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Para além da Mesa de Desenho, outros lugares da escola (e com a pesquisa isso ficou muito nítido para mim) acolhem as produções das crianças, em especial os desenhos. O que denota que a prática, iniciada nela, reproduz-se em qualquer canto, em qualquer lugar e nos momentos livres de Quintal, dada a autonomia alcançada pelas crianças, que se sentem autorizadas a criar os próprios espaços.

A prática constante, diária da Mesa é uma conquista dentro da rotina, e um ponto que nos permite refletir o quanto isso é relevante para qualidade de produção alcançada pelas crianças do Grão e para o desenvolvimento do projeto estético, para que ele exista e possa ser reconhecido.

As crianças do G6, eu não havia abordado ainda, participam muito pouco da Mesa de Desenho do Quintal. Desde quando comecei a pesquisa, notei que, nos três grupos pesquisados - de 2013, 2014 e 2015, houve tendência a criar “nichos de encontro para desenhar” em várias partes da casa, e principalmente na própria sala. Adoram recolher-se para desenhar juntos, comparam, trocam informações, compartilham assuntos, criam histórias, identificam-se e solidificam as amizades.

Às vezes, misturam-se meninos e meninas; noutras, dividem-se por gênero. Desenham em papéis soltos, como acontece na Mesa, ou em cadernos de desenho, que possuem em sala, ou usam coletivamente o quadro branco da sala. Às vezes são permeáveis a pessoas que queiram compartilhar o que fazem; noutras, mostram-se bem resistentes, mudam de lugar e escondem-se.

Numa pilha de desenhos feitos e acumulados para serem guardados, quando chamados para identificá-los são capazes de reconhecer os assuntos, os traços e o jeito de cada amigo expressar-se. Chegam a opinar sobre os desenhos dos colegas que dividem a sala no período oposto ao que estudam, pois são muito, muito observadores.

Na Figura 124, vemos três meninas de seis anos em uma estrutura particular da Mesa de Desenho - feita por elas, com muita autonomia; motivadas, quem sabe, pelo desejo de estarem sozinhas e poderem compartilhar suas produções mais intimamente. A organização se deu na sala das crianças pequenas, no horário do segundo Quintal, quando a “Mesa oficial” normalmente está desmontada. Vejam como elas usaram as esteiras para acomodar os corpos e delimitar o espaço, só delas.

Na Figura 125 e 126, outro momento de desenho livre, agora organizado pelos meninos, que usaram o quadro branco da sala para brincar de guerra – cadeiras foram colocadas por eles para o acesso à parte de cima do quadro. Aqui chamo a atenção para o suporte escolhido – na vertical e grande - adequado para o desenho coletivo. Nesses dois casos, diferentemente do que acontece na Mesa, as crianças maiores dificilmente são acompanhadas por adultos; existe a preocupação de saber onde e como estão, são olhadas e cuidadas, mas dadas as várias tarefas que se apontam no Quintal, principalmente no segundo, elas seguem sozinhas.

Abaixo, parte do diálogo dos meninos, que transcrevi do filme feito por mim:

Depois eu faço as pretas (bolinhas e estrelas) e você as azuis. Cada uma é de uma cor... Quantas eu faço?

Se ele não morrer, caem todas as estrelinhas aqui e faz pum! Esse é o canto do André e esse é o nosso canto...

Não apaga isso! É uma ponte. Eu vou desativar a ponte. Vamos, agora, interação!(ou interligação, não sei ao certo). Quando eu falar misture tudo, a gente coloca a linha aqui... Agora cata pum pau! Uma bomba!

Eu vou apagar...

Não, não apaga nada, a gente tá fazendo... Eu vou fazer um monstro.

Tá bom.

Quem me empresta o apagador?

Quem me empresta o mega destruidor? (o apagador) Olha o que aconteceu aqui!

Sabe o que vou fazer? Eu vou fazer a sala dos animais selvagens. Me ajuda?

Unidos pelo assunto, material e espaço, os meninos compartilham e saboreiam os desenhos e a história - é permitido fazer acréscimos em um ou em outro. Há a solicitação de ajuda, propostas de divisão de espaço, apreciação e respeito pelas ideias e configurações que surgem, tudo para dar continuidade à aventura a que se propõem. “O desenho infantil, considerado como uma forma de comunicação, em relação à cultura de pares e às culturas de infância, podem exprimir a interatividade e a comunicação entre as crianças no momento de sua produção em grupos” (BORDIN e BUSSOLETTI, 2014:443).

Na observação desses encontros, aprendo que o desenho feito coletivamente ainda mantém os aspectos peculiares de cada criança. O modo de fazer de cada um não se perde, mantém-se o frescor original; a troca estimula novas aquisições, o que é bastante favorável aos processos criativos e expressivos.

Os desenhos dão suporte à história, e têm movimento, estão em ação, em execução; assim como os corpos também estão, ao transitar de um lado para outro, para cima e para baixo, em pé, agachados, com mãos e braços que se cruzam, que apontam e tocam-se. Observem mais exemplos de suportes que propõem o traçado

em outra perspectiva, que exigem do corpo outra relação com o desenho – parede de azulejo (Figura 127), chão, (Figuras 127 e 128) e lousa (Figura 129).

Esses suportes permitem muita liberdade para o desenho, principalmente o chão ou a parede que têm dimensões gigantes para a criança pequena. Olhem para a Figura 128 e imaginem qual é o limite para as pernas da figura humana, que surge das mãos do garoto.

Ainda que as crianças, ao desenhar em suportes menores, individualizados, interajam e comuniquem entre si, destaco o potencial desses suportes maiores para evidenciar ainda mais esses dois aspectos (interação e comunicação) e também a articulação de ideias e a elaboração de imagens evocativas e referenciais de um modo distinto de um ou vários grupos de crianças.

FIGURA 128 (foto do acervo da escola)

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