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3. Principais princípios jurídicos a considerar

3.3. Neutralidade

Tratar por igual significa também, onde não haja razões atendiveis para que comportamento distinto seja adoptado pelo legislador, não tratar melhor / pior uma determinada opção económica face a uma outra sua sucedânea (Igualdade Económica latu sensu), ou, por outras palavras, ser neutro. Por aqui se vê, que ser neutral é também, e em grande medida, subsumí- vel à máxima do tratamento por igual de Lugares Económicos Paralelos.

A Neutralidade enquanto máxima fiscal encontra suporte nos princípios da liberdade económica e de empresa, na sua vertente da livre concorrência (al.c) do art.º 80, al. f) do art.º 81 e art.º 86, todos da CRP), devendo o Estado, de acordo com a mesma, abster-se de interferir no funcionamento da economia gerando potenciais ineficiências onde não haja justificação (extrafiscal) para tal38. Por outras palavras, a Neutralidade, habitat natural do Estado Fiscal, só deve ser adulterada perante a existência de justificação a tanto tendente, sob pena, nomeadamente, de falsificação da concorrência, almejando-se desse ponto de vista a

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NABAIS (2005, pág. 379 e ss) associa o princípio da Neutralidade a um (necessário) comportamento estatal reflexo ao princípio da Liberdade de Gestão Fiscal.

igualdade inter-agentes económicos os quais se querem salutarmente concorrentes, i.e. agindo em idênticas condições, algo que cessa de suceder quando existam ónus fiscais conexos a determinadas opções pois estar-se-á então a, simetricamente, favorecer a escolha oposta39, na qual os contribuintes se refugiarão. Deste ponto de vista, um conceito possivel de vantagem (tributária) injustificada pode ser encontrado na violação das prerrogativas de Neutralidade, sem motivação aparente.

Como bem afirma Tavares: “De nada serve criar um regime fiscal (…) que permita o genera- lizado desvio em direcção da aplicação sucedânea, com díspar regime fiscal (e mais favorá- vel). A igualdade sem Neutralidade não é igualdade, mas tirania económica. O elemento fis- cal discrimina alguns agentes em benefício doutros – que mereciam igual tratamento, porque

exploram actividades e operações economicamente substituíveis.”40

.

Por outro lado, se, como afirmado, a Neutralidade só deverá decair perante uma justificação extrafiscal, importa indagar se é possivel estabelecer os limites da mesma.

Quanto a este aspecto, desde já reconhecemos que a sindicância da (in)existência dessa justificação e, bem assim, dos seus limites, é tarefa das mais árduas levando quase ao reconhecimento da discricionariedade do legislador, cujo papel sai reforçado pela aplicação estrita do principio da legalidade em direito fiscal, na medida em que possui legitimidade acrescida pela intervenção parlamentar (ainda que por via de autorização ao Governo) (v. n.º 2 do art. 103º e al. i) do art. 165º da CRP). Entender o contrário seria fazer perigar a segurança juridica insita ao normal funcionamento das instituições democráticas. Com efeito, estamos aqui num campo eminentemente politico onde os raciocinios de vinculação / diminuição da discricionariedade dificilmente chegarão a bom porto e onde inclusive se levantam preocupações de separação de poderes (v.g. legislativo vs. judicial). Sem embargo, dizemos quase por que não poderá deixar de ser considerado o principio da Proporcionalidade, i.e.

onde e quando a actuação estatal (v.g. a nivel legislativo) restringir em demasia a liberdade económica de um agente, num comportamento não neutral, poderá o mesmo fazer uso dos meios de reacção concretamente disponiveis nessa base. Por outro lado, sempre se dirá que, no que concerne aos comandos juridico-tributários não abarcados pelo principio da Tipicidade, haverá maior latitude para uma reacção judicial do contribuinte com base na violação do principio da Neutralidade. Por fim, a iniciativa de suporte de uma dada opção económica poderá também estar limitada / ser posta em causa pelo regime dos auxilios de estado à luz do direito comunitário (art.º 107 e ss. do TFUE).

Sem embargo do mencionado, sublinhe-se que Neutralidade não significa, na tradição liberal, que o Estado não pode incentivar comportamentos por via da politica fiscal tendo em vista motivações outras que não o puro arrecadar de receitas. Apesar da Neutralidade obstar, em abstracto, à extrafiscalidade, não a impede, simplesmente, o seu desrespeitar deve estar limitado / balizado por essas mesmas motivações extrafiscais, sob pena de as vantagens fiscais conferidas se deverem ter por injustificadas. O mesmo se pode inferir do teor do art.º 7 da LGT quando, após estabelecer um mandamento de Neutralidade (ainda que pela negativa): “A tributação não discrimina qualquer profissão ou actividade nem prejudica a prática de actos legítimos de carácter pessoal” acrescenta in fine “sem prejuízo dos agravamentos ou benefícios excepcionais determinados por finalidades económicas, sociais, ambientais ou outras.”

Do que ficou dito resulta que a Neutralidade dificilmente agirá por si só, ganhando peso apenas quando considerada em conjunto com outros valores do ordenamento. Mais, longe de ser um princípio absoluto, cede onde e quando o legislador, com respeito pelo princípio da Legalidade, opte politicamente / por motivos de extrafiscalidade, face ao confronto com outros princípios aplicáveis, pelo favorecimento de determinadas opções económicas tendo em vista privilegiar o interesse público de um dado campo41. Sem embargo, tal não significa também que o princípio da Neutralidade seja completamente destituído de aplicabilidade mas

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São múltiplos os exemplos podendo, em abstracto, ser apontados todos os benefícios fiscais (v.g. a dedução à colecta de rendas destinada a impulsionar o mercado de arrendamento (al. d) do n.º 1 do Art.º 85º do CIRS).

antes que, como em qualquer oposição de interesses, casuisticamente, será necessário efectuar um raciocínio de confronto de direitos, de modo a concluir qual e em que medida deve ceder em prol do outro, ganhando aqui especial importância, como referido, o princípio da Propor- cionalidade.

A Neutralidade surge assim, no ordenamento juridico-nacional, mais como uma coordenada de boa prática legislativa (wishful thinking) do que como um princípio coercivel / de aplicação prática, salvo, como ficou dito, em casos extremos.

Em jeito de fecho, aponte-se que, por oposição ao princípio da Capacidade Contributiva, a Neutralidade possui um campo mais amplo de aplicação enquanto mandamento de Igualdade Tributária, promovendo sempre o tratamento idêntico de Lugares Económicos Paralelos desde que haja Igualdade Económica latu sensu, mas é simultaneamente menos ponderosa, não pos- suindo a auto-suficiência / coercibilidade (em sentido impróprio) inerente àquele outro princí- pio.