , respectivamente, nos mostra isto. Isto nos mostra, al´em disso, que formas gramaticais aparentemente simples podem nos levar ao erro. Nem todos os sujeitos da gram´atica s˜ao iguais. A abordagem, inclusive, nos mostra porque a inferˆencia com a qual come¸camos ´e v´alida. Vamos escrever D para “me deu o livro”. Ent˜ao, a inferˆencia ´e:

mD ∃x xD

Est´a claro que, se em alguma situa¸c˜ao, o objeto referido pelo nome m me deu o livro, ent˜ao algum objeto na cole¸c˜ao relevante me deu o livro. Em contraste, o Rei Branco est´a inferindo do fato de que Alice [n˜ao] viu ningu´em, que ela viu algu´em (a saber, Ningu´em). Se n´os escrevermos “´e visto por Alice” como V ent˜ao a inferˆencia do Rei seria:

(21)

¬∃x xV ∃x xV

Isto ´e claramente inv´alido. Se n˜ao h´a objeto no dom´ınio relevante que foi visto por Alice, obviamente n˜ao ´e verdadeiro que h´a algum objeto no dom´ınio relevante que foi visto por ela.

Vocˆe pode achar que tudo isto ´e um monte de confu˜a0 `a toa - na verdade, ´

e apenas uma maneira de construir uma boa piada. Mas ´e muito mais s´erio do que isto. Pois os quantificadores tˆem um papel central em muitos argu-mentos em matem´atica e filosofia. Eis aqui um exemplo filos´ofico. ´E uma presun¸c˜ao natural considerar que nada acontece sem haver uma explica¸c˜ao: As pessoas n˜ao ficam doentes sem motivo; carros n˜ao quebram sem haver uma falha. Tudo, ent˜ao, tem uma causa. Mas o que poderia ser a causa de tudo? Obviamente n˜ao pode ser nada f´ısico, como uma pessoa; ou nem mesmo algo como o Big Bang da cosmologia. Tais coisas devem, elas mes-mas, ter suas causas. Ent˜ao, deve ser algo metaf´ısico. Deus ´e o candidato ´

obvio.

Isto ´e uma vers˜ao de um argumento para existˆencia de Deus, comumente chamado de Argumento Cosmol´ogico. Algu´em poderia contestar o argumento de v´arias formas. Mas no seu cora¸c˜ao, h´a uma enorme fal´acia l´ogica. A senten¸ca “Tudo tem uma causa” ´e amb´ıgua. Ela pode significar que tudo que acontece tem alguma causa ou outra - ou seja, para cada x, h´a um y, tal que x ´e causado por y; ou isto pode significar que h´a algo que ´e a causa de tudo - isto ´e, existe algum y tal que para todo x, x ´e causado por y. Suponha que n´os assumimos que os dom´ınios relevantes dos objetos sejam as causas e efeitos, e escrevemos “x ´e causado por y” como xCy. Ent˜ao, podemos escrever estes dois significados, respectivamente, como:

1. ∀x∃y xCy 2. ∃y∀x xCy

Agora, esses enunciados n˜ao s˜ao logicamente equivalentes. O primeiro segue do segundo. Se houvesse algo que fosse a causa de tudo, ent˜ao certa-mente, tudo que acontece tem alguma causa ou outra. Mas, se tudo tem uma causa ou outra, n˜ao se segue que existe uma e a mesma coisa que ´e a causa de tudo (Compare: Todos tˆem uma m˜ae; disso n˜ao se segue que h´a algu´em que ´e a m˜ae de todos.)

(22)

Esta vers˜ao do Argumento Cosmol´ogico trabalha com esta ambig¨uidade. O que foi dito das doen¸cas e dos carros ´e 1. Mas imediatamente, o argu-mento continua a perguntar qual ´e a causa, assumindo que 2 ´e que tenha sido estabelecido. Al´em disso, esta liga¸c˜ao ´e ocultada porque, em portuguˆes “Tudo tem uma causa” pode ser usada para expressar tanto 1 quanto 2. Note, tamb´em, que n˜ao h´a ambig¨uidade se os quantificadores s˜ao trocados por nomes. “A radia¸c˜ao dos cosmos ´e causada pelo Big Bang” n˜ao ´e de forma alguma amb´ıgua. Pode muito bem acontecer que a falha para distinguir entre nomes e quantificadores seja outro motivo pelo qual se pode falhar em ver a ambig¨uidade.

