• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1- O “limão” o racismo como estruturante das relações de poder: raça, racismo,

1.6 Negritude e branquitude

Negritude e branquitude ganham realce neste texto por causa do seu uso intenso, que carece de melhor definição, ou, talvez, justificação.

Observo que, no caso das análises, utilizo como referencial para cada um deles aquilo que Mbembe (2014) elenca para a negritude, tendo em vista sua formação na modernidade, até aquilo que Bento (2002) e Alcoff (2015) utilizam como branquitude a partir de um pacto narcísico entre brancos que sustenta os privilégios raciais e a arqueologia da mudança de status de branquitude na modernidade.

1.6.1 Negritude

A negritude na minha vida surgiu como um nome e tardiamente. Talvez na vida da maioria dos meninos negros (de todos os tipos) também, mas, sobretudo, os mestiços claros. Tendo sido disseminada, sobretudo, a partir do trabalho poético de Aimé-Cesaire, neste trabalho sigo o uso negritude como problematizado em Mbembe (2014) ao desmontar e remontar o uso de raça e negro na modernidade.

Mbembe (2014) inicia sua narrativa por inscrever a definição do signo negro na modernidade por aquilo que julga razão negra:

Nessas circunstâncias, o substantivo “Negro” – que serve de ancoragem a esse livro59 – é menos polêmico do que parece. Ao ressuscitarmos esse termo

que pertence à fase do primeiro capitalismo, não pretendemos apenas questionar a ficção de unidade que o mesmo comporta (MBEMBE, 2014, p. 52).

E termina:

Numa primeira instância, a razão negra consiste portanto num conjunto de vozes, enunciados e discursos, saberes comentários e disparates, cujo objeto é a coisa ou as pessoas “de origem africana” e aquilo que afirmamos ser seu nome e sua verdade (os seus atributos e qualidades, o seu destino e significações enquanto segmento empírico do mundo) (MBEMBE, 2014, p. 57).

No entanto, se o negro enquanto signo pertence à primeira fase do capitalismo, é preciso localizá-lo, portanto, seguindo a discussão sobre colonialidade do poder, enquanto signo que ajuda a sustentar a modernidade enquanto tal. Ou seja, nomear o negro enquanto tal foi uma forma de gerir sistemas de poder na modernidade. Ele passa a ser, assim, um signo de horror, uma ficção útil:

O negro não existe, no entanto, enquanto tal. É constantemente produzido. Produzir o negro é produzir um vínculo social de submissão e um corpo de exploração, isto é, um corpo inteiramente exposto à vontade de um senhor, e do qual nos esforçamos para obter o máximo de rendimento (MBEMBE, 2014, p.40).

É preciso ter em mente, como faço ao tentar expandir a teoria de Mbembe, que hoje o próprio negro produz o signo de negritude, levando àquilo que quero algum dia chamar, a partir das grandes colaborações de muitas gerações do pensamento negro brasileiro, de estado duplo do signo negro, ou seja, de um signo que foi aceito pelo colonizado negro sendo, para o colonizador, espaço de exploração em sua empresa colonial, e, para o colonizado, ressignificação do signo para a luta. Ou seja, negro é um signo criado para garantir exploração do colonizado e escravizado que, ao “recebê-lo”, o utiliza para combater o racismo, isto é, aquele que o impôs aquele signo. Penso que a melhor definição desse duplo signo tenha sido escrita nos versos de “De Bob Dylan a Bob Marley” de Gilberto Gil, que diz:

Quando os povos d’África chegaram aqui Não tinham liberdade de religião

Aceitaram o Senhor do Bomfim

Ou seja, como quer o pensamento de Gilberto Gil, o sincretismo no Brasil, embora controvertidamente usado para colonizar, explorar e apagar através do cristianismo epistemicida, é usado pelo negro para resistir.

Neste trabalho o termo negritude ganha importância a partir do trabalho do poeta e líder político martinicano Aimé-Cesaire. Como nos relembra Domingues (2002, p.2):

O movimento da negritude foi idealizado fora da África. Ele provavelmente surgiu nos Estados Unidos, passou pelas Antilhas; em seguida atingiu a Europa, chegando a França aonde adquiriu corpo e foi sistematizado. Depois, o movimento expandiu-se por toda a África negra e as Américas (inclusive o Brasil), tendo sua mensagem, assim, alcançado os negros da diáspora.

Aimé-Cesaire (Apud BERND, 1984, p. 30), afirmou que o “Haiti foi o país em que a negritude se ergueu pela primeira vez”. Ele se refere à Revolução Haitiana (1791-1804), cujo sentimento de negritude passou a rondar senzalas no mundo da diáspora. Segundo Domingues (2002), o termo negritude é usado primeiramente num poema de Aimé-Cesaire de 1939.

Neste trabalho usarei negro como um signo de estado duplo, ou seja, por mim usado para resistir, mas cujos sentidos precisam desmascarar os racistas e o racismo que o criaram enquanto tal no seio da colonialidade, em que a negritude ganha um sentido amplo e heterogêneo entre os diversos povos negros que ressignificam o signo da raça.

1.6.2 Branquidade e Branquitude

Os termos branquitude e branquidade passam a ser mais utilizados intensamente no Brasil após os anos 2000, segundo Moreira (2014), embora tenham diversas correspondências anteriores. É o caso de seu uso por W.B. Du Bois e, no caso do Brasil, o uso de “brancura” por Alberto Guerreiro Ramos.

Nos anos 2000, a publicação do ensaio Branco no Brasil? Ninguém sabe, ninguém viu de Edith Piza no livro Tirando a máscara: Ensaios sobre racismo no Brasil organizado por Antônio Sérgio Guimarães é um marco (CARDOSO, 2010), em que ela utiliza o termo branquidade.

O uso de branquitude se dá primeiro no Brasil, no entanto, na obra Casa

Grande&Senzala de Gilberto Freyre. Embora tenha sido nessa obra que o termo primeiro foi

afirmado, foi na década de 50 que, ao denunciar o uso dos negros pelos brancos em seus estudos acadêmicos, Guerreiro Ramos (1954) faz menção à ideia de “brancura”, como um

poder de desresponsabilização dos brancos pelo racismo ao usar o negro como objeto de estudo. Para o estudioso, o racismo seria uma patologia social do branco a ser por ele resolvida.

Como vemos, os termos branquitude e branquidade se misturam. Embora autores como Cardoso (2010) e Moreira (2014) prefiram usar branquidade para caracterizar o branco que não reflete sobre seus privilégios e branquitude para caracterizar a visão crítica do branco sobre o racismo, o trabalho de Bento (2002) redistribui de maneira profunda o termo branquitude ao explorar aquilo que no trabalho de Cardoso (2010) e Moreira (2014) aparece como esforço para explicar como os brancos podem não ser racistas.

O trabalho de Bento (2002) acende a discussão sobre um pacto narcísico entre brancos como o espaço que produz e mantém a branquitude num lugar de privilégio. Esse pacto, quase nunca expresso e sempre tácito, é reproduzido num ato de segredo entre pessoas brancas que se defendem e se promovem nos espaços de poder. O termo é também fortemente explorado por Alcoff (2005), ao situá-lo na genealogia da modernidade. Para a autora, a branquitude vem mudando e o que podemos entender como branquitude praticamente mudou radicalmente no seio da própria modernidade. O branco, enquanto tal, passa por um processo de ameaça de extinção (por causa das políticas de miscigenação), o que explica, em parte, as mudanças espistemológicas e políticas lideradas pelos brancos no campo conservador e neoliberal neste último estágio da história.