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Neutralização: a compensação ambiental apropriada como marketing e modismo

A compensação ambiental arbórea e a neutralização apresentam relação muito próxima. Ambas estabelecem trocas, o que muda é a “moeda” utilizada para a negociação. A compensação arbórea troca árvores por árvores (ou, dependendo do caso, por outros elementos). A neutralização estabelece a troca da poluição atmosférica com gás carbônico por árvores, partindo do princípio que estas conseguem absorvê-lo em parte. Alguns percalços encontrados na aplicação das neutralizações apresentam semelhança com aqueles encontrados para a compensação ambiental arbórea.

O conceito de neutralização foi proposto pela primeira vez no ano de 1997 pela empresa britânica CarbonNeutral, cuja proposta era gerenciar esse tipo de compensação e, evidentemente, lucrar com o processo. A partir de então, surgiram inúmeras empresas que realizam cálculos para deinir quantas árvores são necessárias para “retirar” da atmosfera o gás carbônico provenientes das mais diversas atividades antrópicas.

Ao longo dos onze anos de sua aplicação, a neutralização foi sendo gradativamente valorizada pela mídia. Entre os principais divulgadores do conceito encontra-se Al Gore, ex-vice-presidente dos Estados Unidos, além de vários artistas que desejam veicular a imagem de compromisso com causas ambientais.

A neutralização também foi apropriada por incautos como uma espécie de amenização da culpa pela degradação humana do meio ambiente, que foi intensiicada após o alarmismo gerado pela divulgação do Relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) no ano de 2007. O trecho a seguir ilustra bem esse raciocínio:

Na última quarta, a aposentada Cecília Martinez, 66, repetiu mais uma vez uma atitude que vem praticando desde 2000. Plantou uma árvore. Até semana passada, ela calcula ter repetido o gesto por 1.900 vezes. [...]. Bastou um rápido clique no mouse. ‘Levanto cedo, vou para o computador, planto as árvores e ico com a consciência mais leve’, conta Cecília. ‘Não entendo muito sobre

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aquecimento global. Mas acompanho o tema e sei que sou parte do problema. A gente sente culpa, e comecei a fazer isso para aliviar um pouco a consciência’. A aposentada é uma das principais jardineiras eletrônicas de um site ligado ao projeto SOS Mata Atlântica, em que internautas podem plantar árvores bancadas por empresas.42

O grau de especialização desse tipo de negócio expandiu de tal modo que hoje em dia é possível encontrar empresas que oferecem cotas de neutralização para as mais variadas atividades, tais como compra de veículos, viagens aéreas, eventos como palestras e espetáculos musicais ou mesmo casamentos43.

Na cidade de São Paulo, a neutralização foi institucionalizada por meio de uma Portaria44

emitida pela Secretaria do Verde e Meio Ambiente (SVMA) em 2007, segundo a qual todos os eventos realizados em parques públicos municipais devem gerar o plantio de mudas para compensar as emissões de carbono deles provenientes.

Empresas que realizam neutralizações buscam explorar ao máximo a imagem de compromisso com o meio ambiente. No ano de 2007 tornaram-se corriqueiros os anúncios publicitários de televisão nos quais o produto vendido pela empresa (em geral, algo bastante agressivo ao meio ambiente, como detergentes ou combustíveis) transforma-se em árvores quando adquirido pelo consumidor, formando gradativamente uma bucólica loresta. Apesar da apologia realizada pela mídia, o uso generalizado da neutralização como forma de atenuar danos ambientais é inviável por várias razões. A primeira delas é a limitação de espaço disponível: compensar efetivamente a emissão global de poluentes na atmosfera terrestre demandaria o plantio de árvores em uma superfície superior à do planeta inteiro45. Existem soluções bem mais eicientes para o problema, tal como investimento

em tecnologias alternativas, redução das emissões de poluentes, mudanças no padrão de consumo, entre outros.

Além disso, os benefícios efetivos da troca da emissão de poluentes pelo plantio de árvores dependem diretamente do local onde este será efetuado e da manutenção adequada dessas

42. KÜCHLER, A. Caos ecológico leva pessoas a neutralizarem culpa e carbono. Folha de São Paulo. Caderno Coidiano. 26 agosto 2007.

43. “ O casal de arquitetos Renato Barandier, 27, e Izabella Lenino, 30, preferiu ir além da mesa do computador. No inal de outubro, eles vão fazer de seu casamento, em Niterói (RJ), um evento “carbon free” -para usar um termo tão em voga.’Quando pensamos nos caminhões trazendo vinho do Sul, nos convidados vindos da Alemanha e de Brasília, achamos que ínhamos de fazer alguma coisa para compensar o impacto’, diz Renato. Para minimizar o estrago ambiental provocado pela união, eles irão plantar árvores. Quantas, o casal ainda não sabe. Eles contrataram a empresa Carbono Neutro para fazer a conta. Planio e acompanhamento do crescimento das plantas também serão de responsabilidade da empresa.” Ibidem

44. Portaria nº 06 /SVMA.G/2007

45. BORSATO, Cínia. A neutralização da culpa. Revista Veja. 21 de fevereiro de 2007

novas mudas. Caso as mudas não sobrevivam ou sejam plantadas em local inadequado, o único beneiciário da neutralização será a empresa que a realizou, visto que lucrará com a intermediação do processo.

Esse lucro, por sinal, pode ser bastante elevado, pois não existe padronização da quantia a ser compensada. Dados apontam uma discrepância de até 300% nos valores calculados pelas principais empresas de neutralização atuantes no Brasil46.

E a tão divulgada retirada de poluentes da atmosfera por parte das mudas plantadas evidentemente não será plena de forma imediata. Ela está sujeita ao crescimento de árvores que, caso sobrevivam, podem levar até trinta anos para atingir a maturidade. E o processo de neutralização só será efetivo mediante sua continuidade: árvores plantadas hoje que não forem repostas, anularão a ação realizada.

O sucesso do conceito de neutralização perante a opinião pública evidencia que uma parte da sociedade humana está muito mais disposta a atenuar a crise ambiental existente por meio de instrumentos paliativos, ao invés de buscar soluções estruturais para o problema. Este mesmo princípio embasa a aplicação dos créditos de carbono47. Curioso notar que as

próprias empresas que comercializam serviços de neutralização divulgam em seus websites que o investimento em tecnologias alternativas constitui uma solução mais relevante para atenuação da poluição do que o serviço por elas vendido48

46. GERAQUE, Eduardo. Neutralização de CO2 esbarra em método. Folha de São Paulo. Caderno Ciência. 29 dezembro 2007

47. O conceito de crédito de carbono parte do princípio que “cada tonelada de CO2 deixada de ser emiida ou reirada da atmosfera por um país em desenvolvimento poderá ser negociada no mercado mundial [...]”. ROCHA, Marcelo Teotho. Aquecimento Global e o Mercado de Carbono – Uma aplicação do modelo CERT. Tese de Doutorado. Piracicaba: Escola Superior de Agricultura Luiz de Queirós, 2003. p. 9

48. O site da empresa Carbon Neutral (criadora do conceito de neutralização) divulga que o planio de árvores consitui apenas 20% dos recursos por ela direcionados para neutralização, sendo prioritário o invesimento em pesquisa de tecnologias energéicas alternaivas.

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Valoração ambiental: o enfoque