Ent˜ao, ´e importante entender corretamente os quantificadores - e n˜ao somente para a l´ogica. As palavras “algo”, “nada”, etc., n˜ao se referem a objetos, mas funcionam de forma totalmente diferentes. Ou, ao menos, eles podem. Mas, as coisas n˜ao s˜ao t˜ao simples assim. Considere novamente o cosmos. Ou est´a estendido infinitamente ao passado ou, em algum momento especifico, veio a existir. No primeiro caso, n˜ao havia inicio, mas sempre esteve l´a; no segundo, ele come¸cou num momento especifico. Em diferentes ´

epocas, a f´ısica tem de fato nos contado diferentes coisas a respeito da verdade deste assunto. Entretanto, n˜ao se preocupem com isto. Apenas considere a segunda possibilidade. Neste caso, o cosmos veio `a existˆencia a partir do nada - de qualquer forma, um nada f´ısico, j´a que o cosmos ´e a totalidade de tudo que ´e f´ısico. Agora considere esta senten¸ca “O cosmos veio `a existˆencia do nada”. Denotemos o cosmos por c e vamos escrever “x veio `a existˆencia de

y” como xEy. Ent˜ao, dado o nosso conhecimento dos quantificadores, esta senten¸ca deveria significar ¬∃x cEx. Mas esta n˜ao significa isto, pois isto ´e igualmente verdadeiro na primeira alternativa de cosmologia. Nesse caso, o cosmos, sendo infinito no passado, n˜ao veio `a existˆencia de forma alguma. Em particular, ent˜ao, n˜ao ´e o caso de que o cosmos veio `a existˆencia a partir de alguma coisa ou outra. Quando dizemos que na segunda cosmologia o cosmos veio `a existˆencia a partir do nada, queremos dizer que veio `a existˆencia da condi¸c˜ao de nada (nothingness). Ent˜ao, o nada pode ser algo. O Rei n˜ao era t˜ao tolo afinal.

(23)

Ideias centrais do cap´ıtulo

• A senten¸ca nP ´e verdadeira em uma situa¸c˜ao se o objeto referido por n possui a propriedade expressa por P naquela situa¸c˜ao.

• ∃x xP ´e verdadeira em uma situa¸c˜ao somente se algum objeto na

si-tua¸c˜ao, x, ´e tal que xP .

• ∀x xP ´e verdadeira em uma situa¸c˜ao somente se cada objeto na

situ-a¸c˜ao, x, ´e tal que xP .

Problema

Simbolize a seguinte inferˆencia e avalie a sua validade. Algu´em ou viu o disparo ou ouviu o disparo; assim, ou algu´em viu o disparo ou algu´em ouviu o disparo.

(24)

Cap´ıtulo 4

Descri¸

oes e Existˆ

encia: Os

gregos adoravam a Zeus?

Enquanto estamos no t´opico de sujeitos e predicados, h´a um certo tipo de express˜ao que pode ser o sujeito de senten¸cas, que ainda n˜ao falamos a res-peito. Os l´ogicos geralmente as chamam de descri¸c˜oes definidas, ou `as vezes apenas descri¸c˜oes - fique avisado que isto ´e apenas um termo t´ecnico. Des-cri¸c˜oes s˜ao express˜oes como “O homem que aterrissou pela primeira vez na lua” e “O ´unico objeto criado pelo homem que ´e vis´ıvel do espa¸co”. Em geral, descri¸c˜oes tˆem a forma: a coisa satisfazendo tal e tal condi¸c˜ao.

Se-guindo o fil´osofo/matem´atico inglˆes Bertrand Russell, um dos fundadores da l´ogica moderna, podemos escrevˆe-las como se segue. Reescreva “O homem que aterrissou pela primeira vez na lua” como “O objeto x, tal que x ´e um homem e x aterrissou primeiro na lua”. Agora escreva ιx para “o objeto x, tal que”, e isto torna-se:

ιx(x ´e um homem e x aterrissou primeiro na lua).

Se escrevermos H para “´e um homem” e P para “aterrissou primeiro na lua”, temos ent˜ao: ιx(xH&xP ). Em geral, uma descri¸c˜ao ´e algo da forma ιxcx,

onde cx´e alguma condi¸c˜ao que cont´em ocorrˆencias de x. (Por isso o pequeno

sub-escrito x est´a l´a para lembr´a-lo disso.)

Como descri¸c˜oes s˜ao sujeitos, eles podem ser combinados com predica-dos para formar senten¸cas completas. Portanto, se n´os escrevermos U para “nasceu nos Estados Unidos”, ent˜ao “O homem que aterrissou pela primeira vez na lua nasceu nos Estados Unidos” fica: ιx(xH&xP )U . Vamos escre-ver µ como uma abrevia¸c˜ao para ιx(xH&xP ). (Eu uso uma letra grega para

(25)

lembr´a-lo que aquilo ´e realmente uma descri¸c˜ao.) Ent˜ao, isto fica µU . Analo-gamente, “O primeiro homem a aterrissar na lua ´e um homem e ele aterrissou primeiro na lua” ´e µH&µP .

Em termos da divis˜ao do ´ultimo cap´ıtulo, descri¸c˜oes s˜ao nomes, n˜ao quan-tificadores. Ou seja, elas se referem a objetos - se tivermos sorte: voltaremos a isto. Portanto, “O homem que aterrissou pela primeira vez na lua nasceu nos Estados Unidos”, µU , ´e verdadeira exatamente se a pessoa particular referida pela express˜ao µ tem a propriedade expressa por U .

