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Atingir uma melhor utilização do soro do queijo produzido por pequenos produtores de queijo é um desafio comum em países onde o setor lácteo é uma atividade importante. O setor de negócios formado pelos produtores de queijo gera aproximadamente 9 litros de soro (um sub-produto da produção de queijo) para cada 10 litros de leite utilizados na produção. Mais de 50% do setor queijeiro na América do Sul é formado por micro e pequenas empresas, capazes de processar menos de 25.000 litros de leite por dia.

O descarte inapropriado do soro do queijo (um crime ambiental) ou sua destinação para consumo animal (baixíssima agregação de valor) ocorrem de maneira generalizada nas zonas queijeiras dos países sul-americanos. Argentina, Brasil, Colômbia e Uruguai possuem mais de 8,4 bilhões de litros de soro por ano que possuem como destinação o descarte ou alimentação animal. Isso ocorre pela incapacidade dos pequenos produtores de queijo de preservar de maneira consistente o nível de qualidade do produto.

No Brasil, por exemplo, Wissman et al. (2012) aponta as perdas econômicas e ambientais causadas pela disposição inadequada do soro no meio ambiente. A disposição do soro no meio ambiente causa grandes perdas pela sua alta demanda bioquímica de oxigênio (DBO), entre 30.000 mg e 60.000 mg de O2 por litro, causada pela presença de lactose e proteínas (SISO, 1996). Wissman et al. (2012) apontam que, em média, cada tonelada de soro não tratado é equivalente aos efluentes diários gerados por um agrupamento urbano de 470 pessoas, e concluem que o tratamento do soro pode reduzir significativamente o custo de tratamento de resíduos.

Além disso, grande parte dos produtores de queijo desconhecem os benefícios nutricionais do soro. Dadas as propriedades nutricionais e

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funcionais e de seus componentes, tem sido evidenciado cada vez mais o potencial de aproveitamento industrial do soro.

Hoje, o desenvolvimento de mercados utilizando o soro em pó e frações de soro como ingredientes nos gêneros alimentícios para o consumo humano e animal transformaram o então subproduto em um produto valioso para a indústria de laticínios e queijos.

Esta transformação ocorreu com a descoberta de propriedades funcionais e bioativas de seus componentes (BIASUTTI et al., 2008), principalmente das proteínas, que têm sido apontadas como nutrientes portadores de atividade funcional, capazes de modular algumas respostas fisiológicas do organismo animal (PACHECO et al., 2006; SGARBIERI, 2004; GAUTHIER; POULIOT, 2003). Atualmente, há mercados lucrativos para a transformação do soro em produtos de alto valor agregado com aplicações na indústria láctea, carnes, alimentos secos, suplementos alimentares, bebidas, indústria farmacêutica, panificação e confeitaria, dentre outras. Apesar das várias possibilidades de utilização do soro, aproximadamente metade da produção mundial é descartada em efluentes, sem qualquer tratamento.

Por outro lado, o Brasil importa uma média de aproximadamente 28,3 mil toneladas de soro em pó por ano no período entre 2000 e 2012 (MDIC, 2014). Essa importação ocorre pela falta do produto no mercado interno, que tem um processamento em quantidades insuficientes para atender a demanda nacional. O comportamento das importações de lácteos aponta a dependência que o Brasil tem do soro produzido no exterior. A variação do volume comprado do exterior, apesar de sofrer variações ano a ano, não é expressiva. A importação teve seu pico de compra em volume em 2008, quando alcançou o volume de 36,2 mil toneladas.

Para contrapor-se a esta indesejada e inadequada disposição deste resíduo, é necessário encontrar maneiras de recuperar o valor do soro do queijo enquanto matéria-prima para produtos nobres.

