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E o que é projeto estético na primeira infância? A construção do que entendo será desvelado no decorrer da pesquisa; antes, considero importante dar a noção das bases teóricas que me ajudaram nessa minha construção. Começo, então, na busca do que é estética numa dimensão histórica e filosófica e, para isso, faço interlocução com o pensamento de dois filósofos – o italiano Luigi Pareyson4 e o americano John

Dewey5, entre outros.

Segundo Pareyson (1977), a “estética” surgiu no Settecento, quando a beleza tornou-se objeto do conhecimento. Desde então, o termo tem-se ampliado e, na atualidade, ela é entendida como filosofia porque reflete e especula sobre experiência estética, na qual entra toda experiência que tenha que ver com o belo e a arte. Nela entram também a contemplação da beleza (artística), a interpretação e avaliação de obras de arte, as teorizações da técnica das várias artes.

Se pode chegar à estética a partir de duas direções diversas, mas convergentes: ou da filosofia, quando o filósofo estende o seu puro pensamento a uma experiência de arte, ou da própria arte, quando de um exercício concreto de arte, ou de crítica, ou de história, emerge uma consciência reflexa e sistematicamente orientada pela própria atividade. (PAREYSON, 1997:9).

A estética é, assim, um campo no qual podem falar muitas pessoas: filósofos, artistas, críticos, historiadores, psicólogos, sociólogos, pedagogos, com a condição de que todos prestem atenção ao ponto em que experiência e filosofia tocam-se - a experiência para estimular e verificar a filosofia, e a filosofia para explicar e fundamentar a experiência (PAREYSON, 1997).

4Pareyson, Luigi(Itália, 1918 - 1991). Sua obra está ligada à Filosofia da Existência, à Hermenêutica, à Filosofia

da Religião e à Estética.

5 Dewey, John (Estados Unidos, 1859-1952). Psicólogo, filósofo, educador, cientista político e social. É

reconhecido como um dos fundadores da escola filosófica de Pragmatismo e representante principal do movimento da educação progressiva norte-americana durante a primeira metade do século XX.

Para John Dewey (2010) a estética está presente onde quer que a beleza se encontre: no mundo sensível ou no mundo inteligível, produto da arte ou da natureza ou dos objetos do cotidiano.

A busca da beleza é natural à nossa espécie e, em cada época e cultura, existe o cuidado e o atendimento à dimensão estética – das grandes obras de arte, aos objetos do cotidiano. Para o autor o problema é recuperar a continuidade da experiência estética com os processos normais da vida, que nos levam às atividades prazerosas, como a singeleza de acender uma lareira e com ela aquecer-se, e fascinar-se.

O prazer do expectador ao remexer a lenha que arde na lareira e ao observar as chamas dardejantes e as brasas que se desfazem. Essas pessoas, se alguém lhes perguntasse a razão de seus atos, sem dúvida forneceriam respostas sensatas. O homem que remexe os pedaços da lenha em brasa diria que o faz

para melhorar o fogo; mas não deixa de ficar fascinado com o drama colorido da mudança encenada diante de seus olhos e de participar dele na imaginação. Ele não se mantém como um espectador frio. (DEWEY, 2010: 62)

Os objetos no passado tinham um lugar na vida das comunidades, isolados das condições de sua origem, desvinculados da experiência comum, servem apenas como símbolo de bom gosto de uma cultura especial (Dewey, 2010).

A tarefa da filosofia da arte é restabelecer a continuidade entre, de um lado, as formas refinadas e intensificadas da experiência que são as obras de arte; e, de outro, os eventos, atos e sofrimentos do cotidiano, universalmente reconhecidos como constitutivos da experiência. (Dewey, 2010: 60)

Como experiência contemplativa, Dewey (2010), traz ainda a ideia, que me agrada muito, que está em sintonia com os princípios do Grão, do fortalecimento da relação da criança com a natureza - a compreensão estética nasce do solo, do ar e da luz dos quais brotam coisas esteticamente admiráveis, da natureza que nos cerca. Estar sensível e sensibilizar-se com ela são as condições e os fatores que tornam completa a experiência comum.

Por esse caminho, para as crianças pequenas a educação estética ocorre num trabalho lento, quase invisível de despertar a sensibilidade para as coisas do mundo, “que podem ser vistas, olhadas, experienciadas de diferentes modos, o que inclui a capacidade para a contemplação e a quietude” (MACHADO, 2012: 6).

A percepção estética provoca uma forma diferente de olhar, embora não signifique apenas relancear os olhos para algo, é preciso atentar-se para ele, fitá-lo, perscrutá-lo; em suma, vê-lo realmente; por isso a importância de a criança aprender a aquietar-se, como cita Machado, para abrir espaço para a apreciação e a compreensão dos fenômenos.

Para Loris Malaguzzi6 (1999 in EDWARDS, GANDINI, FORMAN) a experiência

estética vem também dos ambientes agradáveis, por isso as escolas de Reggio Emilia são construídas com especial atenção aos elementos que compõem os ambientes – a integração de espaços externos (com a natureza) e internos, o mobiliário, a organização de materiais, entre outros. A instauração dos ateliês, como um coração pulsante nas escolas, dão a dimensão do que é a arte e a experiência estética em Reggio.

Como vimos, além da beleza natural, a contemplação se faz pela beleza artística ou intelectual, dos objetos e pensamentos criados pela humanidade. Estética é apreciar e julgar (tem valor ético) e é produzir também. Na dimensão da experiência direta, do desejo e do prazer pessoal encontrado no fazer, a estética pode influir de modo decisivo sobre a pessoa, artista ou não, sobre seu gosto e modo de criar e sobre seu juízo e modo de interpretar, ou seja, exerce influência decisiva sobre a conduta.

O estético é busca, é interpretação, é experiência. “Consideramos estética a importância dada aos detalhes, pelo gosto de arredondar as ações, fazê-las entender e expô-las em termo atraente, pelo gosto por cultivar a sensibilidade pessoal” (HOYUELOS7, 2006: 32).

A criança em suas elaborações demonstra expressividade, emoção, sensibilidade e qualidades estéticas, e isso tudo está a favor de apoiar os seus desejos. A estética pessoal é marca, é escolha que se expressa pelos assuntos e procedimentos elegidos, como: pintura, escultura, gravura e outros. O processo é autônomo e emocional de ponta a ponta; para a criança a experiência estética é senso- perceptiva, por isso é expressiva.

Dados os primeiros contornos sobre estética, vamos ver como Gabriel constitui a sua diferença?

6 Malaguzzi, Loris (1920-1994) - pedagogo italiano, especializou-se em psicologia. Reconstruiu as escolas de

Reggio Emilia - norte da Itália- após a II Guerra Mundial; criou a primeira escola infantil laica em 1963 na mesma região. Difundiu pelo mundo a filosofia que fundou em Reggio, sustentada pela Pedagogia da Escuta.

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Hoyuelos, Alfredo - nasceu em 1963 em Pamplona (Espanha). Licenciou-se em Filosofia e Ciências da Educação; sua tese de doutorado revela o pensamento e a obra de Loris Magaguzzi e sua repercussão nas escolas infantis.