Mas, descri¸c˜oes s˜ao um tipo especial de nome. Diferente do que n´os po-der´ıamos chamar de nomes pr´oprios, como “Annika” e “o Big Bang”, elas carregam informa¸c˜oes sobre o objeto a que se referem. Portanto, por exem-plo, “o homem que aterrissou pela primeira vez na lua” carrega a informa¸c˜ao de que o objeto referido tem a propriedade de ser um homem e ser o primeiro na lua. Isto pode parecer banal e ´obvio, mas as coisas n˜ao s˜ao t˜ao simples como parecem. Porque as descri¸c˜oes carregam informa¸c˜oes desta forma, elas freq¨uentemente s˜ao centrais em discuss˜oes importantes em matem´atica e fi-losofia; e uma forma de apreciar algumas destas complexidades ´e olhar para um exemplo de um tal discuss˜ao. Esta ´e outro argumento para existˆencia de Deus, freq¨uentemente chamado de Argumento Ontol´ogico. O argumento

vem em um n´umero de vers˜oes, mas aqui est´a uma forma simples do mesmo: Deus ´e o ser com todas as perfei¸c˜oes.

Mas, a existˆencia ´e uma perfei¸c˜ao. Portanto, Deus possui a existˆencia.

Isto ´e, Deus existe. Se vocˆe n˜ao viu este argumento antes, ele ir´a parecer um tanto desafiador. Para come¸car, o que ´e uma perfei¸c˜ao? Vagamente, uma perfei¸c˜ao ´e algo como onisciˆencia (saber tudo que ´e poss´ıvel saber), onipotˆencia (ser capaz de fazer tudo que pode ser feito), e ser moralmente perfeito (agir sempre da melhor forma poss´ıvel). Em geral, as perfei¸c˜oes s˜ao todas aquelas propriedades que s˜ao boas de se ter. Agora, a segunda premissa diz que existˆencia ´e uma perfei¸c˜ao. Por que isto deveria ser assim? A raz˜ao de se supor que isso seja assim ´e ainda mais complexa, com suas ra´ızes na filosofia de um dos dois fil´osofos mais influentes da Gr´ecia Antiga, Plat˜ao. Felizmente, podemos contornar esta quest˜ao. Podemos fazer uma lista de propriedades como onisciˆencia, onipotˆencia etc., incluir existˆencia na lista, e simplesmente fazer com que “perfei¸c˜ao” signifique qualquer propriedade

(26)

da lista. Al´em disso, podemos tomar “Deus” como sinˆonimo de uma certa descri¸c˜ao, a saber, “o ser que possui todas as perfei¸c˜oes (isto ´e, aquelas propriedades da lista)”. No Argumento Ontol´ogico, ambas as premissas s˜ao agora verdadeiras por defini¸c˜ao, e est˜ao fora de discuss˜ao. O argumento ent˜ao se reduz a uma linha:

O objeto que ´e onisciente, onipotente, moralmente perfeito,... e existe, existe.

- e, podemos acrescentar, ´e onipotente, onisciente, moralmente perfeito, e assim por diante. Isto certamente parece estar correto. Para tornar as coisas mais transparentes, suponha que escrevemos a lista das propriedades de Deus como P1, P2, ..., Pn. Ent˜ao, o ´ultimo, Pn, ´e existˆencia. A defini¸c˜ao de “Deus”

fica:

ιx(xP1&xP2&...&xPn).

Vamos escrever isto como sendo y. Ent˜ao, temos yP1&yP2&...&yPn (da qual

yPn se segue).

Este ´e um caso especial de algo mais geral, a saber: a coisa satisfazendo

tal e tal condi¸c˜ao satisfaz aquela pr´opria condi¸c˜ao. Isto ´e freq¨uentemente chamado de Principio de Caracteriza¸c˜ao (uma coisa possui aquelas

proprie-dades pelas quais ela ´e caracterizada). Abreviemos isto como PC. J´a vimos um exemplo de PC, com “O primeiro homem a aterrissar na lua ´e um homem e ele aterrissou primeiro na lua”, µH&µP . Em geral, obtemos um caso de PC se tomarmos alguma descri¸c˜ao,ιx cx, e a substitu´ımos para cada ocorrˆencia

de x na condi¸c˜ao cx.

Agora, para toda a gente, o PC parece ser verdadeiro por defini¸c˜ao. Claro que as coisas possuem aquelas propriedades pelas quais elas s˜ao caracteriza-das. Infelizmente, em geral, ele ´e falso. Pois, muitas coisas que seguem dele s˜ao incontestavelmente falsas.

Para come¸car, podemos us´a-lo para deduzir a existˆencia de todo o tipo de coisa que n˜ao existe realmente. Considere os n´umeros inteiros (n˜ao nega-tivos): 0,1,2,3... N˜ao existe o maior deles. Mas, utilizando o PC, podemos mostrar a existˆencia do maior n´umero de todos. Seja cx a condi¸c˜ao “x ´e o

maior n´umero inteiro & x existe”. Seja δ a descri¸c˜ao ιx cx. Ent˜ao, o PC nos

a “δ ´e o maior n´umero inteiro, e δ existe”. Os absurdos n˜ao terminam a´ı. Considere uma pessoa n˜ao casada, digamos o Papa. Podemos provar que ele

(27)

´

e casado. Seja cx a condi¸c˜ao “x casou com o Papa”. Seja δ a descri¸c˜ao ιx cx.

