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4. METODOLOGIA

6.6 HISTÓRIAS DE SUCESSO I

6.6.3 Nivaldo Abreu Cordeiro

Nivaldo Abreu Cordeiro, 22 anos, morador de Madre de Deus, cidade da Região Metropolitana de Salvador, é um exemplo de como o conjunto de saberes adquiridos no Programa de Criança teve influência decisiva nas escolhas feitas após seu desligamento:

Cheguei ao Programa de Criança aos oito anos de idade, juntamente com meu irmão, um ano mais velho que eu. Participava do Projeto nas terças e quintas, dias reservados para a minha faixa etária e meu irmão nas quartas e sexta, reservada para alunos maiores. Minha família é composta por seis filhos, meu pai e minha mãe. Estudamos nas escolas municipais locais, algo que facilitou o nosso acesso ao Programa de Criança, além da situação socioeconômica vivida pela minha família, em decorrência de constantes momentos de desemprego de meu pai. Minha mãe era dona de um bar, de onde muitas vezes tirávamos o sustento da família. Em alguns momentos críticos, ficávamos na calçada aguardando que algum vizinho nos desse o café da manhã, lanche ou almoço. Diante de tal situação fomos aprovados na pesquisa que os funcionários do Programa fizeram na cidade de Madre de Deus, visando selecionar as crianças que fariam parte do Projeto. Ao sermos admitidos no Programa de Criança, tínhamos garantido o lanche que na maioria das vezes era a nossa única refeição do dia. Nenhuma oficina oferecida me agradava, apenas a oficina de música que na maioria das vezes chegava zangado com o mundo, não participava de nada a princípio. No decorrer das atividades acabava me envolvendo e quando via já estava cantando junto com o grupo. Muitas vezes desejei não voltar para casa, porque a aula me fazia esquecer todos os meus problemas. Como não podia ficar o dia inteiro, voltava para casa revoltado. Fui me acostumando e gostando das aulas a cada encontro e ali era o único lugar onde me sentia valorizado, importante e especial. As atividades proporcionavam um envolvimento com um mundo musical até então desconhecido para mim. Cada música ensaiada, cada exercício vocal, cada brincadeira em grupo me fascinava e encantava. Chegava pesado e saía leve, pronto para enfrentar o mundo de problemas que me esperava ao sair dali. Os anos que passei no Programa de Criança, foram os melhores anos da minha vida em vários aspectos: descobri o gosto pela música, melhorei minha autoestima e, por fim, me encontrei como autor da minha própria história (Nivaldo, 2012).

Freire (2011) afirma que "quando o homem compreende sua realidade, pode levantar hipóteses sobre o desafio e procurar soluções. Assim, pode transformá-la e com seu trabalho pode criar um mundo próprio: seu eu e suas circunstâncias" (FREIRE, 2011, p. 38). A trajetória musical de Nivaldo reforça o exposto por Freire (2011), quanto ao indivíduo assumir-se como autor da sua própria história, pela forma ele encara as conquistas advindas da sua luta diária para ser reconhecido como músico e compositor.

Atualmente Nivaldo Abreu Cordeiro é professor de violão na Secretaria de Cultura e Turismo/SECULT, na cidade de Madre de Deus, além de compositor, arranjador e vocalista da Banda de Rock Siryus.

Figura 10 - Nivaldo ministrando aula

Fonte: Diário de Campo da pesquisadora

Pelas atividades desenvolvidas e por tudo aquilo que tem conquistado com a música, Nivaldo declara que o Programa de Criança, em especial a oficina de Canto Coral , foi de fundamental importância na escolha da profissão de músico/vocalista que exerce atualmente.

Figura 11 - Nivaldo e Banda

Fonte: Diário de Campo da Pesquisadora Para Penna,

As experiências de educação musical em projetos extraescolares nos trazem os desafios de incorporar os objetivos contextualistas voltados para a formação global, de comprometimento social e de diálogo com diversas

realidades culturais. Dessa forma, essas novas experiências de ensino de música colocam em questão a própria formação do professor (PENNA, 2006, p. 40).

Kleber (2006) e Santos (2006) alegam que o ensino de música desenvolvido no âmbito dos projetos sociais pode ser considerado como uma proposta não apenas viável, mas muito eficiente de educação com vistas à transformação social.

Para Kater (2004), tanto a música quanto a educação são produtos da construção humana e podem ser um instrumento de formação e assim possibilitar o conhecimento e o autoconhecimento. Santos (2006), em consonância com Kater, afirma que:

[...] no caso da educação musical, sobretudo em âmbito não escolar a exemplo dos projetos sociais, é possível afirmar que possui a função de promover no indivíduo a compreensão e consciência de si próprio e do mundo, de forma mais abrangente, bem como de aspectos não comuns do cotidiano, fazendo assim com que se tenha um olhar fidedigno e enfim criativo de sua realidade (p. 3).

Tomando como base o depoimento de Nivaldo Abreu e a confirmação da possibilidade de construção humana vislumbrada pelos autores acima, mediante o ensino de música nos espaços dos projetos sociais, nossa pesquisa foi se legitimando como elo para reflexão. Há várias discussões em encontros de educadores musicais (ISME, ABEM, ANPPOM, APEMBA, FEMBA), nos quais os projetos sociais são tidos como espaços favoráveis para uma prática musical transformadora. Refletindo sobre a função da arte/música nesse novo momento, temos a clara percepção de que tal ensino transpõe fronteiras indo além do mero ensino teórico, para um ensino que reflita mudanças substanciais na forma de pensar e agir dos atores envolvidos com o ensino de música, a exemplo de Nivaldo Abreu.

As composições de Nivaldo retratam problemas sociais diversos, críticas ao sistema de marginalização, ao tempo em que é um grito interno do compositor de protesto e reivindicação de mudanças para uma sociedade mais justa e igualitária.

Mediante tais resultados concordamos com Rangel (2005, p. 31) ao afirmar que: Na sociedade moderna, uma vasta zona de incertezas tende a se desenvolver, pois o sujeito é submetido a múltiplas outras pressões sociais que o levam, cada vez mais, a tentar encontrar em si mesmo uma unidade que a ordem social não lhe oferece mais. São múltiplas instituições cujas regras tendem a substituir as da família e do grupo social de pertença (RANGEL, 2005, p. 31).