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O compromisso do professor com a experiência da criança

Olhando por esse adorável ângulo, que até pouco tempo era desconhecido para mim, não posso deixar de aproximar a “mãe suficientemente boa” de Winnicott com o professor. Meus estudos na psicanálise são bem recentes, fui apresentada a eles um pouco antes de começar a pós- graduação: inicialmente com Marina Machado e, depois, com João Frayze-Pereira, ambos psicanalistas na abordagem fenomenológica de Merleau-Ponty e com artigos e livros escritos em conexão com a arte. Por esse caminho entranhei-me e decidi afetar-me pelas teorias advindas da psicologia que sabia dialogarem com a educação, sem ter consciência de quão intensamente dialogavam com a arte.

Essa aproximação leva-me a crer que, para receber bem o ato criativo da criança, é preciso observar, acolher, reafirmar cumplicidade e, ao mesmo tempo, deixá-la crescer para que ela possa seguir livremente seu caminho, rumo a novos vínculos e novas emoções. Deixar a criança criar é vê-la diferenciar-se e descobrir inesperada originalidade. O compromisso do professor com a experiência da criança em arte é colocada da seguinte forma por Rocha11 (2011):

... tudo começa pela qualidade da presença do professor, pela sua

disponibilidade. Pois estar a postos, para apoiar e acompanhar as crianças em suas criações pode e deve ser a coisa mais importante do mundo. É essencial que percebam que estamos lá, com elas, para o que der e vier. (ROCHA, 2011: 148).

Pensar em todos esses aspectos me ajuda a seguir em frente com problemas que me ocupam há alguns anos na orientação dos projetos de artes visuais, dentro e fora do Grão de Chão. Na Educação Infantil existem vários desafios que precisam ser transpostos. Um deles está na forma de conduzir o processo expressivo, que muitas vezes se mostra autoritário, que desconsidera os interesses da criança.

Certo dia, em reunião das auxiliares de professores do Grão, uma delas, estudante de psicologia, contou ao grupo sua experiência de estágio numa escola pública, em que a professora propusera uma atividade com tintas. “Ufa, que bom!”, diz a auxiliar. Fazia alguns dias que ela frequentava a sala e estava ansiosa em ver algum trabalho plástico. As crianças de dois anos deveriam marcar suas mãos num grande papel craft, e a professora fez algo que impressionou a auxiliar: pegou as mãos das crianças, uma por uma, mergulhou-as na tinta e conduziu-as pessoalmente para

11Rocha, Ana Cristina Rossetto. Foi professora de música na EMIA (Escola Municipal de Iniciação Artística) e

fazer a marca, num lugar certo e apenas uma marca; as crianças estavam impedidas de mexer as mãos, entre outras coisas.

No trabalho formativo é importante o compartilhamento de experiências, pois conseguimos avançar muito na compreensão dos processos que ocorrem na escola, de qualquer escola. Nesse caso, apesar da discussão ter enveredado para as condições precárias de ambientes e materiais, do número grande de alunos, da preocupação com a bagunça, conseguimos chegar ao ponto em que pudemos discutir também as expectativas dos adultos em relação à arte infantil, do medo que se tem da produção da criança. Marcar as mãos no papel parece, sem dúvida, melhor ou mais bacana que entregar um desenho xerocado ou mimeografado para ser colorido, mas se o processo mostra-se como foi, visando à uniformização do fazer, nada de novo se fez. Nenhuma escola é desprovida de problemas dessa ordem, mesmo as que oferecem condições melhores de trabalho, incluindo as que fazem formações constantes com a equipe; dada a rotatividade, professore mudam e temas como estes precisam ser constantemente revistos.

Como professora vivi na pele o conflito de não saber até onde ir com minhas intervenções, de como deixar a criança assumir certos riscos para poder mostrar-se verdadeiramente. Agora, como coordenadora, observo isso nos professores, às vezes, de forma conflituosa também, como aconteceu comigo, e, às vezes, como um processo ainda a ser descoberto. Não à toa o tema da minha dissertação é a análise do fazer livre da criança, que esbarra no fazer do adulto, que ajuda na condução.

É importante acrescentar que o depoimento da auxiliar, veio da reflexão que fazíamos de um dos capítulos do livro “A experiência de Lóczy”, em que a ênfase era o desenvolvimento motor e a autonomia, e como os adultos poderiam agir como facilitadores desse processo. Achei interessante como ela conectou o assunto à observação em relação aos movimentos essenciais da criança no processo expressivo; de como a criança deve ganhar também autonomia para realizar ações como pintar, desenhar, colar e outros. As mãos presas da criança pelas mãos do adulto foi o que mais a impressionou.

Em 2010, participei do II Seminário Internacional de Educação Estética, organizado pelo LABORARTE (Laboratório de Estudos sobre Arte, Corpo e Educação), do qual faço parte, e lá encontrei Graham Price12, que falou sobre sua jornada como

professor de arte na Nova Zelândia, numa palestra que intitulou “De volta aos nossos sentidos”. Price comoveu-me com sua fala, seu canto e com o convite aberto para considerarmos o professor como parceiro do aprendiz em um processo que pode ser

colaborativo. A metáfora usada por ele para essa situação de colaboração é a do professor-testemunha:

Para mim, o momento quando sou convidado a compartilhar de uma obra que está nascendo virou um ato conscientemente meditativo. ...Testemunhar parece uma boa palavra para esse estado silencioso, pois reconhece sua qualidade de engajamento. ...nos momentos em que os alunos estão acomodados, prontos para concentrar-se e a sala fica silenciosa naturalmente. Eu tomo esse silencio externo como um sinal para mudar meus diálogos internos, levando-os para longe do modo professor-que-faz-as-coisas-

acontecerem e em direção ao modo professor-que-está-aberto-para- responder, num lugar mais profundo e silencioso (PRICE, 2011, in ALBANO,

STRAZZACAPPA (orgs.), 2011: 57).

O desafio do professor é estimular o aluno a esforçar-se em direção a novas compreensões.