O PC n´os d´a “δ casou com o Papa”. Ent˜ao, algu´em casou com o Papa, isto ´

e, o Papa ´e casado.

O que se pode dizer de tudo isto? Segue uma resposta moderna padr˜ao. Considere a descri¸c˜ao ιx cx. Se houver um ´unico objeto que satisfa¸ca a

condi¸c˜ao cx, em alguma situa¸c˜ao, ent˜ao a descri¸c˜ao se refere a ele. Em caso

contr´ario, ela n˜ao se refere a nada: ´e um “nome vazio”. Deste modo, existe um ´unico x, tal que x ´e um homem e x aterrissou primeiro na lua, Armstrong. Ent˜ao, “o x tal que x ´e um homem e x aterrissou primeiro na lua”refere-se a Armstrong. Igualmente, existe o menor n´umero inteiro, chamado 0 (zero); portanto, a descri¸c˜ao “o objeto que ´e o menor n´umero inteiro” denota 0. Mas, dado que n˜ao h´a o maior n´umero inteiro, “o objeto que ´e o maior n´umero inteiro” falha ao referir-se a qualquer coisa. Igualmente, a descri¸c˜ao “a cidade na Austr´alia que possui mais de um milh˜ao de pessoas” tamb´em falha ao se referir a algo. Desta vez, n˜ao pelo fato que n˜ao existe tal cidade, mas porque existem diversas delas.

O que isto tem a ver com o PC? Bem, se houver um ´unico objeto satisfa-zendo cx, em alguma situa¸c˜ao, ent˜ao ιx cx refere-se a ele. Ent˜ao, a instˆancia

do PC com respeito a cx´e verdadeira: ιx cx´e uma dessas coisas - na verdade,

a ´unica coisa - que satisfaz cx. Em particular, o menor n´umero inteiro ´e (de

fato) o menor n´umero inteiro; a cidade que ´e a capital federal da Austr´alia ´

e, de fato, a capital federal da Austr´alia etc. Ent˜ao, alguns exemplos de PC se mant´em.

Mas, e se n˜ao houver um ´unico objeto que satisfa¸ca cx? Se n ´e um nome e

P ´e um predicado, a senten¸ca nP ´e verdadeira somente se houver um objeto a que n se refira, e que tenha a propriedade expressa por P . Por isso, se

n n˜ao denota nenhum objeto, nP deve ser falso. Portanto, se n˜ao houver uma ´unica coisa tendo a propriedade P , (se, por exemplo, P ´e “´e um cavalo alado”) (ιx xP )P ´e falso. Como se ´e esperado, sob estas circunstˆancias, o PC pode falhar.

Agora, como tudo isto est´a contido no Argumento Ontol´ogico? Lembre-se que a instˆancia do PC l´a referida ´e yP1&yP2&...&yPn em que y ´e a descri¸c˜ao

ιx(xP1&xP2&...&xPn). Ou existe algo satisfazendo xP1&xP2&...&xPn ou

n˜ao existe. Se existir, deve ser ´unico. (N˜ao pode haver 2 objetos onipoten-tes: se eu sou onipotente, eu consigo fazer vocˆe parar de fazer coisas, ent˜ao vocˆe n˜ao pode ser onipotente.) Ent˜ao y se refere a isto, e yP1&yP2&...&yPn

(28)

´

e verdadeiro. Se n˜ao houver, ent˜ao y n˜ao se refere a nada; portanto cada conjunto de yP1&yP2&...&yPn ´e falso; conseq¨uentemente, toda a conjun¸c˜ao

´

e falsa. Ou seja, a instˆancia do PC usado no argumento ´e verdadeira apenas se Deus existir; mas ´e falsa se Deus n˜ao existir. Portanto, se algu´em est´a ar-gumentando pela existˆencia de Deus, ele simplesmente n˜ao pode evocar esta instˆancia do PC: ele estaria somente assumindo algo que supostamente deve-ria estar provando. Os fil´osofos dizem que tal argumento suplica a quest˜ao; isto ´e, suplica para estar admitindo exatamente o que est´a em quest˜ao. E, um argumento que suplica a quest˜ao, claramente n˜ao funciona.

´

E o bastante para o Argumento Ontol´ogico. Vamos terminar este cap´ıtulo vendo que o apanhado das descri¸c˜oes que expliquei ´e, de certa forma, pro-blem´atico por si s´o. De acordo com este apanhado, se δP ´e uma senten¸ca onde δ ´e uma descri¸c˜ao que n˜ao se refere a nada, ela ´e falsa. Mas isto n˜ao parece estar sempre correto. Por exemplo, pareceria verdadeiro que o mais poderoso deus da Antiga Gr´ecia era chamado de “Zeus”, vivia no Monte Olympus, era adorado pelos gregos e assim por diante. Ainda que n˜ao haja, na realidade, nenhum deus grego. Eles n˜ao existiam de fato. Se isto ´e correto, ent˜ao a descri¸c˜ao “o mais poderoso deus da Antiga Gr´ecia” n˜ao se refere a nada. Mas, neste caso, existem senten¸cas tipo sujeito/predicado verdadeiras na qual o termo sujeito falha em se referir a algo, tal como “o mais poderoso deus da Antiga Gr´ecia era adorado pelos gregos”. De modo tendencioso, existem verdades sobre objetos n˜ao existentes, afinal de contas.

