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POR UMA SINTAXE DE BASES ENUNCIATIVAS

2.5 A NOÇÃO DE LUGAR SINTÁTICO: FUNDAMENTOS E IMPLICAÇÕES

2.5.4 Nota sobre a noção de silêncio sintático

Temos trabalhado com a noção de silêncio sintático (DALMASCHIO, 2008) e entendemos que essa noção seja intrinsecamente derivada do conceito de lugar como unidade básica da sintaxe. O silêncio tem um exercício sintático na medida em que significa por estar articulado a outro elemento dentro da sentença, e tal articulação só se efetiva porque o vazio significativo se instala em um lugar qualificado.

Como se definiria, entretanto, o mecanismo de constituição da referência pelo silêncio sintático? Acreditamos que a resposta para esse questionamento possa angariar constribuições no quadro teórico da macrossintaxe, proposto por Berrendonner (1990). Segundo o autor,

“cada sentença é, com efeito, um operador que toma por argumento um estado prévio de M

[memória discursiva ou saber compartilhado], ao qual ele se aplica para transformá-lo e que produz, a guisa de resultado, um novo estado de M” (BERRENDONNER, 1989, p. 26, tradução nossa).43 Esse mecanismo de retomada e projeção em uma memória de dizeres, configurando a referência dos elementos articulados na sentença, pode ser representado pelo esquema a seguir.

Fonte: BERRENDONNER, 1990, p. 26.

Segundo a perspectiva de Berrendonner (1990), os elementos articulados dentro da sentença perfazem conexões macrossintáticas, semanticamente descontínuas, porque deslizam em implícitos que se podem inferir pelas relações com M. Esse tipo de conexão, chamada de apontamento (pointage), definir-se-ia como “a relação de pressuposição assim estabelecida entre uma forma de ancoragem e uma informação na M” (BERRENDONNER, 1990, p. 29, tradução nossa).44

43 No original: Chaque clause est em effet um opérateur qui prend pour argument um état préalable de M [mémoire discursive, ou savoir partagé, auquel il s’applique pur le transformer, et qui produit em guise de

résultat um nouvel état de M.

44 No original: la relation présupositionnelle ainsi établir entre une forme de rapel et une information présente

Deslocamos a noção de apontamento do interior da perspectiva cognitivista em que foi desenvolvida, sendo que as relações macrossintáticas seriam cognitivamente motivadas, e lançamos mão dessa noção para descrever o modo como as unidades sintáticas constituem referência. Entendemos a enunciação como um acontecimento que estabelece uma temporalidade própria, assim, o presente da articulação estabelecida entre as unidades linguísticas na sentença produz um recorte em uma memória de dizeres e, ao mesmo tempo, projeta uma latência de futuro engajada nessa memória. Na medida em que os elementos articulados na sintaxe constituem uma referência perpassada por essa memória, eles o fazem enquanto matrizes de apontamento.

Nesse sentido, uma matriz de apontamento seria uma unidade linguística que constitui referência a partir das relações sintáticas que estabelece dentro da sentença. Para tanto, essa unidade delimita um recorte na memória de dizeres e projeta uma latência de futuro. A contraparte material da matriz de apontamento seria uma formação morfossintática de qualquer natureza, sendo ela materializada por um grupo morfossintático ou por silêncio sintático. Observemos a seguir a sentença principal de um anúncio publicitário de automóvel.

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Fonte: http://goo.gl/gMzWi. Acesso: 01/11/2012. Adaptado.

O anúncio publicitário é constituído por duas sentenças, sendo a principal delas configurada em um modo de enunciação proverbial, e pela imagem de um casal apreciando um automóvel.

Os lugares de objetos das formas verbais ‘ama’ e ‘cuida’, na sentença principal, apresentam- se como silêncio sintático. No escopo de cada um desses lugares, está constituída uma matriz de apontamento, cuja referência indicada seria o carro, foco do anúncio publicitário que deseja convencer o alocutário a fazer revisão periódica no veículo. Além disso, somos levados a pensar que está constituída, também no escopo dos lugares de objeto em análise, uma referência à família, já que a imagem mostra um casal apreciando o carro. Vale lembrar que tais leituras não esgotam a potencialidade referencial no âmbito dos lugares sintáticos em questão, pois se trata de uma sentença proverbial. Podemos observar assim que o silêncio sintático é um vazio significativo, que constitui referência, porque constitui, necessariamente, o que chamamos de matriz de apontamento. E o fato de o lugar de adjunto adverbial aparentemente não constituir matriz de apontamento nas ocorrências em que não estão ocupados naturalmente explicaria o fato de esse lugar não se submeter ao fenômeno do silêncio sintático

2.6 SÍNTESE

Neste capítulo empreendemos a tarefa de apresentar os pilares que sustentam uma sintaxe de bases enunciativas e seus desdobramentos em perspectivas que descortinam os fatos sintáticos na sua interdependência constitutiva entre o orgânico e o simbólico. Partimos do fundamento de que a enunciação estaria para a língua de modo transversal, constituindo um fenômeno total e constante para o qual a materialidade da língua estaria potencialmente configurada. Delimitamos a abordagem que nos leva a compreender a enunciação como um acontecimento, em cuja atualidade funcionam em confluência o recorte em uma memória histórica de sentidos e a produção de uma latência de futuro, resultando em matriz para a constituição de outros dizeres.

A sentença, unidade de análise deste trabalho, seria o esteio de uma tensão entre as dimensões orgânica e simbólica da língua, constituindo-se pelo jogo das regras e por um jogo sobre as regras sintáticas. Dinâmica das regularidades, esse jogo sobre as regras nos deixa entrever fundamentos enunciativos para a articulação sintática da sentença. Trabalhamos com as peças dessa articulação, que seriam os lugares sintáticos, fundamentalmente lugares de constituição de referência. Consideramos, então, a noção de FN, elemento de base nominal que ocupa os lugares de sujeito gramatical e de objeto e produzem um recorte de referência a partir da articulação interna que encerram e da articulação que estabelecem com outros elementos da

sentença em que se inserem. Nesse âmbito, teríamos a constituição de um domínio referencial, um campo de emergência das entidades extralinguísticas para as quais se produz um efeito de apontamento.

Na ocupação do lugar de adjunto adverbial, parecer emergir outra categoria de referência, que se configura como uma referência em perspectiva. Denominamos essa base distinta de referência de formação adverbial (FAdv), que se materializa amplamente por elementos reunidos sob o signo do que tradicionalmente se classifica como advérbios. Nesse sentido, reconfiguramos o nosso foco de análise. A partir da categoria FAdv, integramos diversas expressões encabeçadas por preposição ao nosso foco de análise, porém, excluímos todas aquelas não intercambiáveis por advérbios simples, i.e., sem preposição. E fomos além, procurando abarcar dentro de uma categoria única a diversidade dos elementos passíveis de ocupar o lugar de adjunto adverbial.

CAPÍTULO 3

UMADISCUSSÃOMETODOLÓGICA