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CAPÍTULO 4- A limonada Raça como signo duplo: opressão, mas resistência no ensino de

4.1.1 O olhar racista de fora para dentro: a zona do não-ser no ensino de línguas

O próprio ato de sermos hoje professores de inglês nos faz resistentes ao processo de racialização. Essa resistência, no entanto, não se deu de forma aleatória e tampouco sempre autoconsciente.

Essa talvez seja uma noção que os meus dados, passo a passo, pé ante pé, desconstroem nesta tese, pois eles mostram que as estratégias de resistência muitas vezes se construíram por persistência ao ressignificar o signo da raça, e não de maneira ou aleatória ou baseada em uma filosofia política autoconsciente. Porém, o que se busca contrapor, ao resistir, é uma visão de fora para dentro, que quase todos os participantes demonstramos sentir, e que aqui foi explorado no capítulo anterior em relação às autobiografias das professoras negras.

No caso delas, a própria Ana disse, como foi apresentado anteriormente, que, vindo de uma família “pobre, todos analfabetos em casa”, ela ouvia comentários em casa como "Para que aprender inglês?"

Isso é comum na trajetória de todos nós, professoras e professores negros de língua inglesa. No caso de Ana, ela chegou mesmo a ser confundida com uma professora de História, por ser negra. “Eles sempre associam os negros com [disciplinas como] história, filosofia, sociologia, tantas pessoas me perguntaram: ‘você se formou em história, certo? ’”, ao que ela conclui “sempre fui o oposto disso”. Também em meus dados eu confirmo o mesmo tipo de situação, revelando um alinhamento de vozes de fora para dentro ouvidas pelo professor de língua inglesa que é negro/a.

Além disso, Rosana lembra que, na própria prática de sua profissão, ela tem um profundo descrédito perante os colegas, quando eles perguntam se “os alunos mal sabem português, como podem aprender inglês”?

No meu caso não foi diferente. Mesmo atribuindo aos irmãos, em especial Dui, Tinho e Sara, as primeiras experiências que tive no inglês, eu lembro que um dos irmãos foi o responsável pela frase que trago em meus dados, quando sonhei em falar inglês pela primeira vez, que foi “Oxe, mas aí é muito difícil”, e concluiu “Não [se] aprende assim não”.

Isso revela que os próprios irmãos, que tinham práticas linguísticas em inglês, olhavam para si mesmos e para mim com baixa autoestima linguística e racial. Aquilo, que me doeu muito, hoje me ajuda a compreender a linguagem da dominação, como aquela que primeiro se mata os sonhos epistêmicos, lembrando de Veronelli (2016) e Singh (2018), no sentido de que a colonialidade se forja a partir da linguagem e a partir dela vai apagando tudo que parece linguagem no colonizado para fazer crer nele que ele não possui o poder de obter uma linguagem. A própria Tia Débora, ao falar hoje, quase 20 anos depois, e admitindo que eu tinha práticas linguísticas que a espantavam para a minha idade, me diz que não colocou muita fé que eu falaria ou me tornaria professor de inglês, dizendo “eu não coloquei fé”. O único que acreditou já naquele tempo, mesmo sem evidências, que eu poderia vir a falar inglês foi o marido da minha tia, o tio.

Porém, essas pessoas, em sua maioria negra, não estão produzindo esses signos de dentro para dentro. Elas estão reproduzindo um signo de racialização que vem de fora para dentro. Elas próprias, habitantes da zona do não-ser, fazem o trabalho já descrito por Fanon (2008) sobre os negros antilhanos que, ou voltavam da França para as Antilhas francesas falando francês como um livro, isto é, como um branco, ou então com um uso similar ao do oficial de infantaria senegalês que atuava como tradutor de francês do branco, servindo como alguém que repassava as ordens do senhor colonial para os negros em posição de subalternização.

Assim, sobre essas máscaras brancas de fora para dentro da zona do não-ser, as experiências compartilhadas pelos diversos participantes podem assim ser sistematizadas:

PARTICIPANTE EXPERIÊNCIAS

Gabriel Nascimento De todos os entrevistados, somente o tio

acreditou que de fato ele poderia falar a língua ou se tornar professor de inglês no futuro. Tanto os próprios irmãos, com que teve as primeiras experiências na língua e

a própria professora de alfabetização, não acreditaram nessa possibilidade.

Ana Desde o seio familiar ouvia coisas como

“a gente não sabe nem falar português direito, como vai aprender inglês” e enxergou naquilo desde o início uma forma de limitação. Já foi confundida com professora de história, por ser negra, e ouviu de colegas que estudantes não podiam aprender inglês porque nem português sabem direito.

Rosana Relata experiências de descrédito tanto

dos colegas como dos próprios estudantes. Para terminar, os próprios estudantes questionaram, em algum momento, a capacidade dela de ensinar inglês já que nunca viajou para o exterior.

Quadro 5- Descrição das experiências dos participantes quanto à sua atuação/competência como falante/professor de inglês

Sendo esse signo aquele vindo de fora para dentro na vida das pessoas negras, compreendo que aqui estou tratando de máscaras brancas que passam a habitar a árida zona do não-ser do próprio professor de língua inglesa e que vão habitar, como fantasma, vários momentos de nossa trajetória de formação. Porém, é preciso reconhecer, a partir dos dados aqui apresentados, que essas tais máscaras se dão de fora para dentro e podem ser reafirmadas da porteira-para-dentro. Isso extingue a ideia do negro racista e impõe a necessidade de se pensar como, em diversas formas, nós reproduzimos os signos impostos ao invés de os ressignificar.

A seguir vou tabular e comparar dados em que podemos debater a relação dos candidatos com suas próprias experiências de racialização, no sentido de perceber como nós lidamos com essa racialização e como raça enquanto fantasia política.