Para que esse aproveitamento seja possível, há que se estruturar o conjunto de atores envolvidos na geração, beneficiamento e escoamento do soro do queijo em arranjos de cadeia de suprimentos que assegurem o alcance de

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objetivos comuns de custo, qualidade e nível de serviço. Especificamente, há que se considerar a necessidade da realização de investimentos de base, localizadas na origem do insumo, ou seja, nos laticínios, mas que dificilmente são viabilizados pela pura ótica dos rendimentos financeiros do investimento. Um exemplo é o caso das estações de resfriamento e/ou de pré- concentração do produto, que podem justificar a coleta de soro em comunidades de produtores coletivamente organizados.

Um caso importante é o Estado de Minas Gerais, que responde por aproximadamente 30% da produção brasileira do setor lácteo. Das suas 12 regiões, Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba é a mais importante, com 1,8 milhão de quilolitros por ano, seguido pelo Sul/Sudoeste com 1,3 milhão de quilolitros e a Zona da Mata, com 0,762 milhões de quilolitros. Em termos de capacidade de processamento, Minas Gerais é o Estado com o mais alto número de laticínios e o mais alto volume de leite processado, representando 31,7% da indústria brasileira.

O desafio para as cadeias de suprimentos no setor lácteo é integrar e balancear os interesses de seus principais componentes, incluindo o alcance de níveis adequados de eficiência, controle ambiental, responsabilidade social, segurança alimentar, regras e normas de comercialização, dentre outros aspectos.

Além dos desafios associados a questões de logística e processos produtivos, cadeias de suprimentos em setores agroalimentares são bastante vulneráveis a incertezas, em virtude dos produtos transacionados, tais como perecibilidade, sazonalidade na oferta e na demanda, exigências crescentes na qualidade dos produtos e processos e fatores sócio-ambientais.

As estruturas de governança utilizados nestas cadeias de suprimentos devem assegurar práticas que permitam lidar com as incertezas na tomada de decisões, através da formação de parcerias, troca de informações, integração de processos, estabelecimento de mecanismos de resolução de conflitos, compartilhamento de riscos e benefícios, dentre outros aspectos.

A justificativa sob o ponto de vista aplicado para a escolha desse setor específico de análise está na importância do setor lácteo para a América do

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Sul, para o Brasil e para o Estado de Minas Gerais, em particular. O Brasil possui aproximadamente um quarto de sua população (cerca de 48 milhões de pessoas) vivendo abaixo da linha da pobreza. Esta realidade é parecida com a de outros países sul-americanos.

O processamento do soro tem alto potencial para o desenvolvimento de produtos alimentícios de alto valor nutricional e baixo custo. Além disso, em um setor majoritariamente formado por micro e pequenas empresas, o aproveitamento do soro gerará receitas adicionais para essas empresas, auxiliando na sustentabilidade dos negócios e na geração de empregos e renda para a população direta ou indiretamente envolvida.

Ainda, há impactos na balança comercial brasileira a partir do fato do país ser um importador de soro, com volumes próximos a 28.300 toneladas de soro em pó por ano.

Por fim, e não menos importante, pode-se apontar a redução do impacto ambiental provocado pela destinação inadequada do insumo no meio ambiente, decorrente da inexistência de cadeias de suprimentos capazes de dar aproveitamento comercial ao soro do queijo (MARTINS et al., 2013).

103 4. CUSTOS DE TRANSAÇÃO, MECANISMOS DE GOVERNANÇA E CARACTERÍSTICAS DO ARRANJO INSTITUCIONAL PRESENTE NOS RELACIONAMENTOS ENTRE AGENTES DA AGLOMERAÇÃO

O presente capítulo desta tese pretende descrever quais são as causas dos custos de transação percebidas e os mecanismos de governança utilizados pelos tomadores de decisão nos laticínios geradores de soro do queijo. Além disso, pretende identificar as características do arranjo institucional no qual estão inseridas os laticínios que formam as unidades de observação.

A finalidade desta análise é identificar como estes aspectos se interrelacionam, afetando a formatação dos relacionamentos interorganizacionais na aglomeração em análise.