Ideias centrais do cap´ıtulo

• (ιx cx)P ´e verdadeiro em uma situa¸c˜ao exatamente se, nesta situa¸c˜ao,

houver um ´unico objeto, a, satisfazendo cx, e aP .

Problema

Simbolize a seguinte inferˆencia e avalie a sua validade. Todos queriam ganhar

(29)

Cap´ıtulo 5

Auto-referˆ

encia: Sobre o que se

trata este cap´ıtulo?

Freq¨uentemente, as coisas parecem simples quando algu´em pensa em casos normais; mas isto pode ser enganoso. Quando se considera casos mais inco-muns, a simplicidade pode muito bem desaparecer. Assim ´e com a referˆencia. Vimos no ´ultimo cap´ıtulo que as coisas n˜ao s˜ao t˜ao diretas como algu´em pode supor, quando se leva em considera¸c˜ao o fato de que alguns nomes podem n˜ao se referir a nada. Outras complexidades aparecem quando consideramos outro tipo de caso incomum: a auto-referˆencia.

´

E bem poss´ıvel para um nome se referir a algo do qual, ele mesmo, faz parte. Por exemplo, considere a senten¸ca “Esta senten¸ca cont´em cinco pa-lavras”. O nome que ´e o sujeito desta senten¸ca, “Esta senten¸ca”, se refere a toda a senten¸ca, na qual este nome faz parte. Coisas parecidas acontecem num conjunto de regras que cont´em a senten¸ca “As regras devem ser revi-sados por uma decis˜ao majorit´aria do Departamento de Filosofia”, ou pela pessoa que pensa “Mas se eu estou pensando este pensamento, ent˜ao eu devo estar consciente”.

Estes s˜ao todos casos relativamente n˜ao problem´aticos de auto-referˆencia. Existem outros casos que s˜ao bem diferentes. Por exemplo, suponha que algu´em diga:

Esta pr´opria senten¸ca que eu estou proferindo agora ´e falsa.

Chame esta senten¸ca de λ. A senten¸ca λ ´e falsa ou verdadeira? Bem, se ´e verdadeira, ent˜ao o que ´e dito ´e o caso, portanto λ ´e falso. Mas se ´e

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falsa, ent˜ao, desde que isto ´e exatamente o que afirma ser, ´e verdadeira. Em ambos os casos, λ pareceria ser ambos, verdadeira e falsa. A senten¸ca ´e como uma faixa de M¨obius, uma configura¸c˜ao topol´ogica onde, por causa de uma tor¸c˜ao, o interior ´e o exterior, e o exterior ´e o interior: verdade ´e falsidade e falsidade ´e verdade.

Ou suponha qua algu´em diga:

Esta pr´opria senten¸ca que eu estou proferindo agora ´e verdadeira. Isto ´e verdadeiro ou falso? Bem, se ´e verdadeiro, ´e verdadeiro, dado que isto ´e o que ´e dito. E se ´e falso, ent˜ao ´e falso, dado que ela afirma que ´e verdadeiro. Sendo assim, ambas, a assun¸c˜ao que ´e verdadeiro e a assun¸c˜ao que ´e falso parecem ser consistentes. Al´em disso, parece n˜ao haver nenhum outro fato que resolva a quest˜ao de qual ´e valor de verdade que ela possui. N˜ao ´e que ela possua algum valor que n´os n˜ao saibamos, ou nem mesmo podemos saber. Pelo contr´ario, pareceria (n˜ao) haver nada que a determine como verdadeira ou falsa. Parece n˜ao ser nem verdadeira nem falsa.

Estes paradoxos s˜ao muito antigos. O primeiro deles parece ter sido des-coberto pelo o antigo fil´osofo grego Eub´ulides, e ´e freq¨uentemente chamado de o paradoxo do mentiroso. Existem muitos outros, e mais recentes, para-doxos do mesmo tipo, alguns deles tˆem um papel crucial nas partes centrais do racioc´ınio matem´atico. Aqui est´a outro exemplo. Um conjunto ´e uma cole¸c˜ao de objetos. Portanto, por exemplo, pode-se ter o conjunto de todas as pessoas, o conjunto de todos os n´umeros, o conjunto de todas as id´eias abstratas. Conjuntos podem ser membros de outros conjuntos. Assim, por exemplo, o conjunto de todas as pessoas numa sala ´e um conjunto, e, sendo assim, ´e um membro do conjunto de todos os conjuntos. Alguns conjuntos podem at´e mesmo ser membros de si mesmos: um conjunto de todos os obje-tos mencionados nesta p´agina ´e um objeto mencionado nesta p´agina (acabei de mencionar), e, portanto, ´e um membro de si mesmo; O conjunto de todos os conjuntos ´e um conjunto, e tamb´em um membro de si mesmo. E alguns conjuntos certamente n˜ao s˜ao membros deles mesmos: O conjunto de todas as pessoas n˜ao ´e uma pessoa, e assim n˜ao ´e um membro do conjunto de todas as pessoas.

Agora, considere o conjunto de todos aqueles conjuntos que n˜ao s˜ao mem-bros deles mesmos. Chame-o R. R ´e um membro de si mesmo, ou n˜ao? Se ´e um membro de si mesmo, ent˜ao ´e uma das coisas que n˜ao ´e um membro de

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si mesmo. Se, por outro lado, n˜ao ´e um membro de si mesmo, ´e um daqueles conjuntos que n˜ao s˜ao membros de si mesmos, e, portanto ´e um membro de si mesmo. Pareceria ambos, que R ´e e n˜ao ´e um membro de si mesmo.

Este paradoxo foi descoberto por Bertrand Russell, que n´os vimos no ´

ultimo cap´ıtulo, portanto ´e chamado de o paradoxo de Russell. Como o paradoxo do mentiroso, ele tem um primo. O que diremos a respeito do conjunto de todos os conjuntos que s˜ao membros de si mesmos. Este ´e um membro de si mesmo, ou n˜ao? Bem, se ´e, ´e; Se n˜ao ´e, n˜ao ´e. Novamente, parece n˜ao haver nada para determinar a quest˜ao de alguma forma.

O que exemplos deste tipo fazem, ´e desafiar a assun¸c˜ao que n´os tivemos no capitulo 2, que toda senten¸ca ´e verdadeira ou falsa, mas nunca as duas coisas. “Esta senten¸ca ´e falsa”, e “R n˜ao ´e um membro de si mesmo” parecem ser ambas verdadeiras e falsas; e os primos delas n˜ao parecem ser nem verdadeiras nem falsas.

Como esta id´eia pode ser acomodada? Simplesmente levando estas ou-tras possibilidades em considera¸c˜ao. Suponha que em qualquer situa¸c˜ao, toda senten¸ca ´e verdadeira, mas n˜ao falsa, falsa, mas n˜ao verdadeira, am-bas verdadeira e falsa, ou nem verdadeira nem falsa. Lembre-se do capitulo 2, que as condi¸c˜oes da verdade para nega¸c˜ao, conjun¸c˜ao e disjun¸c˜ao s˜ao as seguintes. Em qualquer situa¸c˜ao:

¬a tem o valor V exatamente se a tem o valor F . ¬a tem o valor F exatamente se a tem o valor V .

a&b tem o valor V exatamente ambos a e a tem o valor V .

a&b tem o valor F exatamente se ao menos um dos a e b tem o valor F . a∨ b tem o valor V exatamente se ao menos um dos a e b tem o valor V . a∨ b tem o valor F exatamente ambos a e a tem o valor F .

Usando esta informa¸c˜ao, ´e f´acil calcular os valores da verdade das sen-ten¸cas sob o novo regime. Por exemplo:

• Suponha que a ´e F e n˜ao V . Ent˜ao, desde que a seja F , ¬a ´e V (pela

primeira cl´ausula para nega¸c˜ao). E desde que a n˜ao seja V , ¬a n˜ao ´e

F (pela segunda cl´ausula para nega¸c˜ao). Assim sendo, ¬a ´e V , masao F .

• Suponha que a ´e V e F , e que b ´e apenas V . Ent˜ao, ambos a e b s˜ao V ,

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que a ´e F , ao menos uma das senten¸cas a e b ´e F , portanto, a&b ´e F (pela segunda cl´ausula para conjun¸c˜ao). Portanto, a&b s˜ao ambos V e

F .

• Suponha que a ´e somente V , e b n˜ao ´e V nem F . Ent˜ao desde que a

seja V , ao menos uma das a e b ´e V , e assim sendo a∨ b ´e V (pela primeira cl´ausula para disjun¸c˜ao). Mas desde que a n˜ao seja F , ent˜ao n˜ao ´e caso que a e b sejam ambas F . Portanto a∨ b n˜ao ´e F (pela segunda cl´ausula para disjun¸c˜ao). Assim sendo, a∨ b ´e apenas V . O que isto nos diz sobre a validade? Um argumento v´alido ´e ainda um argumento onde n˜ao existe situa¸c˜ao em que as premissas s˜ao verdadeiras, e a conclus˜ao n˜ao ´e verdadeira. E uma situa¸c˜ao ´e ainda algo que d´a um valor da verdade a cada senten¸ca relevante. Somente que agora, uma situa¸c˜ao pode dar a uma senten¸ca um valor da verdade, dois, ou nenhum. Ent˜ao considere a inferˆencia q/q∨p. Em qualquer situa¸c˜ao onde q tenha o valor V , as condi¸c˜oes para ∨ nos garante que q ∨ p tamb´em tem o valor V . (Pode tamb´em ter o valor F , mas n˜ao importa.) Portanto, se a premissa tem o valor V , assim tamb´em tem a conclus˜ao. A inferˆencia ´e v´alida.

A esta altura, vale a pena retornar `a inferˆencia que come¸camos no cap´ıtulo 2: q,¬q/p. Como n´os vimos naquele cap´ıtulo, dadas as assun¸c˜oes feitas l´a, esta inferˆencia ´e v´alida. Mas dadas `as novas assun¸c˜oes, as coisas s˜ao diferentes. Para ver porque, apenas tome uma situa¸c˜ao onde q tem o valor V e F , mas p tem apenas o valor F . Desde que q seja ambos V e F ,¬q ´e tamb´em ambos V e F . Assim sendo, ambas as premissas s˜ao V (e F tamb´em, mas isto n˜ao ´e relevante), e a conclus˜ao, p, n˜ao ´e V . Isto nos d´a outro diagn´ostico de porque n´os achamos a inferˆencia intuitivamente inv´alida. Ela ´e inv´alida.

Mas isto n˜ao ´e o fim da quest˜ao. Como n´os vimos no Cap´ıtulo 2, esta inferˆencia segue de duas outras inferˆencias. A primeira delas (q/q ∨ p) n´os acabamos de ver como sendo v´alida na abordagem atual. A outra deve, entretanto, ser inv´alida; e este ´e o caso. A outra inferˆencia ´e:

q∨ p, ¬q p

Agora, considere a situa¸c˜ao em que q ganha os valores V e F , e p ganha apenas o valor F . Facilmente, verificamos que ambas as premissas possuem o valor V (assim como F ). Mas, a conclus˜ao n˜ao ganha o valor V . Assim sendo, a inferˆencia ´e inv´alida.

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No Cap´ıtulo 2, eu disse que esta inferˆencia n˜ao parecia intuitivamente v´alida. Portanto, dada a nova abordagem, nossas intui¸c˜oes a respeito disso devem estar erradas. Entretanto, pode-se oferecer uma explica¸c˜ao para este fato. A inferˆencia parece ser v´alida porque, se ¬q ´e verdadeiro, isto parece eliminar a verdade de q, nos deixando com o p. Mas na abordagem atual, a verdade de ¬q n˜ao elimina a verdade de q. Isto seria assim, somente se algo n˜ao pudesse ser verdadeiro e falso. Quando pensamos em uma inferˆencia como v´alida, n´os estamos talvez nos esquecendo de tais possibilidades, que podem surgir em casos incomuns, como estes que s˜ao fornecidos pela auto-referˆencia.

Qual explica¸c˜ao da situa¸c˜ao ´e melhor, aquela que conclu´ımos no Cap´ıtulo 2, ou aquela que temos agora? Esta ´e uma quest˜ao que eu vou deixar para vocˆe pensar a respeito. Ao inv´es disto, vamos terminar notando que, como sempre, algu´em pode objetar algumas das id´eias na qual a nova abordagem se ap´oia. Considere o paradoxo do mentiroso e o seu primo. Comece pelo segundo. A senten¸ca “Esta senten¸ca ´e verdadeira” era supostamente para ser um exemplo de algo que n˜ao ´e verdadeiro nem falso. Vamos supor que este seja o caso. Ent˜ao, em particular, n˜ao ´e verdadeira. Mas, ela mesma, diz ser verdadeira. Portanto ela deve ser falsa, ao contr´ario da nossa suposi¸c˜ao que n˜ao ´e verdadeira nem falsa. Parece que n´os acabamos em uma contradi¸c˜ao. Ou tome a senten¸ca do mentiroso, “Esta senten¸ca ´e falsa”. Esta senten¸ca era supostamente para ser um exemplo de algo que ´e tanto verdadeira quanto falsa. Vamos melhorar o exemplo um pouco. Considere a senten¸ca “Esta senten¸ca n˜ao ´e verdadeira”. Qual ´e o valor da verdade dela? Se for verda-deira, ent˜ao o que ´e dito ´e o caso, portanto n˜ao ´e verdadeira. Mas se n˜ao ´

e verdadeira, ent˜ao, uma vez que isso ´e o que ela afirma, ´e verdadeira. De qualquer forma, parecia ser ambos, verdadeira e n˜ao verdadeira. Novamente, n´os temos uma contradi¸c˜ao em nossas m˜aos. N˜ao ´e apenas que as senten¸cas possam tomar os valores V e F ; pelo contr´ario, uma senten¸ca pode tanto ser

V e n˜ao ser V .

S˜ao situa¸c˜oes como esta que tˆem feito do assunto auto-referˆencia muito contundente, desde Eub´ulides. ´E, certamente, uma quest˜ao muito dif´ıcil.

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Ideias centrais do cap´ıtulo

• As senten¸cas podem ser verdadeiras, falsas, ambas, ou nenhuma delas.

Problema

Simbolize a seguinte inferˆencia e avalie a sua validade. Vocˆe fez um omelete, e n˜ao ´e o caso que vocˆe fez um omelete e n˜ao quebrou um ovo; assim, vocˆe quebrou um ovo.

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Cap´ıtulo 6

Necessidade e Possibilidade: O

que ser´

a deve ser?

Freq¨uentemente alegamos n˜ao apenas que algo ´e assim, mas que deve ser as-sim. Dizemos: “Deve chover”, “N˜ao vai deixar de chover”, “Necessariamente, ir´a chover”. Tamb´em temos muitas formas de dizer que, embora algo possa, na verdade, n˜ao ser o caso, poderia ser. Dizemos: “Poderia chover amanh˜a”, “´e poss´ıvel que chova amanh˜a”, “n˜ao ´e imposs´ıvel que chova amanh˜a”. Se

a ´e alguma senten¸ca, l´ogicos geralmente escrevem a alega¸c˜ao que a deve ser verdadeira como 2a, e a alega¸c˜ao que a poderia ser verdadeira como 3a.

2 e 3 s˜ao chamados operadores modais, uma vez que eles expressam os modos nas quais as coisas s˜ao verdadeiras ou falsas (necessariamente, possivelmente). Os dois operadores est˜ao, na verdade, conectados. Dizer que algo deve ser o caso ´e dizer que n˜ao ´e poss´ıvel que isto n˜ao seja o caso. Ou seja, 2a significa o mesmo que ¬3¬a. Igualmente, dizer que ´e poss´ıvel que algo seja o caso ´e dizer que n˜ao ´e necessariamente o caso que isto ´e falso. Ou seja,3a significa o mesmo que ¬2¬a. Por precau¸c˜ao, n´os podemos expressar o fato de que ´e imposs´ıvel para a ser verdadeiro, indiferentemente, como¬3a (n˜ao ´e poss´ıvel que a), ou como 2¬a (a ´e necessariamente falsa).

Ao contr´ario dos operadores que encontramos at´e agora, 2 e 3 n˜ao s˜ao fun¸c˜oes da verdade. Como vimos no Cap´ıtulo 2, quando se sabe o valor de verdade de a, pode-se calcular o valor de verdade de ¬a. Similarmente, quando se sabe os valores de verdade de a e b, pode-se calcular os valores de verdade de a∨ b e a&b. Mas, n˜ao se pode inferir o valor de verdade de 3a simplesmente pelo conhecimento do valor de verdade de a. Por exemplo,

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seja r a senten¸ca “Amanh˜a eu me levantarei antes das 7 horas”. Suponha que r ´e, na verdade, falso. Mas, certamente poderia ser verdadeiro: Eu poderia programar meu despertador e acordar mais cedo. Assim sendo, 3r ´

e verdadeiro. Mas, seja j a senten¸ca “Eu saltarei da cama e ficarei suspenso no ar a 2m do ch˜ao”. Assim como r, isto tamb´em ´e falso. Mas, ao contr´ario de r, n˜ao ´e nem mesmo poss´ıvel que isso seja verdade. Porque violaria as leis da gravidade. Assim sendo, 3j ´e falso. Portanto, o valor de verdade de uma senten¸ca, a, n˜ao determina o de 3a: r e j s˜ao ambas falsas, mas 3r ´e verdadeiro e 3j ´e falso. Similarmente, o valor de verdade de a n˜ao determina o valor da verdade de 2a. Seja, agora, r a senten¸ca “Amanh˜a, eu me levantarei antes das 8 horas”. Isto ´e, de fato, verdadeiro; mas n˜ao ´

e necessariamente verdadeiro. Eu poderia ficar na cama. Seja, agora, j a senten¸ca “Se eu saltar da cama amanh˜a de manh˜a, eu terei me movido”. Isto tamb´em ´e verdadeiro, mas n˜ao existe nenhum modo em que isto poderia ser falso. E necessariamente verdadeiro.´ Assim sendo, r e j s˜ao ambos verdadeiros, mas um ´e necessariamente verdadeiro e o outro n˜ao.

Operadores Modais s˜ao, portanto, tipos de operadores bem diferentes de qualquer coisa que tenhamos visto at´e agora. Eles tamb´em s˜ao importantes e frequentemente s˜ao operadores que nos desafiam. Para ilustrar isto, eis aqui um argumento para o fatalismo, dado por um dos dois mais influentes fil´osofos Gregos, Arist´oteles.

Fatalismo ´e a concep¸c˜ao de que tudo o que acontece deve acontecer: n˜ao poderia ter sido evitado. Quando um acidente ocorre, ou uma pessoa morre, n˜ao h´a nada que poderia ter sido feito para evit´a-lo. Fatalismo ´e uma vis˜ao que tem atra´ıdo algumas pessoas. Quando algo d´a errado, existe um certo conforto que provem do pensamento de que aquilo n˜ao poderia ter sido de outra forma. N˜ao somente isto, fatalismo implica que eu sou incapaz de alte-rar o que acontece, e isto parece patentemente falso. Se eu me envolver num acidente de carro hoje, eu poderia ter evitado isto simplesmente tomando uma rota diferente. Ent˜ao, qual ´e o argumento de Arist´oteles? Ele procede da seguinte forma. (Por ora, ignore que o texto esteja em negrito; voltaremos a tocar neste assunto.)

Tome qualquer alega¸c˜ao que quiser - digamos, a t´ıtulo de ilustra¸c˜ao, que estarei envolvido em um acidente de trˆansito amanh˜a. Agora, podemos n˜ao saber ainda se isto ´e verdadeiro ou n˜ao, mas sabemos que estarei envolvido em um acidente ou n˜ao. Suponha o primeiro caso. Ent˜ao, como quest˜ao de fato, estarei envolvido em um acidente de trˆansito. E se ´e verdadeiro

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